08 Julho 2025
A reportagem é de Lucas Schaerer, publicada por Religión Digital, 07-07-2025.
“Esses esquerdistas (Nota do editor: isso soa familiar para você hoje em dia?) morreram por serem doutrinadores de mentes virgens e são MSTM” (sigla para Movimento dos Sacerdotes do Terceiro Mundo).
Os membros da força-tarefa da ditadura haviam escrito a giz na madrugada de 04-07-1976, dentro da paróquia San Patricio, na esquina das ruas Estomba e Echeverría, no charmoso bairro portenho de Belgrano R, quando foram procurar os padres e seminaristas que dormiam em seus quartos. Apontaram suas armas para eles e os arrastaram para fora da cama. Fizeram-nos ajoelhar diante do altar, com um tapete vermelho por baixo. Assassinaram-nos a bala. Juntos viveram e morreram: Emilio Barletti, de 24 anos; Salvador Barbeito, de 25 anos; o padre cessante Pedro Dufau, de 64 anos; Alfredo Leaden, de 54 anos; e o pároco Alfredo Kelly, de 43 anos.
Os cinco palotinos assassinados em 04-07-1976. Foto: Municipio de San Antonio de Areco
A mais cruel das operações da ditadura contra a Igreja Católica argentina ainda não tem responsabilidade criminal. Não se sabe quem são os autores nem os mandantes.
No entanto, a primeira juíza, Ángela Braidot, que deveria investigar o plano de massacre, acabou condenando o único jornalista que ela havia investigado. O caso de calúnia e difamação contra Eduardo Kimel chegou à Suprema Corte Nacional. Em dezembro de 1998, os juízes do tribunal emitiram uma decisão caluniosa contra o jornalista e favoreceram o juiz que nunca descobriu a verdade sobre os assassinos palotinos. Finalmente, o caso chegou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que em 2008 condenou o Estado argentino por violar a liberdade de expressão e instou a suspensão da sentença do jornalista. Naquela época, em 2009, a presidente Cristina Fernández de Kirchner apresentou um projeto de lei para descriminalizar a calúnia e a difamação contra jornalistas. Finalmente, a Lei 26.551 foi aprovada, e o Estado argentino alterou o Código Penal. O jornalista Kimel morreu logo após a aprovação da lei.
O crime palotino já dura 49 anos. Ninguém foi preso ou condenado. Desde 2022, o juiz federal de Buenos Aires responsável pelo caso é Daniel Rafecas, juntamente com o promotor Carlos Rívolo. Há poucos dias, o advogado do autor da Sociedade do Apostolado Católico Argentino (conhecida como Palotinos, em homenagem ao seu fundador, o padre romano Vicente Pallotti), Pablo Llonto, solicitou uma investigação contra o juiz Rivarola por prevaricação e ocultação, e contra dez membros da Polícia Federal que faziam parte da 37ª delegacia em 1976, argumentando que eles participaram da liberação da área e do subsequente acobertamento do incidente.
"Esperamos que o juiz Rafecas aja com rapidez e urgência e convoque todos os policiais da 37ª Delegacia envolvidos no incidente para depor. Isso inclui o ex-juiz Rivarola, responsável por garantir a total impunidade durante a investigação inicial do caso", disse Ramiro Varela, membro da organização "Palotinos pela Memória, Verdade e Justiça", à C5N.
Memória aos Palotinos (Foto: C5N | Religión Digita)
Dentro da própria associação palotina, o crime abre as portas. Jorge Rafael Videla, da cidade portenha de Mercedes, e sua família foram formados na espiritualidade palotina. Enquanto isso, na mesma comunidade eclesial, esses padres e seminaristas foram assassinados pela mesma ditadura militar liderada por Videla.
A tensão interna entre os palotinos é tamanha que eles só recentemente apresentaram uma queixa, 40 anos após o massacre na paróquia de San Patricio. Enquanto isso, o advogado Llonto assumiu recentemente a queixa.
“As pedras do pavimento deste edifício estão ungidas com o sangue daqueles que o mundo não pôde reconhecer porque não eram deste mundo”, pregou Jorge Mario Bergoglio, então cardeal-arcebispo de Buenos Aires, na missa na Igreja de São Patrício em 04-07-2001, 25 anos após os crimes covardes.
Naquela época, o homem que mais tarde se tornaria o Papa Francisco pediu a remoção de rótulos e o foco no testemunho dos Palotinos: "Há pessoas que foram grãos de trigo, que deram suas vidas e germinaram", e Bergoglio acrescentou uma confissão, sua proximidade com o então pároco de São Patricio: "Sou testemunha, porque o acompanhei na direção espiritual e na confissão até sua morte, de como era a vida de Alfie Kelly. Ele só pensava em Deus. E eu o nomeei porque sou testemunha de seu coração e, por meio dele, de todos os outros."
Os rótulos permanecem até hoje. "Terroristas assassinos" apareceu abaixo da placa com os nomes de Lucila Adela Révora e Enrique De Pedro, pais do senador nacional Eduardo De Pedro. Sem esperar ou delegar, foi o próprio Wado quem removeu aquele rótulo nefasto da identidade de seus pais no cemitério de Mercedes. Poucos minutos antes, Pablo Bocca, provincial dos Palotinos e pároco de San Patricio em Mercedes, juntamente com a cunhada de Kelly, membros dos Palotinos pela Memória e um grupo de estudantes do ensino médio, carregando a bandeira nacional, a bandeira da Santa Sé, da Irlanda e da província de Buenos Aires, depositaram a oferenda floral para os padres palotinos assassinados ali enterrados.
Túmulo dos palotinos assassinados (Foto: Religión Digital)
Na segunda-feira, 7, um projeto de lei de autoria de Eduardo Valdés foi apresentado ao Congresso Nacional para declarar a Paróquia de San Patricio como Monumento Histórico Nacional. Enquanto isso, na sexta-feira, 4, o bispo auxiliar de Buenos Aires, Dom Alejandro Prado, celebrou a missa pelos mártires em San Patricio de Belgrano; e na quinta-feira, 3, foi colocada uma laje em memória do Padre Kelly na cidade de Suipacha.