01 Julho 2016
No próximo dia 4 de julho, vão se completar 40 anos do massacre de San Patricio, isto é, o dia em que criminosos profissionais, militares, encobertos pela ditadura argentina, mataram, no bairro de Belgrano, em Buenos Aires, três padres palotinos e dois dos seus seminaristas: Pe. Alfredo Leaden, Pe. Alfredo Kelly, Pe. Pedro Duffau, Salvador Barbeito e Emilio Barletti. Na época dos fatos, o padre Jorge Mario Bergoglio era o provincial dos jesuítas, eleito em 1973, e Dom Pio Laghi era o núncio há mais de dois anos.
A reportagem é de Luis Badilla, publicada no sítio Il Sismografo, 30-06-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Até hoje, não existe nenhuma verdade histórica e jurídica, apesar de dois processos (Blondi e Rivaroli, sobrenomes dos juízes) e várias investigações jornalísticas. Conhecem-se publicamente alguns nomes de prováveis culpados, por terem sido autores do massacre ou cúmplices ou mandantes.
Na época, a pedido do núncio Laghi e do cardeal Juan Carlos Aramburu, arcebispo da capital, foi confiada uma investigação ao Pe. Efraín Sueldo Luque. Sobre as conclusões, não se sabe quase nada, e, talvez, a abertura dos Arquivos Vaticanos vão oferecer clareza sobre essa investigação.
As vítimas
O papel de Pio Laghi
A famosa carta do então núncio na Argentina, Pio Laghi, ao cardeal Jean Villot, na qual ele conta a sua reunião com o Ministro do Interior, o general Albano Harguindeguy, traz a data de 16 de julho de 1976, e no início se lê: "Depois do massacre de cinco religiosos palotinos, o próprio ministro tinha expressado o desejo de ter um encontro comigo, e eu, naturalmente, concordei, considerando como conveniente me valer de tal audiência para falar também sobre os assuntos acima mencionados. Sobre o assassinato dos palotinos, ele me garantiu que a investigação para identificar os autores continua; acrescentou que o lamentável fato produziu ao país um dano moral incalculável, 'muito maior do que o dano produzido pela bomba que explodiu no quartel geral da polícia, que causou 20 mortos e mais de 60 feridos'; por isso, acrescentou, os responsáveis devem ser identificados e processados. Ele me confidenciou, depois, que tem indícios para concluir que a mão assassina é 'de extrema-direita'; ele deu ordens ao Alto Comando da Polícia para colocar todos os esforços para jogar luz sobre o fato, a fim de 'limpar e resgatar a própria imagem da corporação'".
O massacre
O relato desse crime hediondo, gratuito e misterioso enfatiza estes detalhes incomuns: no dia 4 de julho, perto da 1h da manhã, três jovens, Luis Pinasco, Guillermo Silva e Julio Victor Martinez, notaram dois carros estacionados na frente da igreja de San Patricio. Como Julio Victor Martinez era filho de um militar, pensou que aqueles carros suspeitos podiam ter a ver com um possível atentado contra o seu pai e, portanto, dirigiu-se imediatamente para a delegacia nº 37, para fazer uma denúncia e relatar o fato que ele considerava como suspeito.
Poucos minutos depois, um carro da polícia chegou ao local, e o funcionário Miguel Angel Romano falou com as pessoas que estavam dentro dos carros suspeitos.
Às 2h da manhã, Silva e Pinasco viram um grupo de pessoas, armadas com pistolas bem visíveis, entrando na igreja. Na manhã seguinte, uma hora antes da missa, um grupo de fiéis encontrou as portas do templo fechadas. Naquele ponto, o jovem Fernando Savino, organista da paróquia, entrou na casa dos sacerdotes por uma janela e encontrou os corpos crivados de balas.
Os assassinos tinham rabiscado com gesso em uma porta:
"Pelos companheiros da Segurança Federal mortos com a dinamite. Venceremos. Viva a Pátria" (A dinamite era uma referência a um atentado da guerrilha dos Montoneros que, dois dias antes, haviam matado 20 policiais que se encontravam em uma cantina).
Em um tapete, outra inscrição dizia:
"Esses esquerdistas (zurdos) morreram porque doutrinaram mentes virgens e são M.S.T.M." (sigla conhecida que indicava o "Movimento de Sacerdotes pelo Terceiro Mundo").
No dia 5 de julho de 1976, foi celebrada a Santa Missa na igreja dessas vítimas, San Patricio. Estavam presentes mais de três mil fiéis e também autoridades militares. Dom Pio Laghi era um dos concelebrantes.
Depois, o núncio declarou a Roberto Cox, do jornal Buenos Aires Herald: "Eu tive que dar a hóstia ao general (Carlos Guillermo) Suárez Mason. Você pode imaginar o que eu sinto como padre (…) Tive vontade de dar um soco na cara dele" (Yo tuve que darle la hostia al general - Carlos Guillermo - Suárez Mason. Puede imaginar lo que siento como cura... Sentí ganas de pegarle con el puño en la cara).
Dom Bergoglio abre o processo de beatificação
O jornalista Alver Metalli, no sítio Terre d'America, há dois anos, lembrava: "As investigações sobre o 'Massacre de San Patricio' começaram em 1976, logo depois dos fatos, e foram suspensas no ano seguinte entre mil restrições, despistagens e reticências. Em 1984, com o retorno da democracia, o processo foi retomado. Houve o depoimento de Pedro Álvarez, o policial de guarda, que envolveu fortemente um segundo policial, de nome Romano. Este – de acordo com o depoimento dado –, depois de falar com os ocupantes de dois carros estacionados na frente da paróquia dos palotinos, se aproximou dele e lhe disse: 'Se você ouvir uns tiros (unos cohetazos), não saia, porque vamos fazer explodir a casa de alguns esquerdistas (zurdos)', em 1987, o processo foi encerrado por causa da prescrição dos crimes. Agora, foi retomado. E se pôde ouvir um sobrevivente da ESMA, a famigerada escola militar do Exército que funcionou como centro de detenção e de tortura, e outro palotino, hoje ex-sacerdote, Roberto Killmeate, que sobreviveu ao massacre, porque, naquele dia, estava em viagem à Colômbia. Justamente os testemunhos dos sobreviventes conectam os autores a um grupo de ação da ex-ESMA".
"Em 2006 – continua Metalli –, o então cardeal Bergoglio iniciou formalmente os procedimentos para a canonização dos cinco religiosos como mártires da fé. Durante uma missa em que pré-anunciou a sua intenção de iniciar o processo canônico, ele revelou conhecer bem Alfredo Kelly e a sua reta disposição: 'Eu sou testemunha, porque o acompanhei com a direção espiritual e na confissão até a sua morte, que ele só pensava em Deus. Nomeio-o, porque sou testemunha do seu coração e, nele, todos os outros'."
Nota da IHU On-Line: Veja abaixo o vídeo em espanhol.
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Massacre dos padres e seminaristas palotinos completa 40 anos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU