14 Fevereiro 2024
No primeiro ano do terceiro mandato de Lula como presidente do Brasil, o desmatamento na Amazônia estagnou. Mas esta árvore esconde a floresta de uma política econômica sempre extrativista, com fortes impactos ecológicos.
A reportagem é de Julien Dourgnon, publicada por Alternatives Économiques, 06-02-2024. A tradução é do Cepat.
O presidente da República Federativa do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, tem motivos para estar exultante. Em 2023, segundo o instituto científico Imazon, o desmatamento na Amazônia teria diminuído 60% em relação a 2022. Um sucesso, após vários anos de destruição recorde no mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro entre 2018 e 2022.
O interesse da comunidade internacional pelo tema, verdadeiro símbolo mundial de um planeta a ser protegido, levou Lula a torná-lo o trampolim para o retorno do Brasil ao cenário internacional. O objetivo de acabar com a destruição criminosa da Amazônia, uma promessa de campanha, que o presidente brande como um cartão de visita em todas as suas viagens oficiais, incluindo a da COP28 em Dubai, em dezembro de 2023, pretende demonstrar o seu compromisso com o meio ambiente.
Nesta área, será difícil para ele e sua ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, fazerem pior do que o seu antecessor Jair Bolsonaro. Contudo, não devemos nos deixar enganar por ilusões. A árvore amazônica, que se tornou vitrine ecológica do país no exterior, esconde um quadro geral bem menos animador.
Se 2023 foi marcado por uma queda tangível nos ataques incendiários criminosos na Amazônia, o ano ainda ocupa o sexto lugar entre os últimos dezesseis em termos de desmatamento, observa o Instituto Imazon. A região ainda perde diariamente o equivalente a 1.200 campos de futebol de floresta. Lula pode, portanto, gabar-se de um sucesso modesto.
Principalmente porque, à sombra da midiática Amazônia, os quatro outros ecossistemas brasileiros vivem anos sombrios em uma indiferença quase total. Este é particularmente o caso do Cerrado, um bioma gigantesco, três vezes maior que a França, que cobre 23% do território nacional, localizado na parte central do país.
Depois da Amazônia, este bioma é o mais importante da América Latina, por sua extraordinária superfície, pela diversidade de suas paisagens compostas por savanas e áreas de florestas e pela riqueza de suas espécies vegetais e animais endêmicas.
Além disso, o Cerrado abriga a grande maioria dos recursos hídricos de oito grandes bacias hidrográficas essenciais para a segurança alimentar e energética do país, e armazena uma quantidade significativa de CO2 em seus solos e vegetação.
Devorado pelo desmatamento e pelo tráfico ilegal de madeira, pela expansão das áreas de pastagem e das plantações de soja – administradas segundo padrões modernos de agricultura intensiva –, o Cerrado vem encolhendo em ritmo acelerado nos últimos 10 anos.
Segundo a rede MapBiomas, que reúne laboratórios de pesquisa de universidades e ONGs ambientais, o bioma perdeu 35 milhões de hectares, ou seja, o equivalente à metade da superfície da França, em 34 anos. 1.200 espécies endêmicas estariam ameaçadas.
Falante sobre a Amazônia, o presidente Lula o é menos na defesa do Cerrado, assim como não fala das ameaças que pesam sobre o Pantanal e o que resta da Mata Atlântica, uma vasta floresta sob influência do oceano, 88% dos 1,1 milhão km2 foram progressivamente destruídos desde o século XIX.
A mudança no uso do solo no Brasil, ou seja, a transformação de áreas naturais para uso agrícola ou mineral, explica por si só a emissão anual de 1,2 bilhão de toneladas de CO2 equivalente, ou seja, 48% das emissões totais do país.
Lula nunca escondeu o seu apoio à expansão da agricultura intensiva de exportação e da agroindústria associada, motores da economia brasileira desde o início da colonização do país. O setor também se beneficia, independentemente do governo de plantão, de polpudos subsídios e de isenções fiscais feitas sob medida.
O setor é popular: os brasileiros têm orgulho do seu poder agrícola, o chamado lobby ruralista é onipresente na televisão e muito influente politicamente. Isto é evidenciado pela aprovação no Parlamento, em 28 de novembro de 2023, de um projeto de lei muito polêmico que agiliza significativamente a aprovação e, portanto, o uso de produtos químicos (alguns dos quais são proibidos na União Europeia) na agricultura; lei que um presidente Lula sob pressão, que conta com direito de veto, acabou censurando apenas marginalmente.
A “grande” reforma agrária, promessa antiga do Partido dos Trabalhadores (PT), do presidente Lula, que deveria permitir o desenvolvimento da agricultura extensiva e familiar em larga escala, o apoio à agricultura orgânica (que ocupa apenas 0,5 % das terras aráveis em comparação com 10% na Europa) ou a agroecologia, simplesmente fracassaram.
De forma mais geral, Lula e o seu ministro da Economia, Fernando Haddad, não pretendem romper com uma lógica secular de crescimento baseada na extração dos imensos recursos naturais do país. E por um bom motivo.
Graças à crise energética global, o Brasil vê abrir-se uma janela de oportunidades para promover as suas energias fósseis, especialmente petrolíferas, e os seus 27 bilhões de barris de reservas. Em plena COP28, o país anunciou a entrada na OPEP como membro associado e o leilão de 17 lotes de exploração e extração de petróleo. Um desprezo para as organizações ambientalistas presentes na COP28 e uma vergonha para a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
Desde então, o governo anunciou a abertura de um ciclo de leilões permanentes (sem data de início e fim) de 603 lotes, provocando a ira do Instituto Internacional Arayara que descreve a operação como “um leilão do fim do mundo”. Segundo ele, só a exploração destas reservas de petróleo representará 43% do total anual de emissões de CO2 do país.
Ironicamente, 60 dos 603 lotes estão localizados na Amazônia. A sua exploração ameaçará 15 áreas naturais protegidas com mais de 400 km2 e 22 territórios ocupados por populações ameríndias. Em outro ponto, em Alagoas, os lotes offshore apresentam riscos geológicos por estarem a menos de 2,5 km das minas de sal-gema, exploradas pela multinacional Braskem, cujos subsolos fragilizados ameaçam desabar a poucos metros da capital deste Estado, Maceió. No Arquipélago de Fernando de Noronha, a excepcional biodiversidade marinha e a pesca artesanal serão fortemente impactadas.
Por fim, o governo emitiu licença para utilização do “fracking” em 237 lotes. Esta técnica de fraturamento de rochas é conhecida por suas consequências prejudiciais ao meio ambiente.
Por sua vez, a gigante Petrobras, com capital majoritariamente privado mas sob controle público, pretende investir nada menos que 360 bilhões de reais na extração, refino e produção de fertilizantes nitrogenados até 2027.
Portanto, não é certo que Lula pretenda realmente reduzir a participação do petróleo e do gás (46% em 2022) na matriz energética brasileira, como prometido no plano decenal. Afinal, a percentagem dos “renováveis” neste mix já está bem acima da média europeia e mundial.
Por outro lado, o aumento da produção de petróleo, juntamente com a do etanol proveniente da monocultura da cana-de-açúcar, que o governo também incentiva, poderá oferecer uma dupla vantagem importante: disponibilizar uma energia nacional a um preço relativo moderado, num país onde o tráfego rodoviário fornece 90% do transporte de pessoas e mercadorias, e permitir o aumento das exportações – sinônimo de novas entradas de dólares, essenciais para a estabilidade monetária do país. Uma estratégia econômica talvez coerente, mas ecologicamente muito questionável.
Além do apoio público à atividade petrolífera, há o apoio ao setor mineiro. Em 2022, o país produziu 1,2 bilhão de toneladas de minérios por 45 bilhões de euros. É um dos principais produtores mundiais e um importante fornecedor para a China de minério de ferro (segundo maior produtor mundial), nióbio (que se tornou essencial para a fabricação de aços resistentes), bauxita (para a fabricação de alumínio) ou ainda de cobre.
O governo Lula pretende apoiar a tendência de intensificação da prospecção em todo o território. Até 2026, o governo vai gastar 280 milhões de reais para identificar novas jazidas, especialmente de urânio.
O BNDES abriu uma linha de crédito de 80 bilhões de reais a taxas subsidiadas, para investimentos nas antigas e novas minas do país.
Em todo o território florescem novos projetos, por exemplo, a exploração de minério de ferro na região protegida do Parque Nacional da Chapada Diamantina, na Bahia, ou de urânio, no Rio Grande do Norte.
Os danos ambientais causados pela atividade minerária no Brasil são conhecidos e vêm sendo denunciados há décadas pelas organizações ambientalistas: desmatamento, poluição de lençóis freáticos e rios, alteração irreversível de paisagens e acúmulo de lodo de rejeito das minas em 961 barragens de contenção existentes no país.
Somam-se a esses os garimpos, garimpeiros de ouro e pedras preciosas que atuam em quadrilhas organizadas que invadem as florestas amazônicas ocupadas por populações indígenas. A sua atividade ilegal causa inúmeros danos humanos às populações locais (assassinatos, corrupção, violações e prostituição) e danos ambientais, especialmente através do desmatamento e da utilização imoderada de mercúrio que se infiltra nos cursos de água.
O Brasil, por outro lado, pode orgulhar-se da sua capacidade de produzir eletricidade com baixo teor de carbono. Com 88% de sua produção já proveniente de fontes renováveis, incluindo 62% de fontes hidráulicas e apenas 10% de usinas a gás natural, o Brasil não tem realmente nenhuma grande transição a fazer nesta área. Não obstante, o país acumula cada ano entre 6 e 8 GW de capacidade instalada renovável adicional de energia eólica e solar e de biogás.
Essa dinâmica não visa apenas satisfazer o crescimento da demanda interna, estimada em 4% ao ano até 2030. O Brasil, de fato, sonha com a produção em massa de eletricidade “verde”, ter sucesso onde falhou até agora: ter uma indústria competitiva.
Este processo de “neoindustrialização”, nas palavras do ministro Haddad, visa três objetivos principais: aumentar as exportações de eletricidade para os países vizinhos da América Latina, produzir energia verde armazenável – como o hidrogênio verde – e atrair para solo nacional indústrias estrangeiras que estão em busca de uma produção de baixo carbono.
Racional, esta estratégia coloca, no entanto, graves problemas ambientais e sociais. 92% da capacidade instalada de energia eólica, por exemplo, está concentrada na região Nordeste do Brasil, em especial em dois Estados: Bahia e Rio Grande do Norte.
Neste último, os 240 parques e 2.335 turbinas, para 8 GW instalados, ocupam 5% do território (contra 0,3% em média na França). E mais 5 GW deverão ser instalados até 2030.
A produção de energia solar, por sua vez, cresce exponencialmente. A produção dobrou em dois anos e 17 novos parques estão em construção no Estado.
Tudo isto sem grande preocupação com o ambiente e com as condições de vida das populações locais. Para o Instituto de Pesquisas Socioeconômicas (Inesc), além dos danos ambientais que podem sofrer, as populações locais, muitas vezes modestas e sem poder de negociação, não se beneficiam desses projetos.
Contratos de concessão de terras leoninos, ausência de royalties para os municípios, descumprimento de compromissos... As dez empresas (incluindo a francesa Voltalia, de propriedade da família Mulliez), que se beneficiam de 70% das concessões neste Estado, estão tirando proveito de sua posição de força. Ao concentrarem o usufruto da terra, estão fazendo uma reforma agrária às avessas e de fato “privatizaram o vento”, segundo Mariana Traldi, pesquisadora do Instituto Federal de São Paulo.
Então, Lula, herói da transição ecológica no Brasil? Duvidamos disso. O esverdeamento de uma parte da política energética e industrial parece apenas ser o álibi de um capitalismo extrativista em busca do crescimento máximo, com o apoio de um Estado keynesiano. Uma corrida para a frente produtivista, longe dos apelos à sobriedade e à transformação das estruturas econômicas e sociais que uma verdadeira transição ecológica exige.
Em sua defesa, o presidente Lula dificilmente poderá contar com as forças sociais internas capazes de contrabalançar o poder financeiro e político dos grandes proprietários de terras e das multinacionais do agronegócio.
Deve, além disso, negociar com um parlamento dominado pelos conservadores, insensível às questões ambientais e aos direitos das populações indígenas.
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Menos desmatamento, mais extrativismo: a ecologia segundo Lula - Instituto Humanitas Unisinos - IHU