A força da Flotilha. Artigo de Concita De Gregorio

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02 Setembro 2025

"Não consigo descrever agora a comoção e a emoção de ver pessoas idosas, crianças de mãos com os pais com sacolas de compras, dezenas e dezenas de voluntários separando macarrão do açúcar, tomates pelados da farinha", escreve Concita de Gregorio, jornalista italiana, em artigo publicado por La Repubblica, 01-09-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Desde o G8 de Gênova, não via Gênova assim. Aberta, risonha, corajosa, resistente e solidária.

Mas — digo isso para aqueles que estavam lá e para aqueles que não estavam, para aqueles que se lembram e para aqueles que não sabem — a memória espelhada não foge do massacre, naturalmente: não do dia que, pelo quarto de século seguinte, afogou no sangue as esperanças, que congelou na raiva e na desilusão as gerações futuras.

Não, falo do primeiro dia daquele distante julho de 2001: o cortejo pacífico do qual participaram, participamos, nós todos. Todas as janelas estavam abertas, naquela oportunidade, as idosas debruçavam-se nas sacadas e acenavam.

As crianças corriam, os portuários desfilavam com seus filhos e filhas, e todos cantavam, todos prometiam que não haveria mais muros, mas sim pontes, mares abertos, o futuro seria mais livre e igualitário. Havia uma alegria e uma energia naquele dia, uma determinação, uma confiança na humanidade que continuei a procurar em todos os lugares, durante anos, mas depois parei. No sábado passado, voltei a sentir. Timidamente, com prudência, espiei o quartel geral da Music for peace, onde, eu tinha lido, estavam coletando alimentos para enviar a Gaza nos barcos da Flotilha Global Sumud. Alimentos a serem enviados à Faixa de Gaza para um povo que está – literalmente - morrendo de fome diante de nossos olhos, de ocidentais bem alimentados e refrescados por bebidas energéticas e chás de ervas diuréticos. A sede da Music for peace fica sob um viaduto, uma rotatória em um cruzamento perto do porto. Era meio-dia de sábado. À noite, haveria uma procissão de tochas e, em seguida, os quatro navios partiriam.

Não consigo descrever agora a comoção e a emoção de ver pessoas idosas, crianças de mãos com os pais com sacolas de compras, dezenas e dezenas de voluntários separando macarrão do açúcar, tomates pelados da farinha. Uma senhora de regata rosa — quantos anos a senhora tem? 82 — transportando caixas em uma empilhadeira. Um menino de 8 anos — qual o seu nome? Martino — garantindo que sua lista, escrita com canetinha colorida, suas compras feitas pela manhã, fosse efetivamente embarcada. E artistas, ativistas, estudantes, livreiros, artesãos, portuários, esteticistas, cabeleireiros, advogados, padres, administradores, pessoas. Uma multidão, uma linha de montagem classificando, separando, embalando. Quase trezentas toneladas de alimentos: a estimativa, na melhor das previsões, era de quarenta.

É o quanto os quatro navios de Gênova podem transportar.

Posso dizer, isso sim, sobre os abraços e as lágrimas: eu os vi. Vi que sempre, todos, quando se encontravam, se abraçavam e choravam.

Pessoas adultas, pessoas tão diferentes: choravam e riam. Foi como voltar àquele dia de vinte e quatro anos atrás. Foi como recomeçar daquele ponto. Afinal, alguns nunca deixaram de resistir na intenção. Stefano Rebora e Valentina Gallo, pais do menino Athos, nunca deixaram de estar ali para aqueles que precisavam. Nem mesmo nos piores e mais sombrios dias. Fundaram a Music for peace, uma organização humanitária que organizou cinquenta e quatro missões de ajuda em países em guerra, enquanto nosso país, os governos do nosso país, se mostravam gananciosos, corruptos, indiferentes e cínicos. Tanto a esquerda quanto a direita. A esquerda, doía mais, surpreendia mais, depois a direita venceu: deve ter sido também por isso. Para a surpresa e a desilusão daqueles que não conseguiam mais encontrar uma casa. Pelo esgotamento das ilusões desiludidas.

Resumindo: alguém sempre ficou firme ali. E depois o tempo passou, e depois de vinte e quatro anos, chegamos a anteontem.

Seria bom que hoje aqueles que têm posições preconcebidas, nascidas de identidade e preconceito — ou seja, o juízo feito antes de saber do que se está falando, antes de se colocar no lugar do outro e de tentar entender. Seria bom que aqueles que se alinham em frentes opostas a priori, porque "olha só quem está a bordo, eu conheço aquela, não gosto daquele, são palhaçadas, são pessoas que só querem chamar a atenção por um momento, querem aparecer". Pronto. Seria bom, seria quase um milagre, se aqueles que proferem julgamentos de casa se colocassem à escuta, tentassem olhar. Olhem para elas, as imagens da multidão que percorreu com as tochas os viadutos do porto de Gênova na noite de sábado. Os párocos e as autoridades eclesiásticas abençoaram os navios que partem. Vocês são católicos? Então prestem atenção. A prefeita Silvia Salis disse que a cidade, medalhista de ouro da Resistência, está ao lado daqueles que resistem. E vocês? A Flotilha Global Sumud não é apenas uma missão para Gaza. É uma missão para a humanidade. Para ajudar um povo no limite de suas forças e o que resta de nós, seres humanos. Sumud é uma palavra árabe que significa resistência. Significa manter-se firme — grosso modo — não se dobrar, seguir em frente. Estamos diante da maior missão humanitária civil da história contemporânea.

Barcos partiram de Barcelona e Gênova e estão zarpando de quarenta e quatro países ao redor do mundo, levando alimentos para uma população civil sob cerco mortal. A política, os governos falharam em conseguir o elementar: um corredor humanitário que os liberte do explícito projeto de extermínio de Netanyahu, de suas escolhas perversas, veementemente contestadas por seu próprio povo. Uma missão internacional, civil, que faz de baixo o que ninguém faz de cima: uma missão para substituir governos covardes e comprometidos. O italiano está entre esses. No passado, o exército israelense abriu fogo contra equipes de socorristas que pretendiam levar ajuda a pessoas que, só por acaso, não são vocês. A proteção e a segurança daqueles que navegam no mar dependem de nós.

Da atenção que haverá sobre essa missão. Do seu, do nosso olhar constante. Eles atiram em um hospital, nas pessoas na fila para obter água, e depois dizem: Desculpem, erramos. Mas não podem atirar em uma frota de barcos que chega do mundo inteiro, carregados de tomates e farinha.

Não deveriam, pelo menos, mas depende de nós. De cada um de vocês. De quanto ficarmos atentos observando: que cheguem em segurança.

Bons ventos, Flotilha. Esperamos pelo melhor. Nossa consciência também está em suas mãos. É uma carga enorme, junto com o açúcar e o atum. Vocês carregam a bordo o senso de humanidade. Boa música, boa sorte. Não deixem que eles os parem, não parem a esperança: nós estamos seguindo vocês. Estamos aqui.

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