09 Julho 2025
"O Evangelho – para quem crê e quem não crê – é um espelho impiedoso: reflete o que é humano, denuncia o que é desumano. Se um projeto esmaga o inocente, é desumano. Se uma lei não protege o fraco, é desumana. Se um lucro cresce às custas da dor de quem não tem voz, é desumano. E se não querem fazê-lo por Deus, pelo menos o façam por aquele pouco de humanidade que ainda nos mantém de pé", escreve Mimmo Battaglia, cardeal, arcebispo de Nápolis, Itália, em artigo publicado por Avvenire, 08-07-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
O planeta ressoa com os tambores da guerra em todas as direções do horizonte. Na Ucrânia, treze mil civis dizimados pelo fogo; em Gaza, cinquenta e sete mil vidas apagadas em vinte e um meses de cerco; do Sudão, quatro milhões de corpos marchando em busca de um lenço de sombra; em Mianmar, três milhões e meio de rostos espalhados entre cinzas e selva; e, acima de tudo, uma cidade invisível que não para de crescer: cento e vinte e dois milhões de refugiados lançados ao vento como sementes. Esses números – vocês os sentem pulsar? – deveriam gelar o sangue, mas se dissiparão como névoa se não aproximarmos nossos ouvidos à batida que eles conservam. Cada número é uma testa que arde, uma fotografia desbotada apertada na mão, uma voz que pede apenas um minuto sem sirenes.
A vocês que detêm as alavancas do poder – governos falsamente democráticos, conselhos de administração lubrificados como engrenagens, alianças militares com vozes de metal – eu digo que o Evangelho não dá descontos nem suaviza a verdade. Não pede carteirinhas, não exige incenso: exige que se reconheça um homem quando o vemos, que se chame de mal o que esmaga o homem. "Tive fome e me deste de comer, era estrangeiro e me acolheste" não é um enfeite piedoso: é uma norma primária escrita com o pulso de Deus. Não existem cláusulas, não existem notas de rodapé minúsculos para esconder o egoísmo.
Se querem ser guia e não leme desgovernado, detenham os comboios carregados de morte antes que atravessem a última fronteira; desmantelem as maquinarias que gotejam chumbo e forjam arados, tubulações, carteiras escolares. Levem os orçamentos de guerra à mesa de um professor cansado: transformem milhões destinados a mísseis em salas de parto iluminadas, ambulâncias capazes de chegar até os sofrimentos mais remotos.
E vocês que se afundam nas poltronas vermelhas dos parlamentos, abandonem dossiês e gráficos: atravessem, mesmo que por apenas uma hora, os corredores apagados de um hospital bombardeado; sintam o cheiro de diesel do último gerador; ouçam o bipe solitário de um respirador suspenso entre a vida e o silêncio, e então sussurrem – se conseguirem – a frase "objetivos estratégicos".
IMPORTANTE! 🚨O ator e diretor italiano Roberto Benigni fala sobre o massacre de crianças em Gaza: "É insuportável para a alma humana"!😢
— Nota (@jornalnota) June 25, 2025
Muito importante um artista judeu, criador de "A Vida Bela" se manifestar nesse momento! 🇵🇸 pic.twitter.com/Ha1De5z7AT
O Evangelho – para quem crê e quem não crê – é um espelho impiedoso: reflete o que é humano, denuncia o que é desumano.
Se um projeto esmaga o inocente, é desumano.
Se uma lei não protege o fraco, é desumana.
Se um lucro cresce às custas da dor de quem não tem voz, é desumano.
E se não querem fazê-lo por Deus, pelo menos o façam por aquele pouco de humanidade que ainda nos mantém de pé.
Quando os céus se enchem de mísseis, olhem para as crianças que contam os buracos no teto em vez das estrelas. Olhem para o jovem soldado enviado para morrer por um slogan. Olhem para os cirurgiões que operam no escuro num hospital destruído. O Evangelho não aceita os seus comunicados "técnicos".
Descasca qualquer verniz de pátria ou interesse e deixa-nos perante a única realidade: carne ferida, vidas destruídas.
Não chamem de "danos colaterais" as mães que escavam entre os escombros.
Não chamem de "interferência estratégica" os jovens a quem roubaram o futuro.
Não chamem de "operações especiais" as crateras deixadas pelos drones. Podem até tirar o nome de Deus se isso lhes assusta; chamem de consciência, honestidade, vergonha. Mas ouçam-no: a guerra é o único negócio em que investimos a nossa humanidade para obter cinzas. Cada bala já está prevista nas planilhas daqueles que lucram com os escombros.
O humano morre duas vezes: quando a bomba explode e quando o seu valor é traduzido em lucro.
Enquanto uma bomba valer mais do que um abraço, estaremos perdidos. Enquanto as armas ditarem a agenda, a paz parecerá loucura. Portanto, desarmem os canhões. Silenciem os títulos da bolsa que sobram às custas da dor.
Restituam ao silêncio a aurora de um dia que não manche as ruas de sangue. Todo o resto – fronteiras, estratégias, bandeiras infladas pela propaganda – é névoa destinada a dissipar-se.
Só restará uma pergunta: "Salvei ou matei a humanidade que me foi confiada?" Que a resposta não seja mais uma sirene na noite.
Convertam os planos de batalha em planos de semeadura, os discursos de poder em discursos de cuidado. Sentem-se ao lado de mães que vasculham os escombros para salvar um bichinho de pelúcia: vocês descobrirão que a estratégia suprema é impedir que uma criança perca a infância. Levem o cheiro de pedras queimadas para dentro de seus palácios: deixem que impregne os tapetes, lembrando a cada passo que ninguém se salva sozinho e que o único caminho seguro é trazer cada homem de volta para casa inteiro de corpo e coração.
A nós, povo que lê, cabe o dever de não desistir. A paz brota na sala de estar - um sofá que se alonga; na cozinha - uma panela que se duplica; na rua - uma mão que se estende. Gestos humildes, obstinados: "você vale", sussurrado àquele que o mundo descarta. O grão de mostarda é mínimo, mas se torna uma árvore. Assim é o Evangelho: duro como pedra, tenro como o primeiro choro. Exige uma escolha clara: construtores da vida ou cúmplices do mal. Não há terceiras vias.
Dobre, Cristo, o orgulho dos poderosos, convide os forjadores de armas a dobrar o ferro em pás, convoque todas as consciências a se abrirem e a defenderem o frágil com a teimosia de quem sabe que o bem é moeda que não se desvaloriza. Cada minuto de atraso grava um novo nome no mármore.
Que esta página – despida de retórica, áspera de Evangelho – se torne um espelho: quem se olha nela decida se permanecer servo da violência ou se tornar servo dos seus irmãos.
Deus do respiro negado, arranca a mesa aos senhores que vendem o mundo a golpes de cúpulas.
Inverte as suas cartas de ferro: que o chumbo espalhado volte a ser torrão, que o balanço armado se torne berço.
Oferece aos poderosos o espelho que não sabem quebrar: o rosto de uma criança sem noite, o tremor de um médico que ficou sem luz.
Faz com que não consigam desviar o olhar até que o privilégio se transforme em vergonha e a vergonha em justiça.
Lembre-nos de que a carne vale mais que o emblema, que quem lucra com o sangue cava a própria cova, que a aurora não pertence a quem tem canhões, mas a quem guarda um abraço.
Silencie as sirenes, dobre as bandeiras inchadas de barulho e devolva-nos um silêncio capaz de fazer florescer o futuro.
Amém!