28 Mai 2025
Francisco “sabia que o poder dos tradicionalistas na hierarquia episcopal poderia facilmente reverter qualquer avanço após a sua morte. Por isso, suportou até o último momento. E assim, como bom estrategista político, protelou sua sucessão e a preparou, mesmo sabendo que, em última instância, depende do Espírito Santo”, escreve Manuel Castells, sociólogo espanhol, em artigo publicado por La Vanguardia, 17-05-2025. A tradução é do Cepat.
O Papa Francisco tinha consciência da crise da Igreja Católica. Na Europa, devido ao agnosticismo e às práticas secularizadas da maioria dos fiéis. Na América Latina, denunciou reiteradamente que a Igreja de Jesus Cristo, a Igreja dos pobres e humildes, havia se transformado na Igreja dos ricos e poderosos. Enquanto os chamados cristãos evangélicos, inseridos nos bairros, cresciam muito rapidamente, especialmente no Brasil, o maior país católico. Um tema recorrente nos encontros de reflexão que ele organizou e em alguns dos quais participei.
Por isso, decidiu empreender uma virada e reformar uma instituição bimilenar, enfrentando a Cúria Romana e a trama de interesses tecida em torno do corrupto Banco do Vaticano. Algo no qual, ainda que tenha tentado, Bento XVI fracassou, até tomar a decisão inédita de se aposentar para dar lugar a um papa com mais energia para a tarefa.
Francisco começou com uma abertura doutrinal nos temas que nosso tempo enfrenta. Em particular, o desafio climático e, mais amplamente, ecológico, que abordou em uma encíclica de grande profundidade, Laudato si’: sobre o cuidado da casa comum (2015), que continua sendo um guia moral prático para além dos limites da Igreja. Também reconheceu de modo cristão os direitos dos homossexuais (“quem sou eu para julgar?”) e defendeu uma Igreja inclusiva e participativa (“sodalícia”), entreabrindo as portas para diaconisas e lhes conferindo alguns cargos significativos na burocracia vaticana. Pronunciou-se claramente em defesa da paz, sem tomar partido (“A OTAN ladrou muito alto”), e em total solidariedade aos migrantes, como quando acompanhou a Comunidade de Santo Egídio para resgatar migrantes na ilha de Lesbos e levou um grupo deles para a Itália em seu avião papal.
E, claro, perseguiu e puniu o flagelo da pedofilia na Igreja, enfrentando seus acobertadores. Por exemplo, fazendo toda a Conferência Episcopal Chilena renunciar e dissolvendo o Sodalício da Vida Cristã, no Peru.
Contudo, ele sabia que o poder dos tradicionalistas na hierarquia episcopal poderia facilmente reverter qualquer avanço após a sua morte. Por isso, suportou até o último momento. E assim, como bom estrategista político, protelou sua sucessão e a preparou, mesmo sabendo que, em última instância, depende do Espírito Santo. Desse modo, tentou ajudar a divindade com medidas concretas, encaminhadas a uma Igreja que continuasse com a reforma, ainda que moderando o ritmo para evitar rupturas. Por isso, nomeou mais cardeais do que qualquer outro (164) e diversificou suas origens. Do eleitorado papal, 81% foram nomeados por Francisco, sendo 23 da América Latina, 14 da América do Norte, 23 da Ásia, 18 da África, 4 da Oceania e 53 da Europa.
E buscou possíveis candidatos para apoiar indiretamente. Foram vários. Um deles foi Prevost, a quem conheceu como prior dos agostinianos, em suas viagens a Buenos Aires, e cujo caráter missionário ele apreciava. Por isso, em 2013, ele o nomeou bispo de Chiclayo, onde serviu por muito tempo. E em 2023, colocou-o à frente do Dicastério para os Bispos, de modo que era Prevost que fazia as recomendações ao Papa e indicava a ascensão. É assim que se faz uma clientela política. Em 2023, ele o nomeou arcebispo ad personam e, em fevereiro de 2025, bem a tempo, bispo do Colégio Cardinalício.
Viu nele um homem culto e discreto, moderado em temas doutrinais (aborto, acesso para as mulheres, homossexualidade), mas defensor dos imigrantes e apóstolo da paz. E excepcional por ser norte-americano (o quarto país em número de católicos) e profundamente peruano. Talvez a estratégia tenha se saído bem. E Leão XIV declarou-se sucessor de Leão XIII, querendo ser na era da inteligência artificial (palavras dele) o que o Leão anterior (Rerum novarum) foi na revolução industrial.