15 Setembro 2021
"Precisamos de uma teologia de sangue, banhada pelo sangue de Cristo, fecundada pelo sangue dos mártires, fortalecida pelo sangue dos últimos, uma teologia capaz de se colocar diante da cátedra das vítimas deste nosso Sul e de todo Sul do mundo, de cada Sul existencial, para ser instrumento de libertação e de justiça. Uma teologia pronta para derrubar a lógica do mundo com a potência do Magnificat, tornando-se profecia de novos céus e novas terras", afirma dom Mimmo Battaglia, arcebispo de Nápoles, em discurso ao XXVII Congresso Nacional da Associação Teológica Italiana, publicado por Settima News, 13-09-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Caríssimos e caríssimas todos,
estou feliz por vos encontrar esta manhã e por poder transmitir pessoalmente o meu “obrigado” por ter escolhido Nápoles como casa para estes dias de reflexão, de estudo, de compartilhamento e de amizade.
Alguns meses atrás, como vocês sabem, o Senhor veio bater à minha porta, me enviando para esta "grande cidade", um pouco como fez com o recalcitrante profeta Jonas enviado a Nínive, lugar habitado por uma multidão de homens e criaturas amados além de qualquer medida por Deus, que sonhava para eles um futuro de justiça, de reconciliação, de misericórdia, de paz, além de qualquer expectativa e previsão pessoal que o próprio profeta (!) pudesse elaborar.
Cada cidade, como Nínive, como Nápoles, é um lugar teológico, um púlpito do qual Deus fala, mas também ventre em que Ele se encarna, se comunica, sem deixar de ser aquele Deus que "favorece" sobretudo os pequenos e os mais pobres. Vocês se lembram? O apóstolo Paulo, ao promover a coleta em favor dos cristãos carentes de Jerusalém (cf. 2 Cor 8-9), cita o Salmo 112, narrando aquele Deus que como bom teólogo-missionário conhece, ama e serve com toda a sua pessoa: “Ele deu aos necessitados, a sua justiça permanece para sempre”.
Este Deus, que tem o rosto e o nome de Jesus de Nazaré, impele incessantemente toda a Igreja para torná-la cada vez mais disponível para ir ao encontro do homem, de cada homem e de cada mulher, para anunciar a boa nova da ressurreição, do amor que vence a morte, que vence toda morte, não só aquela física, mas também aquela interior e aquela social. Desse anúncio vivo, as nossas cidades e os vários contextos humanos têm terrivelmente necessidade. E nós, como Igreja, não queremos ser fugitivos!
Neste tempo, portanto, precisamos de uma teologia que saiba ouvir a Palavra de Deus, aprendendo a ouvir seu eco e decifrar seus códigos entre as tantas palavras e os muitos gritos que se elevam da cidade do homem. Para o serviço a que fui chamado, ao pensar no grito da cidade, não posso deixar de pensar na minha terra, nesta minha cidade napolitana que representa para mim o altar onde Deus me pede para celebrar todos os dias a Páscoa. Por isso, gostaria de compartilhar brevemente com vocês algumas sugestões teológicas que nascem da escuta desta cidade.
Nápoles é uma cidade litorânea, uma mãe debruçada sobre o mar Mediterrâneo com o olhar voltado para o horizonte amplo. Precisamos de uma teologia do mar, capaz de refletir as cores do céu, as nuances de Deus, para molhar com suas ondas as diferentes margens da humanidade, trazendo sopros de frescor, de vida e de esperança. A teologia deve favorecer um mar navegável, capaz de gerar encontros, de se tornar uma encruzilhada de contaminações inesperadas, onde as diferenças dos homens se harmonizam no abraço inclusivo de Deus.
A teologia, como o mar, deve ter um horizonte amplo, na consciência de que o horizonte é algo rumo ao qual se navega, mas nunca se possui totalmente. Gostaria de lhes pedir para possuir sempre e nunca perder esta saudável humildade em relação ao mar e ao que ele representa. Nós não somos o mar. Somos apenas seus servos para permitir que encontros aconteçam e não parem de acontecer. E que as diferentes visões nunca possam diminuir a estima que sentimos pelo mar e sua ilimitada imensidão.
Nápoles é uma cidade de fogo, vigiada pelo grande monte vulcânico do Vesúvio, que como um pai severo lembra a seus filhos das próprias raízes subterrâneas, feitas de magma e de fogo.
Precisamos de uma teologia do fogo, vivida com a paixão dos amantes, consumida pelo desejo de não manter encerrada a sarça ardente recebida em dádiva nas próprias pequenas e estreitas paredes, sem qualquer mérito, por pura graça. O nosso mundo precisa do fogo do Evangelho, precisa redescobrir o calor do encontro com o Senhor da vida e da esperança.
E atenção: se às vezes as pessoas respondem com frieza ao nosso anúncio, perguntemo-nos com coragem se as nossas palavras eram capazes de aquecer, se eram o fruto de um encontro apaixonado e se não eram abstrações desencarnadas ou, pior, coisas belas e importantes, mas transmitidas com a aparência dos hábitos enfadonhos.
Somos - como diz a Escritura - “filhos de santos e profetas” e por isso queremos viver cumprindo o nosso ministério, sem nunca acabar sendo “escribas e fariseus”, homologados, narradores insossos de um deus que não tem mais palavras (e palavras de amor!) para este tempo e para esta história. Cuidado, porque está em jogo a fidelidade e também nós estamos expostos à traição do mistério da Encarnação, mistério que se renova aqui e hoje, dia a dia.
Todos nós realmente precisamos que o Espírito acenda o fogo do Evangelho em nossos corações!
Por fim, Nápoles é uma cidade de sangue e não só porque guarda com ternura simbiótica a famosa relíquia de seu patrono Genaro, mas também porque é banhada pelo sangue de tantas dores silenciosas, de tantas vidas despedaçadas, de tantos sonhos caídos no solo da indiferença, de tantas vítimas inocentes do mal, da injustiça, da corrupção. Nápoles é uma cidade da qual o sangue de Abel grita continuamente a Deus e para a qual Deus envia sem cessar a pergunta primordial dirigida a Caim: “onde está o teu irmão?"
Não vou esconder de vocês que muitas vezes como Pastor desta nossa amada Igreja, me perguntei quão capazes somos, como comunidade cristã, de recolher esse sangue, esses gritos, essas vítimas... Podemos certamente fazer crescer aquela maternidade que é solicitada a toda a Igreja, especialmente para os filhos mais distantes e dispersos, mais frágeis e menores, esmagados e oprimidos. E devemos ser mais Igreja Mãe para que - como nos lembra o Papa Francisco na Christus vivit (n. 75) - também a sociedade seja mãe e mãe solidária.
Por isso precisamos de uma teologia de sangue, banhada pelo sangue de Cristo, fecundada pelo sangue dos mártires, fortalecida pelo sangue dos últimos, uma teologia capaz de se colocar diante da cátedra das vítimas deste nosso Sul e de todo Sul do mundo, de cada Sul existencial, para ser instrumento de libertação e de justiça.
Uma teologia pronta para derrubar a lógica do mundo com a potência do Magnificat, tornando-se profecia de novos céus e novas terras. Nossos estudos, nossas palavras, nossas cátedras, nossas aulas de teologia nunca devem ser apenas locais informativos, onde trocamos algumas noções e ampliamos o conhecimento acadêmico, mas devem se tornar cada vez mais lugares formativos e performativos, berços nos quais acontece algo único e útil para a gestação do Reino.
Peço desculpas, obrigado a todos pela atenção e bom trabalho a todos vocês!"