30 Mai 2025
"Agostinho pregou constantemente a humildade, assim como Leão. Ele fez um gesto em direção a ela naquele primeiro dia e voltou a ela em suas declarações subsequentes. Em 9 de maio, ele pregou que 'um compromisso indispensável para todos aqueles na Igreja que exercem um ministério de autoridade... é afastar-se para que Cristo permaneça, fazer-se pequeno para que Ele seja conhecido e glorificado". Leão aponta seus cardeais para o caminho da pequenez, que diante de uma grande responsabilidade é o caminho para a humildade", escreve Brendan Augustine Baran, frade dominicano da Província de São José e atualmente atua como Professor Assistente de Teologia no Providence College, em Rhode Island. Sua atenção acadêmica tem se concentrado nos sermões de Santo Agostinho, com publicações em Estudos Agostinianos e no Journal of Early Christian Studies, em artigo publicado por America, 27-05-2025.
Já se passaram mais de duas semanas desde que o Papa Leão XIV surgiu na sacada com vista para a Praça São Pedro. Como tantos outros, tenho lido suas homilias e discursos públicos com grande atenção, mas uma frase daquele primeiro dia continua ecoando em meus ouvidos. No meio de seu primeiro discurso na Praça São Pedro, Leão citou diretamente um único verso de Santo Agostinho — um verso que ele citou novamente neste fim de semana: "Convosco sou cristão, e para vós sou bispo". Estima-se que quase cinco milhões de palavras escritas por Agostinho tenham sobrevivido até os dias de hoje, mas reconheci essas palavras imediatamente.
Assim como o Papa Leão, eu também sou "um filho de Santo Agostinho". Como membro da Ordem dos Pregadores, sigo a Regra de Santo Agostinho. Além disso, em minha pesquisa sobre Santo Agostinho, examino como a teologia deste bispo do século V permanece relevante para a Igreja hoje. Quando Leão citou Agostinho, soou para mim tão claro quanto os sinos que anunciaram sua eleição uma hora antes.
Por que esta citação é significativa? Porque contém um importante ponto teológico sobre a natureza do episcopado. A citação sinaliza a abordagem de Leão XIV ao seu papel como bispo de Roma.
Agostinho, que serviu como bispo de Hipona Régio (na atual Argélia) de aproximadamente 395 até sua morte em 430, utilizou esse pensamento repetidamente em suas pregações para articular como o bispo vive em uma dupla tensão. A identidade primária e fundamental do bispo encontra-se em seu batismo, comum a todos os cristãos; dessa forma, ele permanece sempre com seus irmãos cristãos. Agostinho também observa, no entanto, que um bispo é dotado de autoridade como líder; nessa função, ele deve ser um servo de seus irmãos cristãos. O bispo está simultaneamente com seu povo e para seu povo.
Essa percepção agostiniana permanece importante na reflexão teológica moderna sobre a natureza da Igreja. A Lumen Gentium, a "Constituição Dogmática sobre a Igreja", promulgada no Concílio Vaticano II, utiliza a frase para articular as semelhanças e distinções entre os leigos e os ministros ordenados da Igreja:
[Os leigos] têm como irmãos aqueles no ministério sagrado que, ensinando, santificando e governando com a autoridade de Cristo, alimentam a família de Deus para que o novo mandamento da caridade seja cumprido por todos. Santo Agostinho expressa isso de forma muito bela quando diz: “O que sou para vós me apavora; o que sou convosco me consola. Para vós sou bispo; mas convosco sou cristão. O primeiro é um dever; o segundo, uma graça. O primeiro é um perigo; o segundo, a salvação”.
Lumen Gentium usa isso para afirmar como os bispos servem à Igreja por meio do ensino, do ministério sacramental e do governo (n. 32). O bispo existe para o bem desses ministérios, que são tanto um “dever” quanto um grande “perigo”, pois ele será, em última análise, responsável perante Cristo pela maneira como cumpre (ou deixa de cumprir) esses deveres. E, no entanto, Lumen Gentium também usa Agostinho para articular que o bispo, como cristão, recebe graça e salvação de Jesus Cristo, juntamente com seus irmãos e irmãs entre os leigos.
O Papa Leão XIV, que serviu como prefeito do Dicastério para os Bispos, certamente conhecia esta importante passagem.
Agostinho articulou o mesmo ponto em vários pontos de seus sermões, usando imagens diferentes. Cada uma dessas imagens ajuda a concretizar o que Agostinho quer dizer com a passagem citada por Leão. Em uma improvisação sobre o tema, Agostinho enfatiza que o bispo detém a autoridade de pastor (em latim, pastor ), mas também permanece como uma das ovelhas dentro do rebanho cristão. Certa vez, ao pregar em um sínodo local de bispos, Agostinho disse aos leigos ali reunidos: “É porque nós [bispos] fomos incumbidos de que somos contados entre os pastores, se formos bons. Mas porque somos cristãos, também somos ovelhas junto com vocês.”
Agostinho reconhece que o bispo tem um papel de autoridade divinamente ordenado para liderar a Igreja como pastor. No entanto, ao mesmo tempo, Agostinho reconhece que também permanece um membro do rebanho cristão. O bispo guia o povo, mas é ele próprio guiado por Cristo, o Bom Pastor. Para o povo, ele é um pastor; para o povo, ele é uma das ovelhas.
Essa imagem se assemelha à exortação do Papa Francisco a todos os sacerdotes: "Sede pastores com o 'cheiro das ovelhas', tornai-o realidade, como pastores entre o vosso rebanho". Numa teologia agostiniana do episcopado, o bispo deve exercer com ousadia sua autoridade de pastor, mas também reconhecer que sua salvação pessoal advém de ser membro do rebanho. Todos esses fios se entrelaçam em Leão XIV, filho de Santo Agostinho, sacerdote da geração posterior ao Vaticano II e ordenado bispo no pontificado do Papa Francisco.
Ao descrever o papel de um bispo, Santo Agostinho também usa a imagem de um professor e um aluno. O bispo, especialmente quando prega na liturgia, sem dúvida serve como professor. No entanto, várias vezes Agostinho também descreveu a si mesmo e sua audiência com o termo latino condiscipuli, que significa "companheiros de estudo" ou, mais literalmente, "coalunos". Como bispo, Agostinho é um professor para seu povo, mas como cristão, ele é um colega de estudo com seu povo. Em um sermão, Agostinho prega o seguinte:
Ao dizer essas palavras, Agostinho pregava em uma posição de autoridade, erguido acima de seu povo, em uma plataforma no santuário da Basílica da Paz, na cidade de Hipona. O bispo serve como um mestre autorizado do Evangelho para sua congregação. No entanto, Agostinho também teve a humildade de reconhecer que permanecia, junto com sua congregação, um discípulo do único e verdadeiro mestre, Cristo.
Essas dinâmicas de leigo/bispo, ovelha/pastor e aluno/professor estão contidas nas palavras citadas por Leão: "Contigo sou cristão, e para ti sou bispo". Um bispo ocupa um lugar intermediário em relação à Igreja. Ele transita entre a autoridade de Deus e a dependência que todas as pessoas têm da graça de Deus. Para mim, o uso que Leão faz das palavras de Agostinho indica um desejo de perseverar naquela virtude agostiniana fundamental da humildade.
Para Agostinho, o orgulho é um grande perigo para a vida espiritual, e aqueles a quem se confia um alto cargo são especialmente vulneráveis a esse vício. Por isso, ele instou em uma carta que "a humildade preceda, acompanhe e siga todas as nossas boas ações". A virtude da humildade deve penetrar no âmago de cada cristão, mesmo quando se ocupa um cargo elevado, como o de bispo. Afinal, Cristo, que é Deus Altíssimo, humilhou-se ao assumir a natureza humana e morrer na cruz. Enquanto sua natureza divina permanece, a humildade de Cristo se revela em sua disposição de compartilhar conosco nossa natureza humana.
Agostinho pregou constantemente a humildade, assim como Leão. Ele fez um gesto em direção a ela naquele primeiro dia e voltou a ela em suas declarações subsequentes. Em 9 de maio, ele pregou que "um compromisso indispensável para todos aqueles na Igreja que exercem um ministério de autoridade... é afastar-se para que Cristo permaneça, fazer-se pequeno para que Ele seja conhecido e glorificado". Leão aponta seus cardeais para o caminho da pequenez, que diante de uma grande responsabilidade é o caminho para a humildade.
Ele enfatizou novamente a disposição do humilde bispo quando, em sua homilia de 18 de maio, observou que São Pedro — e implicitamente seus sucessores — “devem pastorear o rebanho sem nunca ceder à tentação de ser um autocrata, dominando aqueles que lhe foram confiados” e devem “caminhar ao lado” de seus irmãos e irmãs.
Outra ligação vem da ênfase de Leão na unidade dentro da Igreja. O bispo, como líder de seu povo, reúne seu povo. Mas o bispo e seu povo estão todos reunidos em torno de Cristo. O lema no brasão de Leão traz outra citação de Agostinho: In illo uno unum ("No Um, somos um"). O "Um" é Cristo, que é a causa da unidade entre todos os cristãos, o bispo e seus condiscípulos.
As primeiras palavras são significativas, e é significativo que Leão tenha escolhido citar Agostinho: "Convosco sou cristão, e para vós sou bispo". Uma leitura aprofundada do significado de Agostinho permite vislumbrar a abordagem de Leão ao seu novo ministério como bispo de Roma. Como pontífice, ele serve a um propósito: existe para outros que buscam uma ponte pela qual Deus possa se aproximar. No entanto, em última análise, a salvação do próprio bispo advém de ser cristão; ele humildemente se coloca ao lado de seus irmãos e irmãs enquanto Deus vem ao nosso encontro. O episcopado é um dever, mas a glória advém de ser cristão. Que o pontificado de Leão XIV seja imbuído do mesmo amor e humildade demonstrados por seu pai, Santo Agostinho.