13 Março 2024
"A economia global continua consumindo recursos naturais em um ritmo alarmante, enquanto o progresso em direção ao cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável está aquém do necessário".
O artigo é de José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia, publicado por EcoDebate, 11-03-2024.
O ser humano não gerava grande impacto na natureza quando a população era pequena e vivia da coleta dos frutos da natureza. As populações humanas eram nômades e totalmente dependentes da caça e da oferta de bens de subsistência oferecida pela ampla biodiversidade dos ecossistemas.
Mas este quadro começou a mudar com a 1ª onda de progresso advinda da fixação das populações a um território com a prática da agricultura e a domesticação de animais e se ampliou com a 2ª onda gerada pelas atividades industriais.
A revolução agrícola e pecuária foi um período de transformação fundamental na história da humanidade que teve um impacto significativo na forma como as sociedades se organizavam e se desenvolviam. A revolução agrícola e pecuária iniciou-se há cerca de 10.000 anos, com a transição das sociedades humanas de uma economia de caça e coleta para uma economia baseada na agricultura e na domesticação de animais.
Este período viu o desenvolvimento de práticas agrícolas como a irrigação, a rotação de culturas e o uso de ferramentas agrícolas, o que permitiu o aumento da produção de alimentos e o estabelecimento de comunidades sedentárias. A domesticação de animais, como o gado, as ovelhas e os porcos, também desempenhou um papel crucial nesta revolução, fornecendo não só carne, mas também leite, peles e força de trabalho para a agricultura.
A revolução industrial, por sua vez, ocorreu a partir do século XVIII na Grã-Bretanha e espalhou-se por toda a Europa e, posteriormente, para outras partes do mundo. Esta revolução foi caracterizada pela transição de uma economia agrária e artesanal para uma economia industrial baseada na produção em massa de bens utilizando máquinas alimentadas por energia, inicialmente a vapor e mais tarde a eletricidade.
A revolução industrial teve um impacto profundo em todos os aspectos da vida humana, desde a economia e a política até a sociedade e a cultura. A urbanização acelerada, o surgimento da classe trabalhadora industrial, a expansão do comércio global e a rápida inovação tecnológica foram algumas das características distintivas deste período.
Uma característica comum das revoluções da produção econômica da humanidade é a extração de matéria-prima e de recursos naturais. O extrativismo tem sido a base do desenvolvimento das civilizações. O avanço e o enriquecimento da humanidade se deu às custas do empobrecimento e do retrocesso do meio ambiente.
Como mostrou o economista ecológico, Clóvis Cavalcanti (2012), a economia, em suas dimensões físicas, é feita de coisas, material e energia fornecida pela natureza, o que gera permanentemente “estruturas dissipativas”. O sistema produtivo (throughput ou transumo) gera um fluxo metabólico do ambiente que leva à entropia.
O autor explica como funciona o modelo “Extrai-Produz-Descarta”: “Pela Figura 1 pode-se ver que o que a economia moderna faz, na verdade, em última análise, é cavar um buraco eterno que não para de aumentar (extração de matéria e energia de baixa entropia). Cumprido o processo do transumo, os recursos terão virado inevitavelmente dejetos – matéria neutra, detritos, poeira, cinzas, sucata, energia dissipada – que não servem para quase absolutamente nada (matéria e energia de alta entropia). Amontoam-se formando um lixão, também eterno, que não para de crescer. Assim, a extração de recursos e a deposição de lixo deixam como legado uma pegada ecológica cada vez maior” (p. 40).
Desta forma, enquanto permanecer o modelo de crescimento econômico baseado no “Extrai-Produz-Descarta” não poderá haver desenvolvimento sustentável, pois o crescimento da Pegada Ecológica continuará ultrapassando a Biocapacidade do Planeta. Como a humanidade já superou a capacidade de carga da Terra, o extrativismo só aumenta a Sobrecarga das atividades antrópicas.
O mundo está em uma trilha insustentável, como mostrou o Painel Internacional de Recursos (IRP) do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). O Painel divulga o relatório “Global Resources Outlook” de 5 em 5 anos e, na edição de 2024, lançada no dia 01 de março, há uma grave advertência: “O mundo enfrenta atualmente uma tripla crise planetária, envolvendo alterações climáticas, perda de biodiversidade e poluição e resíduos. A economia global continua consumindo recursos naturais em um ritmo alarmante, enquanto o progresso em direção ao cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável está aquém do necessário” (p. 26).
O gráfico abaixo, do Global Resources Outlook 2024, mostra que a extração anual de materiais (biomassa, combustíveis fósseis, minerais metálicos e minerais não metálicos) cresceu de 30,9 bilhões de toneladas em 1970 para 95,1 bilhões de toneladas em 2020 e estima-se 106,5 bilhões de toneladas em 2024.
A extração foi de 2,1% ao ano entre 1970 e 2000, acelerou para 3,5% entre 2000 e 2012, mas desacelerou para 1% ao ano entre 2012 e 2020, no rescaldo da crise financeira global e na desaceleração econômica causada pela pandemia da covid-19. Com a recuperação pós pandêmica, o crescimento médio da extração de recursos voltou a acelerar para 2,9% ao ano. O maior crescimento do extrativismo ocorreu na Ásia, que é o continente mais populoso do mundo.
A composição do uso de materiais também mudou significativamente nas últimas cinco décadas. Em 1970, a biomassa foi a maior categoria de uso de material com 41% do total, mas a sua percentagem diminuiu para 33% em 2000 e 26% em 2020. Os minerais não metálicos se tornaram a maior categoria, com 48% em 2020, acima dos 31% de 1970, sinalizando uma transição do metabolismo agrário baseado em biomassa para um metabolismo industrial baseado em minerais.
Sem dúvida, é preciso destacar que a extração de recursos cresceu acima da taxa de aumento da população mundial. A média global da demanda material per capita era de 8,4 toneladas em 1970 e cresceu para 12,2 toneladas per capita em 2020 e chegou a 13,2 toneladas per capita em 2024.
O crescimento da população e do consumo aumentam a demanda por recursos da natureza. E o pior: segundo o relatório “Global Resources Outlook 2024”, a exploração de recursos pode passar de 100 bilhões de toneladas em 2020 para 160 bilhões de toneladas em 2060, um aumento de 60% nas próximas 4 décadas.
É preciso rever o caminho do abismo. O mundo precisa planejar o decrescimento demoeconômico para reduzir o extrativismo global que está degradando e sufocando a natureza.
Mas, enquanto o decrescimento não se torna uma realidade, é preciso buscar a difícil tarefa de fazer o desacoplamento absoluto entre a produção de bens e serviços e a quantidade de recursos extraídos do meio ambiente.
ALVES , J. E. D. População, desenvolvimento e sustentabilidade: perspectivas para a CIPD pós-2014. R. bras. Est. Pop., Rio de Janeiro, v. 31, n.1, p. 219-230, jan./jun. 2014. Disponível aqui.
CAVALCANTI, Clóvis. Sustentabilidade: mantra ou escolha moral? Uma abordagem ecológico-econômica. SP, Estudos avançados 26 (74), 2012. Disponível aqui.
United Nations Environment Programme (UNEP): Global Resources Outlook 2024: Bend the Trend – Pathways to a liveable planet as resource use spikes. International Resource Panel. Nairobi, 2024. Disponível aqui.
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O extrativismo global está degradando e sufocando a natureza. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU