05 Março 2024
A crise climática e ambiental é uma enorme ameaça à pretensão da ONU de conseguir efetivar a meta da erradicação da fome até 2030.
O comentário é de José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia, em artigo publicado por EcoDebate, 26-02-2024.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) foram aprovados pela ONU no ano de 2015 e o Objetivo #2, estabelece a meta de acabar com a fome até 2030, além de garantir o acesso de todas as pessoas, em particular os pobres e indivíduos em situações vulneráveis, incluindo crianças e idosos, a alimentos seguros, nutritivos e suficientes durante todo o ano.
De fato, a fome vinha diminuindo no mundo nas últimas décadas e o ODS #2 expressava uma visão otimista da possibilidade de erradicar a fome no contexto da Agenda 2030 da ONU. Contudo, a situação mudou com a pandemia da covid-19 e piorou ainda mais com a invasão da Ucrânia pela Rússia. Por conseguinte, o preço dos alimentos atingiu um nível recorde em 2022 e o triênio 2021-2023 apresentou o maior valor do índice de preços dos alimentos da Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO), em mais de 100 anos.
O gráfico abaixo, do Atlas dos sistemas alimentares do Cone Sul, mostra que o preço dos alimentos estavam bem abaixo do índice 100 na década de 1990, subiu na primeira década do atual século, atingiu um nível muito elevado em 2011 (131,9 pontos) e deu um salto para 143,7 pontos em 2022 (recorde em mais de 100 anos).
Fonte: EcoDebate/FAO
De acordo com o relatório de 2023 da FAO sobre segurança alimentar e nutrição global – divulgado em julho de 2023, meses antes do conflito em Gaza – cerca de 735 milhões de pessoas enfrentaram a fome em 2022, um aumento de 122 milhões de pessoas em comparação com 2019 antes do período pandêmico.
O gráfico abaixo mostra que a prevalência da insegurança alimentar severa aumentou no período 2014-2016 a 2020-2022, atingindo mais de 25% da população das economias de renda baixa, pouco mais de 15% da população das economias de renda média baixa e cerca de 5% da população das economias de renda média alta.
Fonte: EcoDebate/FAOSTAT
O índice de preços dos alimentos da FAO caiu em 2023 em relação aos preços de 2022, mas continua muito elevado para o padrão histórico. Um dos fatores que contribuem para a carestia alimentar é o aquecimento global, que representa uma ameaça existencial à humanidade e é um impulsionador do aumento do preço dos alimentos.
A crise climática não é um fator conjuntural, mas sim estrutural. O aumento das emissões de CO2 provoca não só a elevação da temperatura, mas a acidificando das águas e dos solos afetando a fertilidade dos ecossistemas. O aquecimento global aumenta os eventos climáticos extremos e provoca perdas das colheitas. O aumento da temperatura provoca chuvas excessivas em alguns lugares e secas prolongadas em outras áreas, o que tende a aumentar a desertificação de amplas áreas geográficas.
O ano de 2023 bateu todos os recordes históricos de temperatura e os 12 meses entre fevereiro de 2023 e janeiro de 2024 marcou uma anomalia da temperatura acima de 1,5ºC, em relação ao período pré-industrial, que é o limite mínimo do Acordo de Paris. Os meses de janeiro e fevereiro de 2024 foram os mais quentes para esta época do ano. Provavelmente, o ano de 2024 não será mais quente do que 2023, mas há claros sinais de que o aquecimento global está se acelerando no longo prazo.
Neste sentido, a crise climática e ambiental é uma enorme ameaça à pretensão da ONU de conseguir efetivar a meta da erradicação da fome até 2030.
Os desafios atuais são gigantescos na área da segurança alimentar.
No quadro global, o esforço imediato é buscar estabilizar os índices de desnutrição no patamar de 2015. O horizonte da erradicação da fome, infelizmente, está ficando mais distante.
ALVES, JED. Crescimento demoeconômico no Antropoceno e negacionismo demográfico, Liinc em Revista, RJ, v. 18, n. 1, e5942, maio 2022. Disponível aqui.
LIZARRAGA, Patricia; FILHO, Jorge Pereira (org.). Atlas dos sistemas alimentares do Cone Sul. São Paulo: Expressão Popular / Fundação Rosa Luxemburgo, 2024. Disponível aqui.
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A crise climática agrava a crise alimentar. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU