20 Outubro 2024
“Amplos setores dos povos indígenas, negros, camponeses e, por vezes, das periferias urbanas, seguem em pé, resistem à guerra de cima e vão construindo os seus mundos”, escreve Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por La Jornada, 18-10-2024. A tradução é do Cepat.
Apesar da intensa tormenta que o sistema lançou sobre a humanidade e em particular contra os setores populares, na qual convergem as mais diversas guerras com o caos climático, muitos movimentos populares dos povos seguem construindo seus mundos em resistência, conforme o que conhecemos na América Latina.
As organizações e movimentos que trabalham de forma autônoma estão se mobilizando com maior contundência para enfrentar a situação de violência e deslocamentos vivida nos territórios de baixo. Não é por acaso, pois são esses grupos que são mantidos à margem das convocações eleitorais e que traçam agendas próprias, ou seja, autônomas, escapando dos tempos do sistema e da elite política.
O comunicado do EZLN, de 10 de outubro, Convocação para os Encontros Internacionais de Rebeldias e Resistências 2024-2025, antecipa seis datas de atividades entre dezembro deste ano e novembro do próximo, agora em suspenso devido à violência estatal. Um ano inteiro de encontros de arte e ciências, sementeiras, caminhadas e “conversas zapatistas com o seu diagnóstico da tormenta e a genealogia do comum para enfrentar o dia seguinte”.
Com toda certeza, é a iniciativa mais relevante para os próximos meses de qualquer movimento que se tenha conhecimento, o que mostra a potência e a vitalidade do zapatismo, apesar da violência brutal que se vive em Chiapas. A divulgação antecipada deste calendário permitirá àqueles que virão de geografias distantes se organizar para participar dos eventos, que certamente terão grande participação.
A Teia dos Povos, do Brasil, no dia 6 de setembro, lançou a oitava Jornada de Agroecologia que será realizada em Salvador, Bahia, com o lema Aliança campo e cidade para o combate à fome e a pobreza. O evento é realizado a cada dois anos, nesta ocasião, de 30 de janeiro a 3 de fevereiro, e reúne comunidades indígenas e negras, camponeses e povos tradicionais. Consideram que só a aliança negra, popular e indígena pode construir autonomias.
Na convocação, destacam que a jornada fará “uma avaliação coletiva sobre como os territórios rurais e urbanos podem confluir no sentido da superação das mazelas produzidas pelo capitalismo e pela cultura colonial e escravista que ainda estrutura as relações sociais e econômicas no Brasil”. Consideram que a soberania alimentar é um passo imprescindível para defender os territórios do agronegócio e da expansão do extrativismo.
No Cauca colombiano, apesar da violência permanente de grupos armados contra as comunidades nasa, as autoridades ancestrais organizaram o sexto Encontro de Jogos Ancestrais, no marco de seu próprio sistema educacional. Destacaram-se as artes com jogos de pião, arco e flecha, equilíbrio e futebol misto, entre outras atividades.
Os governos territoriais autônomos na Amazônia norte do Peru seguem mobilizados contra a expropriação e a violência. A Associação Interétnica para o Desenvolvimento da Selva Peruana (AIDESEP), que reúne quase 2.500 comunidades, e a liderança awajún estão enfrentando o governo que, através do serviço de áreas protegidas, pretende lhes impor uma “reserva comunal” que para eles é uma “estatização camuflada” que busca “fragmentar o território ancestral awajún e titulá-lo em nome do Estado” para impedir a sua autonomia.
O povo garífuna de Honduras está perto de concluir a construção do Centro de Saberes do Povo Garífuna, na comunidade Vallecito, apesar da violência contra organizações indígenas e negras COPINH (Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras) e OFRANEH (Organização Fraternal Negra de Honduras), cujos membros continuam sendo perseguidos e assassinados, como aconteceu com Juan López, defensor dos bens comuns, caído em 14 de setembro.
Há muito mais, como a resistência permanente guarani e kaiowá em seus territórios recuperados (retomados) no Mato Grosso do Sul, onde enfrentam latifundiários armados e a polícia militar, diante da passividade do governo Lula, que prefere não demarcar as terras indígenas e opta por indenizar os fazendeiros.
A verdade é que amplos setores dos povos indígenas, negros, camponeses e, por vezes, das periferias urbanas, seguem em pé, resistem à guerra de cima e vão construindo os seus mundos, da soberania alimentar à educação própria. Não se rendem em meio à violência que o sistema lança contra os povos. Têm certeza de que a ofensiva vinda de cima vai durar muito tempo e estão preparados para seguir caminhando.
O comuneiro mapuche Héctor Llaitul, condenado a 23 anos de prisão, realizou uma greve de fome de 87 dias em sinal de protesto, após solicitar a sua transferência para a ala de comuneiros mapuche na prisão de Temuco.
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Movimentos na tormenta. Artigo de Raúl Zibechi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU