28 Junho 2025
“As guerras e destruições em curso já fazem parte do colapso/tormenta. O mundo que conhecemos está chegando a seu fim. Antes que outro possa nascer, atravessaremos um caos sistêmico que durará décadas. Só a organização coletiva pode iluminar esse futuro”, escreve Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por La Jornada, 27-06-2025. A tradução é do Cepat.
Nas guerras do capitalismo, a questão central são os bens materiais, não as pessoas. Os governos e os meios de comunicação mencionam em detalhes, com abundante material gráfico e audiovisual, a destruição de edifícios, de instalações militares e centrais nucleares, o sucesso ou o fracasso de incursões aéreas e o lançamento de mísseis, mas deixam de lado as dores dos seres humanos, que não são mais sequer considerados “danos colaterais”.
Na guerra dos Estados Unidos e Israel contra o Irã, as pessoas não existem. Isto revela a verdadeira cara do sistema, preocupado somente com os objetos de valor criados pelo capital, tanto no material quanto no simbólico.
Os analistas da geopolítica estão mais preocupados com o possível fechamento do Estreito de Ormuz, com o preço do petróleo e o fluxo global de mercadorias do que com o impacto ambiental dessas guerras hipertecnológicas e suas consequências em nossas vidas. Pode-se navegar por dezenas de portais e todos os dados se concentram nas repercussões das guerras na economia e nas bolsas. De fato, assistimos ao elogio sistemático da morte frente à vida, que parece não ter lugar no mundo do capital.
Mais ainda, as artimanhas da guerra, o engano, a perfídia e a manipulação midiática da população se dão com manobras geniais, ainda que seu objetivo seja a destruição e a morte. Donald Trump, para dar apenas um exemplo, afirmou que havia um prazo de duas semanas para negociar a paz, antes de atacar o Irã. Mas, no dia seguinte, colocou em marcha uma operação longamente planejada. Em seguida, afirmou que a guerra acabou, o que leva a pensar que está tramando sua continuação, com mais bombardeios.
Com a descrição acima, não pretendo criticar a maldade dos mandachuvas do sistema, o que seria uma perda de tempo. Quem não tem clareza a esse respeito não será convencido com os nossos argumentos. Ao contrário, quero refletir sobre os nossos passos como pessoas e movimentos anticapitalistas à luz do que as guerras atuais nos ensinam.
A primeira lição é não acreditar neles, porque cada palavra, cada imagem e cada discurso são mentiras programadas para nos paralisar como pessoas e como povos. O pior é acreditar neles quando se fazem de bons e compreensivos, quando falam de paz e de combate à pobreza, por exemplo. As palavras de Trump, dos de cima, em geral, valem “muito menos do que o xixi dos cachorros”, como disse León Felipe, em referência à justiça do sistema.
A segunda é que a tormenta só aumenta com essas guerras. A crise climática se retroalimenta com a poluição que vem da destruição de Gaza e de cada bomba que explode em qualquer lugar do mundo, onde já existem 11 guerras, segundo o relatório do Programa de Dados sobre Conflitos, da Universidade de Uppsala. Os territórios bombardeados na Ucrânia, Gaza, Iêmen, Israel, Líbano e Irã, entre outros, serão inabitáveis no futuro.
A terceira é que nunca se importam com as pessoas comuns. Portanto, se nós que somos de baixo não agirmos, se não cuidarmos de nós mesmos coletivamente, ficaremos despidos diante dos opressores. É verdade que alguns governantes falam bonito, dizem exatamente o que os governados querem ouvir porque se especializaram nessa opção que chamam de esquerda ou progressismo. Contudo, não fazem nada contra o sistema, contra a violência narcoestatal, contra os desaparecimentos e crimes que afetam os povos e as pessoas de baixo.
Por isso, temos de nos proteger como pudermos, com base em nossos recursos, sendo os principais os trabalhos coletivos, a minga, o tequio, que nos permitem tanto criar novas realidades quanto defendê-las. O principal é a certeza de que não se pode esperar algo dos governos, nem dos Estados.
Seguindo o conselho do Che quando o povo vietnamita resistia à invasão e à guerra dos Estados Unidos (“criar dois, três, muitos Vietnãs”), penso que se trata de construir arcas, muitas arcas, que combinem resistência, proteção coletiva frente à tormenta e a criação de um mundo não capitalista.
Não é uma receita, nem uma linha a seguir. Basta constatar o que os povos vêm fazendo. A experiência mais conhecida e vasta, tanto em extensão quanto em profundidade, está no estado de Chiapas, liderada pelo EZLN. Conheço outras, como os conselhos e guardas nasa e misak do Cauca colombiano, as comunidades guarani mbya, no Brasil, e as garífunas, em Honduras, bem como os quilombos e espaços da Teia dos Povos e do povo mapuche e tantas outras sobre as quais nos chegam comentários e informações.
As guerras e destruições em curso já fazem parte do colapso/tormenta. O mundo que conhecemos está chegando a seu fim. Antes que outro possa nascer, atravessaremos um caos sistêmico que durará décadas. Só a organização coletiva pode iluminar esse futuro.