"Hitler queria uma “solução final”, acabar com o povo judeu; Israel hoje quer a eliminação do povo palestino da face da Terra. Qual a diferença entre os nazistas de ontem e o Estado de Israel de hoje?"
O artigo é de Ivo Lesbaupin, sociólogo, professor aposentado da UFRJ, coordenador da ONG Iser Assessoria.
Ivo Lesbaupin é doutor em Sociologia pela Universidade de Toulouse-Le-Mirail, França, é autor e organizador de diversos livros, entre os quais destacamos: O Desmonte da nação: balanço do governo FHC (org., 1999); O Desmonte da nação em dados (com Adhemar Mineiro, 2002); Uma análise do Governo Lula (2003-2010): de como servir aos ricos sem deixar de atender aos pobres (2010).
Ivo Lesbaupin | Foto: Arquivo Pessoal
Quando as tropas soviéticas chegaram em 1945 à Polônia e descobriram Auschwitz, com milhares de judeus famélicos, inclusive crianças, covas coletivas com milhares de corpos, o mundo ficou chocado".
As pessoas perguntavam: “Como a humanidade havia permitido tais horrores? Como os habitantes das proximidades não haviam percebido o morticínio que ocorria a poucos quilômetros dali?” Havia um sentimento de incredulidade, uma indignação geral no ar. Em consequência dos horrores da 2ª Guerra Mundial, as Nações Unidas criaram uma comissão de especialistas de diferentes países e, em 1948, foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A ideia é que nunca mais poderiam ocorrer atrocidades semelhantes, nunca mais se trataria um povo como se fossem pessoas destituídas de humanidade.
No dia 7 de outubro de 2023, houve um ataque do Hamas a Israel que resultou em 1.139 mortos e 251 sequestrados. No último um ano e meio, em retaliação, o governo de Israel bombardeou o território de Gaza diariamente, com a utilização de aviões, bombas e mísseis e, depois, também com tanques no terreno, matando 53 mil palestinos, 70% dos quais mulheres e crianças. Em termos estatísticos, foram 37 palestinos mortos para cada judeu morto ou sequestrado. Para se ter ideia do que isso significa, na Guerra da Ucrânia, que já dura 3 anos, foram mortas 2.500 crianças; em Gaza, na metade do tempo, foram mortas 15 mil crianças, seis vezes mais. Ou seja, as crianças não são mortas como “dano colateral”: elas são alvo das Forças Armadas de Israel.
Não contente de matar pessoas, Israel atacou as condições de vida da população: instalações de saúde – hospitais, clínicas, postos de saúde –, escolas, abrigos. 94% das construções hospitalares estão total ou parcialmente destruídas. Várias categorias de pessoas foram especialmente visadas pelos ataques do exército israelense: trabalhadores humanitários (como médicos, enfermeiros, socorristas), funcionários da ONU e também jornalistas. Mais de 220 jornalistas foram mortos. Em comparação, na guerra da Ucrânia, no dobro do tempo, o número chegou a 29, sete vezes menos. Israel não quer que a verdade sobre este genocídio seja revelada.
Até abril de 2024, estima-se que Israel tenha lançado mais de 70 mil toneladas de bombas sobre Gaza - uma área de apenas 360 km². Essa quantidade corresponde ao dobro do total combinado de bombas lançadas pelos Aliados sobre Dresden (3.900 toneladas), Hamburgo (9 mil) e Londres (24 mil) durante a Segunda Guerra Mundial.
Ao bombardeio incessante, Israel acrescentou a fome, suspendendo por dois meses e meio toda entrada de ajuda humanitária (água, alimentos, remédios, equipamentos médicos). Veja bem: a ajuda à população de Gaza já era controlada antes de 2023: os caminhões de ajuda entravam através de uma passagem estritamente controlada. Mesmo assim, entravam 500 caminhões por dia. Após outubro de 2023, este número foi consideravelmente reduzido, para cerca de 80 por dia, até ser suspensa em março do corrente ano.
Diferentemente dos campos nazistas, este é um campo de concentração onde a matança e as crueldades estão ocorrendo à vista de todos, em tempo real, pela imprensa, pelas redes sociais, pela televisão. Ninguém pode argumentar que desconhece o que está acontecendo. É patente, é notório, é de conhecimento geral: o sangue jorra na tela do celular, as crianças mutiladas são expostas. Gaza é hoje um território 80% arrasado, os sobreviventes são deslocados diariamente, através de bombardeios, de um lugar para outro.
O Estado de Israel está fazendo com os palestinos hoje o que Hitler fez com os judeus na 2ª Guerra Mundial: é uma guerra de extermínio - pelas bombas, pelos tanques, pela fome. Os judeus eram reduzidos a corpos famélicos, assim como são os palestinos hoje. Para os nazistas, os judeus eram animais, chamados de “ratos” ou “porcos”, as autoridades israelenses de hoje chamam os palestinos de “animais humanos” e algumas afirmam que todas as crianças de Gaza deveriam ser aniquiladas.
Hitler queria uma “solução final”, acabar com o povo judeu; Israel hoje quer a eliminação do povo palestino da face da Terra. Qual a diferença entre os nazistas de ontem e o Estado de Israel de hoje?