10 Junho 2025
O autor, professor da Universidade de Nablus, na Palestina, denuncia o uso sistemático da comida como arma. "Matar de fome um povo inteiro é uma guerra contra sua humanidade e contra a consciência do mundo".
O artigo é de Loay Abu Alsaud, publicado por Ctxt, 10-06-2025.
Loay Abu Alsaud é doutor em História pela Universidade de Salamanca e professor de Arqueologia na Universidade Nacional An-Najah em Nablus, na Palestina.
Em Gaza, o pão não é mais pão, nem o sal é sal; a comida se tornou uma arma, e a fome, uma frente de batalha.
Neste pequeno canto de terra sitiada, onde o céu encontra o fogo e as casas se espalham como fragmentos de um sonho desfeito, a comida — esse direito básico que une os seres humanos — foi transformada em mais um meio de guerra. Tanques e aviões não são usados; o cerco e a fome, sim. Em Gaza, a comida não é consumida: é retida, monitorada e restringida. A própria vida é refém de um cronograma e de uma quantidade determinados por uma mão que vê os seres humanos como nada mais do que um número em uma equação de segurança.
E é como se o bem-estar do povo palestino em Gaza tivesse sido reduzido a um número: as calorias permitidas por pessoa por dia. Sem eletricidade, sem água potável, sem futuro, o único "problema" que parece importar para a mentalidade ocupante é que ninguém morra de fome — para que possam continuar a sofrer em vida. É uma política do "mínimo vital para a sobrevivência", não do mínimo de dignidade. Uma política reconhecida em documentos israelenses vazados anteriormente, que especificavam precisamente quantas calorias cada cidadão de Gaza poderia receber diariamente — não para preservar sua vida, mas para moderar seu sofrimento.
Diante dessa equação desumana, não é surpresa ver moradores de Gaza queimando livros escolares, jornais velhos e até roupas usadas para esquentar água ou cozinhar arroz ou lentilhas. Uma cena absurda em que o cheiro de papel queimado se mistura à lembrança das palavras: o conhecimento se torna combustível, não para iluminar consciências, mas para ferver água. As letras não são mais legíveis, elas pegam fogo.
Com o colapso das cadeias de suprimentos, os preços disparam e surgem "mercadores de guerra". Eles não hesitam em acumular produtos de ajuda humanitária e vendê-los a preços exorbitantes ou desviá-los para seus contatos, enquanto bairros inteiros morrem de fome. Um saco de arroz se torna um luxo. Uma lata de sardinhas, um privilégio.
Neste clima sufocante, relatos de campo apontam para tentativas diretas e indiretas de Israel de apoiar certos grupos de jovens liderados por uma figura conhecida como "Abu Shabab", com o objetivo de desestabilizar a situação interna em Gaza, desacreditar a resistência palestina e alimentar conflitos civis latentes. Esses grupos se apresentam com um discurso jovem e civilizado, mas trabalham nos bastidores para desmantelar o tecido social e construir narrativas úteis aos interesses do ocupante. Não se trata de incidentes isolados, mas sim de uma estratégia de longo prazo para enfraquecer a unidade do povo palestino e criar alternativas artificiais aos movimentos de libertação.
Enquanto isso, a população de Gaza sofre de extrema insegurança alimentar. Organizações internacionais relatam que muitas famílias consomem apenas 1.000 a 1.200 calorias por dia — bem abaixo das necessidades básicas de um adulto, que variam de 2.100 a 2.500 calorias por dia. As refeições distribuídas nos pacotes de ajuda carecem de equilíbrio nutricional: arroz, lentilhas, alimentos enlatados ou biscoitos secos, sem frutas, vegetais ou proteína suficiente. O resultado: desnutrição crônica, fraqueza física e graves consequências para a saúde, especialmente entre crianças e gestantes.
O que está acontecendo em Gaza não é simplesmente uma "crise humanitária", mas um exemplo flagrante do uso sistemático de alimentos como arma de guerra, o que, segundo o Direito Internacional Humanitário, constitui um crime de guerra. A Quarta Convenção de Genebra (1949) proíbe explicitamente o uso da fome contra civis como método de combate, e restringir deliberadamente a entrada de alimentos e medicamentos é uma violação direta do Protocolo Adicional I. No entanto, essa punição coletiva é executada diante dos olhos do mundo, com um silêncio que beira a cumplicidade.
Hoje, mais do que nunca, a situação em Gaza exige uma ação judicial efetiva. Declarações de condenação não bastam: é preciso construir um caso jurídico internacional documentado, com a colaboração de organizações de direitos humanos, especialistas em nutrição, médicos e juristas especializados em direito internacional humanitário, para demonstrar que Israel usa a fome como arma de guerra contra civis.
Matar de fome um povo inteiro é uma guerra contra sua humanidade e também contra a consciência do mundo.
Gaza não está apenas pedindo pão, está pedindo justiça.
Ele não está pedindo apenas comida, ele está pedindo dignidade.
Ele não pede apenas para sobreviver, ele pede para viver.