12 Setembro 2025
A jornalista e vítima do Sodalício obtém a primeira entrevista com o Papa, que ela registra no livro 'Leão XIV: Cidadão do Mundo, Missionário do Século XXI', que está à venda no Peru: "Há um cabo de guerra entre a esquerda e a direita para reivindicá-lo como seu, mas ele não faz parte de nenhum 'lado'."
A reportagem é de Jesús Bastante, publicada por Religión Digital, 12-09-2025.
"Ele não faz parte de nenhuma facção; é muito independente e fará coisas que agradarão ou desagradarão a todos em algum momento. Só precisamos deixá-lo ser ele mesmo, sem compará-lo demais com seus antecessores, pelo menos não de forma ideológica." Foi assim que Elise Ann Allen falou sobre Robert Prévost após conseguir o que todos os jornalistas do Vaticano tanto almejavam: a primeira entrevista com o novo Papa.
Uma entrevista (duas, na verdade), que se refletem no livro Leão XIV: Cidadão do Mundo, Missionário do Século XXI, que a Penguin publica neste 18 de setembro no Peru – em janeiro o fará na Espanha e em inglês–, e no qual Allen, também vítima do Sodalício, conversa com Prevost sobre polarização, reformas e abusos dentro da Igreja Católica.
A especialista em Vaticano da CRUX, um veículo de mídia especializado que começou como um projeto do Boston Globe em 2014 e agora continua como um portal independente, está convencida de que Leão XIV seguirá o caminho trilhado por Francisco. Mas ela esclarece que Prevost "manterá seu próprio perfil" e provavelmente não será tão progressista quanto Bergoglio em questões como a acolhida de pessoas LGBTI ou a possível ordenação de mulheres sacerdotes.

Livro de Elise Ann Allen. (Foto: Reprodução)
Como surgiu a entrevista? Onde e como ela aconteceu?
Aconteceu em fevereiro. Viajei ao Peru no início daquele mês para dar algumas entrevistas relacionadas à supressão do Sodalício e conheci um editor da Penguin Peru. Poucos dias depois do conclave, ele me perguntou se eu estaria interessado em escrever uma biografia do novo Papa. Concordei e convidei Leão XIV para participar. Quando ele disse sim, combinamos de nos encontrar duas vezes. A primeira foi em 10 de julho, em Castel Gandolfo. A segunda estava marcada para 30 de julho, no Palácio do Santo Ofício, onde ele reside.
Como é o Prevost na vida privada?
A primeira vez que nos encontramos foi em 2018, no Peru, quando ele ainda estava em Chiclayo e também era presidente da Comissão Nacional para a Proteção da Infância da Conferência Episcopal Peruana. De volta a Roma, o convidamos para jantar em nossa casa.
Em todas as ocasiões em que compartilhamos sua companhia, ele permaneceu exatamente o mesmo, antes e depois de se tornar Papa: muito natural, muito sereno e sincero. Quando fala, não dá a impressão de ser formal, nervoso ou algo do tipo. Ele é completamente à vontade e muito honesto. Eu diria que ele é uma pessoa cativante.
O que encontraremos no livro?
Um perfil abrangente de Robert Prevost, desde sua infância em Chicago, passando por seu período como missionário em Chulucanas e Trujillo, seu período como Prior Geral dos Agostinianos e como Bispo de Chiclayo. O livro também relata seu trabalho na Cúria Romana, bem como o conclave e sua eleição ao papado. A pesquisa oferece uma análise aprofundada do contexto cultural, social e político do Peru nas décadas de 1980 e 1990, um período muito difícil para o país, tanto no âmbito civil quanto eclesial.
Tracei o perfil do Papa com base em conversas com seus amigos e colaboradores mais próximos: como missionário, pastor e líder em diversas áreas. É claro que o próprio Papa também reflete sobre si mesmo, sua infância e sua vocação. Ele discute o debate entre a Teologia da Libertação e o Concílio Vaticano II, sua visão sobre a formação no seminário e o que faz um bom bispo. Prevost também aborda abertamente a crise dos abusos, incluindo seu trabalho no caso Sodalício, e seu foco em questões de justiça social, como migração e pobreza. Ele também discute seu relacionamento com Francisco e sua reação à sua própria eleição e, claro, no capítulo final, aborda diversas questões de atual importância eclesial e geopolítica.
Como Leão XIV lida com a comparação com Bergoglio?
Não gosto de comparar papas. Ele tem sua própria identidade, e acho que compará-lo a Francisco é um erro, assim como comparar Francisco a Bento XVI, e Bento XVI a João Paulo II, foi um erro.
Infelizmente, em uma era tão polarizada, Bento XIV foi profundamente incompreendido pela chamada "esquerda católica", a ala progressista da Igreja, e Francisco foi profundamente incompreendido pela "direita católica", o setor mais conservador. O Papa Leão XIV é alguém que pode falar com ambos os lados, visto que a Igreja está dividida em diferentes campos.
Este pontificado dará continuidade ao caminho trilhado por Francisco?
Leão XIV claramente dará continuidade ao caminho iniciado pelo Papa Francisco em questões como sinodalidade e justiça social, pobreza e meio ambiente, mas poderá ser mais moderado em outros tópicos. E acredito que ele será mais claro ao traçar limites em questões como inclusão LGBTQ+ e ordenação de mulheres.
Neste momento, há um enorme cabo de guerra tanto da esquerda quanto da direita para reivindicar Leão XIV como seu na Igreja, mas a verdade é que ele não faz parte de nenhum "lado". Ele é muito independente e fará coisas que agradarão ou desagradarão a todos em algum momento. Só precisamos deixá-lo ser ele mesmo, sem compará-lo demais com seus antecessores, pelo menos não de forma ideológica.
Leão alcançará a tão esperada unidade da Igreja sem acabar com as reformas iniciadas por Francisco?
Esta é uma pergunta importante, que muitas pessoas estão se perguntando. Acredito que a grande esperança, e a grande expectativa, é que a resposta seja sim. Ao longo de sua vida, Leão foi conhecido como alguém que resolve problemas, não os cria; alguém que foi elogiado por ser capaz de resolver problemas de forma eficaz por meio da escuta e do diálogo, unindo pessoas com pontos de vista divergentes sem gerar conflito ou tensão.
Ele é amplamente reconhecido como um unificador e construtor de pontes por aqueles que o conhecem e trabalharam ao seu lado. Ele já declarou que trazer a paz e construir pontes será uma prioridade.
Uma pergunta pessoal. Como é ser biógrafo de um pontífice, quando ele desempenhou um papel tão importante no seu reconhecimento como vítima do Sodalício?
Para mim, é muito significativo. O Papa Leão XIV sempre apoiou as vítimas, tanto no caso do Sodalício quanto em qualquer outro em que tenha se envolvido. Prevost sempre apoiou as vítimas e foi um dos poucos bispos no Peru que assumiu uma posição muito clara sobre o Sodalício desde o início. Ele se encontrou com muitas vítimas e desempenhou um papel importante ajudando muitas delas a obter indenização. Sei que ele ainda mantém contato com algumas. Para mim, esta entrevista foi um privilégio.
Leia mais
- Diálogo, proximidade e espiritualidade: as chaves para ler a revolução silenciosa de Leão XIV para garantir o espírito profético de Francisco. Artigo de José Manuel Vidal
- No Peru, o Papa apoia as investigações de abusos na Igreja com uma mensagem inédita: "Precisamos dos jornalistas"
- Os jornalistas que investigaram o Sodalício pedem “proteção” ao Papa face aos ataques que estão recebendo
- O Papa, a três jornalistas perseguidos pelo Sodalicio: “Podem dizer publicamente que apoio totalmente a Missão Especial e não os apoio [Caccia e Blanco]”
- Sodalício: ex-membros do ramo feminino do movimento relatam que o abuso era generalizado
- O assistente espiritual e o ‘burocrata’ expulsos do Sodalício por corrupção de menores e abuso econômico
- Francisco ordena a expulsão de mais três membros do Sodalício
- Sodalício, uma experiência fracassada da guerra fria na América Latina. Artigo de Carlos Castillo Mattasoglio
- Cinco dias depois, o Sodalício aceita "com humildade e obediência" a expulsão de dez de seus membros
- Pedro Salinas: “O Sodalicio é uma organização sectária que usa uma fachada católica para perpetrar todos os tipos de abusos”