Cálculo inédito mostra que emissões da queima do óleo da Margem Equatorial são 3 vezes a meta que país assumiu para 2030.
A reportagem é de Giovana Girardi, publicada por Agência Pública, 03-12-2023.
O governo Lula está na Conferência do Clima da ONU (COP28), em Dubai, cantando em verso e prosa os avanços que o Brasil alcançou neste primeiro ano de seu terceiro mandato. O principal deles: reduzir o desmatamento da Amazônia em 50% nos primeiros dez meses do ano, na comparação com o mesmo período do ano passado.
O desmatamento da Amazônia é a nossa principal fonte – histórica e atual – de gases de efeito estufa. Assim, a redução é um resultado extremamente relevante de se apresentar na cúpula que busca justamente acelerar as ações dos países para combater o aquecimento global. O Brasil tem um trunfo diante de um cenário global em que as emissões bateram recorde no ano passado. O que também o coloca em condições de fazer cobranças.
Mas o anúncio de que o país vai se unir a Opep +, o grupo estendido da Organização dos Países Exportadores de Petróleo – aliado aos planos de abrir uma nova frente de exploração de petróleo na Margem Equatorial (que inclui a polémica Foz do Amazonas) – levanta a questão de quanto esse movimento em direção aos combustíveis fósseis pode comprometer os esforços contra a crise climática.
A pedido da Agência Pública, pesquisadores que fazem o Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg) do país fizeram a conta e concluíram que se for explorado todo o petróleo previsto de estar disponível no fundo do mar na faixa entre o Amapá e o Rio Grande do Norte, as emissões de gases de efeito estufa provenientes de sua queima anulariam, para o planeta, os ganhos obtidos com a redução do desmatamento da Amazônia.
Projeções feitas pela Petrobras são de que há algo entre 10 e 30 bilhões de barris de petróleo na Margem Equatorial. Segundo o cálculo feito por Felipe Barcellos, do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), se todo esse petróleo for queimado, emitiria entre 4 bilhões e 13 bilhões de toneladas de gás carbônico (CO2), o principal gás de efeito estufa. É quase o que Estados Unidos (5,3 bilhões) e China (12,3 bilhões de toneladas) emitiram em 2020.
A meta apresentada pelo Brasil junto ao Acordo de Paris (ou Contribuição Nacionalmente Determinada no jargão climático – NDC) prevê que até 2025 as emissões anuais vão estar na ordem de 1,34 bilhão de toneladas de CO2-equivalente e até 2030, devem cair para cerca de 1,21 gigatoneladas (Gt) por ano – redução de 53% em relação aos níveis de 2005. Ou seja, as emissões referentes à queima do petróleo da Margem Equatorial seriam, no mínimo, o triplo do quanto o Brasil se comprometeu a emitir em 2030.
Agora se considerarmos que o país também tem como meta zerar o desmatamento da Amazônia até o fim da década, fica mais evidente o potencial de não só anular ganhos, como de inverter a curva.
De acordo com o Seeg, se de fato zerar o desmatamento da Amazônia até 2030, como prometido por Lula assim que ele assumiu o governo, mesmo que nenhuma outra redução de emissões seja feita em outros setores da economia (como energia e agropecuária, por exemplo), o Brasil estará, daqui sete anos, emitindo cerca de 905 milhões de toneladas de CO2-equivalente. O valor é 25% menor do que os 1,2 GtCO2e previstos na NDC para 2030, o que mostra que o Brasil contribuiria ainda mais para o clima global do que a nossa meta indica.
Nesse caso, a emissão do petróleo fica ainda mais gritante: 4 bilhões de toneladas de CO2 é 4,4 vezes o que poderemos estar emitindo se acabar o desmatamento da Amazônia.
“Esse montante de emissões seria equivalente, grosso modo, a continuarmos desmatando até 2035 ou até 2060 (considerando que cumpriremos com a NDC em 2025 e depois vamos freando linearmente o desmatamento)”, explicou à Pública David Tsai, coordenador do Seeg. “Ou seja, explorar a Margem Equatorial seria equivalente ao dano causado pela postergação entre 5 anos e 30 anos da meta de desmatamento zero”, complementou.
Um outro jeito de encarar esse potencial de queima do combustível fóssil da Margem Equatorial é olhando para trás. O fato que faz o governo Lula confiar que vai conseguir zerar o desmatamento até 2030 é porque algo próximo disso já foi feito no passado. Entre 2004 e 2012 – governos Lula 1, Lula 2 e Dilma 1 – a taxa caiu 83%, chegando à menor já medida desde 1989.
Em evento neste sábado (2), na COP, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, afirmou que, com essa redução, o Brasil evitou lançar na atmosfera 5 bilhões de toneladas de CO2e naquele período.
O cálculo sobre as emissões potenciais do petróleo não significa que necessariamente esse carbono vai se somar a contribuição que o Brasil faz ao aquecimento global. Pode não entrar na nossa conta, visto que ele pode não ser consumido no país, mas ser exportado. O que, para a atmosfera, faz pouca diferença. Afinal, o planeta é um só. “Vai ser um dano para o mundo de todo jeito”, comenta Tsai.
Isso contrasta com o próprio posicionamento oficial do governo em Dubai. Ao se dirigir a outros chefes de estado e de governo na plenária de alto nível da COP28 na sexta-feira (1), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez questão de frisar a redução de 50% no desmatamento da Amazônia nos primeiros dez meses do ano, na comparação com o mesmo período do ano passado, para cobrar os demais líderes.
Lula se dirige a chefes de Estado e de governo na abertura da COP28, quando pediu uma “economia menos dependente de combustíveis fósseis”. (Foto: Ricardo Stuckert | Flickr)
“O desmatamento em todo mundo só responde por 10% das emissões globais. Mesmo que não derrubemos mais nenhuma árvore, a Amazônia poderá atingir seu ponto de não-retorno se outros países não fizerem sua parte”, declarou, indicando reconhecer que o consumo de combustíveis fósseis é o principal vetor do aquecimento global em todo o mundo.
“O aumento da temperatura global poderá desencadear um processo irreversível de savanização da Amazônia. Os setores de energia, indústria e transporte emitem muitos gases do efeito estufa. Temos que lidar com todas essas fontes”, disse, ao defender que todos busquem se esforçar para limitar o aquecimento global em 1,5°C.
Na sessão de abertura da COP, um pouco antes, ele também exortou: “É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis.”
Cerca de 24 horas depois, porém, na manhã deste sábado (2), em encontro com organizações da sociedade civil e movimentos sociais na COP28, Lula confirmou que o Brasil se juntará à Organização dos Países Exportadores de Petróleo e Aliados (Opep+), que reúne 13 nações aliadas ao grupo principal da Opep. Isso já havia sido dito na sexta pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, após reuniões do governo na Arábia Saudita.
Como o público era formado basicamente por ambientalistas, dentro da COP, Lula rapidamente tentou contemporizar. “Acho importante a gente participar porque a gente precisa convencer os países produtores de petróleo de que eles precisam se preparar para o fim dos combustíveis fósseis”, disse Lula.
“Se preparar significa aproveitar o dinheiro que eles lucram com petróleo e fazer investimento para que continentes como o africano e a América Latina possam produzir os combustíveis renováveis que eles precisam, sobretudo o hidrogênio verde”, afirmou. Não houve, entretanto, espaço para perguntas dos jornalistas, e ele não explicou como se daria esse trabalho de convencimento por parte do Brasil
Na noite anterior, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima Marina Silva foi questionada pela Pública se não seria uma contradição o Brasil defender o cumprimento da meta de limitar o aquecimento global a 1,5ºC como uma de suas principais bandeiras na COP28 e integrar a Opep+.
“Se for para levar o debate da economia verde, da necessidade de descarbonizar o planeta, não. É exatamente para levar o debate que precisa ser enfrentado no âmbito daqueles espaços que são dos grandes produtores de combustível fóssil, que é o grande responsável pelo aquecimento do planeta”, pontuou.
Em encontro com a sociedade civil, Lula admitiu que Brasil vai aderir ao grupo Opep+. (Foto: Ricardo Stuckert | Flickr)
Entre os membros da sociedade civil, a explicação não colou muito. Principalmente porque o governo vem passando vários indicativos de que não pretende estabelecer um cronograma para a eliminação dos combustíveis fósseis.
“Se isso for verdade [querer influenciar a Opep], o Brasil já teria de ter se comprometido com o chamado phase out [eliminação gradual] de combustíveis fósseis. Não há como ir para perto dos maiores produtores [de petróleo] que estão unidos, com uma vaga promessa de descarbonização, que não tem data para acontecer. Já deveria ter aderido a uma disposição de construir um cronograma”, comentou Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, em vídeo nas redes sociais.
“O Brasil diz uma coisa, mas fez outra na COP28. É inaceitável que o mesmo país que diz defender a meta de limitar o aquecimento global em 1,5°C, agora esteja anunciando o seu alinhamento ao grupo dos maiores produtores de petróleo do mundo”, comentou o diretor de programas do Greenpeace Brasil, Leandro Ramos, em comunicado à imprensa.
“Apesar de não sabermos ainda qual será o formato da Opep Plus, sabemos que a Opep funciona como um cartel para influenciar o preço internacional do petróleo por meio do controle da oferta. Por isso, anunciar a entrada do Brasil na organização em pleno ano de 2023, enquanto deveríamos estar preocupados em acelerar a transição energética do país e criar planos para eliminar os combustíveis fósseis progressivamente, é uma decisão completamente equivocada e perigosa”, complementou.
“Não basta apenas se comprometer em zerar o desmatamento, o governo brasileiro precisa se posicionar contra os combustíveis fósseis se quer assumir um papel de liderança climática mundial. Essa incoerência poderá colocar em xeque a sua posição para cobrar metas mais ambiciosas dos países desenvolvidos e custará caro à política climática brasileira”, disse.
A Secretaria de Comunicação do Planalto, assim como os ministérios do Meio Ambiente e de Minas e Energia foram procurados pela reportagem para comentar os dados de emissões, mas não se manifestaram até a publicação desta reportagem.