12 Junho 2025
"Rejeito as soluções mentais, teóricas, ideológicas. Não sairemos do atoleiro, como homens que rejeitam o patriarcado, sem entrar em crise e permanecer nela certo tempo, sabendo que é um lugar nada confortável", escreve Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por Desinformémonos, 10-06-2025. A tradução é do Cepat.
Nos últimos anos, forjou-se o conceito de “novas masculinidades” e de “masculinidades alternativas” como resposta dos homens mais sensíveis à luta feminista, com a intenção de reposicionar seu papel diante das fortes críticas ao patriarcado e ao machismo. A realidade está exigindo que os homens mudem suas atitudes e sensibilidades para alcançar uma relação mais equilibrada com as mulheres e as dissidências sexuais.
Tenho participado de reuniões em que mulheres nos interpelam sobre as novas masculinidades. Sempre aparecem homens que explicam, às vezes em detalhes, como é um homem “desconstruído” ou, inclusive, não patriarcal. A impressão que recolho nos debates é que já existe uma masculinidade de novo tipo ou que pelo menos há clareza de como seria e que só resta colocá-la em prática.
Minha posição é muito cética a esse respeito, talvez por uma questão geracional ou porque não acredito em mudanças tão grandes que nos permitam, em pouco tempo, alcançar um mundo sem patriarcado. Considero que as coisas são muito mais lentas e complexas. Mais ainda, tenho verificado que homens que se proclamam não-patriarcais costumam ter feito curso superior e dominam a linguagem e as atitudes “corretas”.
Penso que a crise do patriarcado é muito positiva, necessária, mas não vejo que possa ser resolvida em um curto espaço de tempo. Sem esquecer que essa crise se deve à atitude beligerante das feministas e das mulheres em geral.
Pensar que já existe um homem não patriarcal é o mesmo que cortar ou abreviar a crise do patriarcado. Saber como é o novo homem supõe impedir que a crise masculina se prolongue e se intensifique. É uma espécie de corta-fogo.
Claro, entendo a angústia dos homens em não saber que lugar ocupar, como se relacionar, o que fazer nestes tempos de revolta feminista. Eu mesmo sofro angústia e não tenho respostas para a maioria das perguntas que me faço ou que me fazem. Contudo, estou certo de que acreditar que existe um porto seguro, as masculinidades alternativas, é enganarmos a nós mesmos e, no pior dos casos, impedir o aprofundamento da crise do patriarcado, o que penso ser necessário para se chegar a novos e incertos lugares.
A pergunta seguinte seria: é possível viver em crise permanente? Uma parte dos homens optou pela ultradireita, pois desse modo evita se deslocar do lugar material e simbólico herdado. Pela primeira vez em décadas, as posições políticas de homens e mulheres com menos de 30 anos mostram uma clara diferença: eles à direita, elas no progressismo ou à esquerda.
O problema, evidentemente, é dos homens, por não nos sentirmos de acordo com a herança patriarcal, que vivemos como um castigo “na alma e no corpo”. Por mais duro que seja, e é, não vejo outro caminho a não ser assumir a realidade, a crise do que fomos, mas sem acreditar que já temos a solução. Em suma, viver em crise. Nada simples.
Rejeito as soluções mentais, teóricas, ideológicas. Não sairemos do atoleiro, como homens que rejeitam o patriarcado, sem entrar em crise e permanecer nela certo tempo, sabendo que é um lugar nada confortável. Um dos problemas é que a imensa maioria dos homens que não querem ser patriarcais provém das classes médias acadêmicas e brancas, e tem (temos) um viés ideológico evidente.
Proponho ensaiar um caminho que passe pela espiritualidade. Não individual, mas coletiva. Que através dela possamos aprender da natureza, da vida, das mulheres. Elas avançaram muito, muito mais do que nós. Há mais de 30 anos participo de grupos de ioga, tai chi, pilates e outras práticas, e posso garantir que o número de homens que participam permanece inalterado: um para cada seis ou sete mulheres.
As práticas espirituais costumam caminhar de mãos dadas com as músicas e danças que nos ajudam a sair do lugar culturalmente herdado. Sendo práticas coletivas, ajudam-nos a sair do buraco neoliberal do “correto” e do estilo new age que nada conseguem mudar.