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Cenários de igreja no novo papado e legado de Francisco. Artigo de Geraldo De Mori

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31 Mai 2025

Quais os cenários a partir dos quais Leão XIV inaugura seu pontificado? Até que ponto nestes cenários é possível dar continuidade ao legado de Francisco?" são questões que guiam as reflexões e análises de Geraldo De Mori no artigo a seguir, enviado pelo autor ao IHU.

Geraldo Luiz De Mori, SJ, é professor e pesquisador no Departamento de Teologia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia.

Eis o artigo.

Ainda é cedo para estabelecer qualquer prognóstico sobre o novo papado, inaugurado no dia 8 de maio de 2025, com a eleição do cardeal Robert Prevost, até então Prefeito do Dicastério para os Bispos, que escolheu o nome de Leão XIV, sucedendo o Papa Francisco. Talvez também seja ainda cedo para se falar do legado de Francisco, embora seja possível apontar alguns dos elementos que o caracterizaram e que têm chance de serem acolhidos e continuados como legado. Como somos homens e mulheres que vivem no espaço-tempo, necessitamos de compreender o que se passa em cada lugar e época para poder viver e dar sentido à existência. Justifica-se então apontar algumas chaves de leitura dos cenários do lugar-tempo presente bem como do legado que esse lugar-tempo carrega em si. Faremos isso em dois momentos.

1. Cenários de Igreja no novo papado

Gostaria de dividir essa primeira parte em três momentos, um mais geral, sobre o contexto social, político, econômico e cultural internacional, seguido de uma breve leitura de como a Igreja católica se situa nesse contexto para, num último momento, propor algumas chaves de leitura dos cenários de Igreja no contexto religioso brasileiro.

1.1 Breves considerações sobre o contexto mundial

Do ponto de vista geopolítico, podemos dizer que o mundo atual passa por uma transição. Após o que foi denominado pelo economista italiano Giovanni Arrighi de “longo século XX”, marcado pelas duas guerras mundiais, pela Guerra Fria que se seguiu, dividindo o mundo entre duas posições ideológicas dominantes, a das democracias liberais e a dos regimes comunistas, teve início, depois da queda do muro de Berlim, o que pode ser chamado de domínio do neoliberalismo e da globalização, com hegemonia geopolítica e econômica das economias liberais. Acelerou-se então o deslocamento da produção industrial para o sudeste asiático, com investimentos sobretudo na China, que aos poucos tornou-se a grande fábrica do mundo. Ao mesmo tempo, as revoluções tecnológicas no campo da informática e das mídias digitais, foram aproximando pessoas, sociedades, modos de vida, conferindo à globalização um caráter também cultural. Alguns grandes blocos econômico-políticos, como o europeu, o asiático, o norte-americano e o sul-americano, ganharam certa força, abrindo espaço para a circulação não só de mercadorias e informações, mas também de pessoas. Juntamente com isso, as guerras fizeram com que os movimentos migratórios conhecessem graus nunca antes vistos, com mais de 120 milhões, segundo as agências que acompanham os deslocados, criando, em certos lugares, resistências e conflitos com refugiados e migrantes. As primeiras décadas do século XXI testemunham os desdobramentos dessas mudanças.

O avanço tecnológico também tem impactado profundamente o modo de se situar no mundo, reduzindo a necessidade de mão-de-obra em certos setores, acelerando processos, precarizando empregos e reduzindo os direitos adquiridos nas etapas econômicas anteriores. Nos últimos dois anos, com a divulgação das inúmeras possiblidades abertas pela Inteligência Artificial, as mudanças parecem se acelerar ainda mais, levantando questões sobre o futuro de certas carreiras profissionais, criando facilidades para resolver muitos problemas, mas também levantando suspeitas sobre o controle das mentes, que se acentua com a formação de conglomerados das Bigs Techs.

Além das mudanças profundas no âmbito econômico e social, com impactos nas relações e no modo de perceber o mundo e a existência, no mundo da cultura emergiu, já no final da década de 1960, o que a partir do final dos anos 1980 tem sido chamado de cultura pós-moderna. Crítica dos chamados “metarrelatos” da razão moderna, que está na origem das instituições a partir das quais o mundo se organiza, a assim chamada cultura pós-moderna começou a valorizar as “pequenas narrativas”, dando lugar às muitas formas de se viver e pensar o humano presente no seio da sociedade, mas que eram muitas vezes não reconhecidas e mesmo inviziblizadas. A luta geral pelos direitos humanos, ganhou cada vez mais novos contornos, com lutas pelos direitos das assim chamadas “minorias”, muitas delas correspodendo na verdade a maiorias. O campo dos costumes foi um dos que mais ganhou visibilidade, com debates ao redor do lugar e dos direitos das mulheres, comunidades LGBTQIA+, negros, indígenas, sem contar direitos de pessoas com diversos tipos de necessidades especiais.

No âmbito religioso, uma fragmentação crescente levou ao surgimento de diferentes grupos e espiritualidades. Frente às muitas narrativas de diversos tipos, alguns grupos, sobretudo os que tinham certos privilégios na sociedade, começaram a sentir-se ameaçados. Outros não entendiam o que estava acontecendo e passaram a apegar-se a certos “valores” tidos como normativos, do ponto de vista das identidades (sexuais, étnicas, econômicas, religiosas). No campo religioso, o fundamentalismo, presente em várias expressões religiosas, passou a ganhar novos adeptos, valorizando as assim chamadas “pautas de costumes”, com grande apelo entre a mentalidade comum. Por outro lado, a agenda tradicional das “esquerdas”, que era a defesa dos direitos dos trabalhadores, com as mudanças drásticas no mundo do trabalho, passou a enfatizar a luta pelos direitos individuais, que começaram a ser colocados sob suspeitas por leituras mais conservadoras, que, do ponto de vista religioso, se aproximavam do fundamentalismo.

As evoluções acima aludidas ganharam um caráter mais dramático nos últimos anos. O Papa Francisco, na Fratelli tutti, propôs no primeiro capítulo, denominado “As sombras de um mundo fechado”, uma leitura do espaço-tempo do conjunto da realidade mundial do final de 2020. Muitos dos elementos que ele ali analisa, se agravaram. Os subtítulos de sua leitura da época são indicadores dos desdobramentos que então conhecia a realidade social, econômica, política e cultural: sonhos desfeitos em pedaços, o fim da consciência histórica, sem um projeto para todos, o descarte mundial, direitos humanos não suficientemente universais, conflito e medo, globalização e progresso sem um rumo comum, as pandemias e outros flagelos da história, sem dignidade humana nas fronteiras, a ilusão da comunicação, agressividade despudorada, informação sem sabedoria, sujeições e autodepreciação, esperança. Além dessa descrição, é importante acrescentar as que ele propôs na Laudato sí e na Laudato Deum, que propõem uma reflexão importantíssima sobre o problema socioambiental.

Desde então vimos o acirramento ideológico potenciado pelos algoritmos, o crescimentos de ideologias de caráter facista, com eleições de candidatos de extrema direita e com pautas extremamente anti-democráticas em diversos países do mundo. As religiões, inclusive o catolicismo, passaram a ser utilizadas para defender posturas ideológicas contrárias à fé professada por seus adeptos. Do ponto de vista geopolítico, a China ganhou cada vez mais importância, levando o atual mandatário da Casa Branca a uma guerra de tarifas, contra a grande economia asiática e contra outros parceiros comerciais tradicionais. Por sua vez, a guerra na Ucrânia aponta para outro grande ator político, que tinha tido grande importância no século XX e que parecia incapaz de recuperar seu poder. O fantasma das duas grandes guerras voltou a assombrar muitos europeus, sem contar o jogo de influência da Rússia e da China sobre países da África, numa proposta de um mundo não unipolar nem bipolar, mas multipolar, que, sob muitos pontos de vista, torna-se um novo modelo ao que era habitualmente conhecido.

1.2 As evoluções do catolicismo no século XXI

Para entender os cenários do catolicismo no século XXI é necessário recordar brevemente a evolução que ele sofreu no século XX. Só para lembrar as principais: [1] o século XX começou com a crise modernista, que fez com que a teologia e a Igreja tivessem grandes dificuldades de dialogar com a razão moderna. Esta situação foi sendo amenizada com o surgimento de algumas escolas teológicas e diversos movimentos laicais, dentre os quais se destaca a Ação Católica. A teologia elaborada nessas escolas, sobretudo a alemã e a francesa, e os movimentos de Ação Católica foram, em parte, responsáveis pelo processo vivido no decorrer do Concílio, que, no início, tinha a maioria dos bispos bastante reticentes com relação ao diálogo com a modernidade. O caminho conciliar fez com que a maioria fosse aos poucos acolhendo a proposta dos principais documentos e perspectivas abertos pela teologia feita em diálogo com a modernidade.

Mesmo assim, no período pós-conciliar, muitas das expectativas abertas pelo Vaticano II pareciam colocar em ameaça a Igreja que tinha chegado ao Concílio. Um dos pontos mais sensíveis foi o da saída massiva de seminaristas e padres. Uma certa inflexão teve então início, criando duas tendências no corpo eclesial: uma mais aberta, em diálogo com a modernidade, considerada liberal, outra mais temerosa de perder o que era específico da fé, reticente com muitos elementos da modernidade, tida por conservadora. Paralelamente a essas tendências, em muitos lugares, grande parte dos fiéis continuavam suas práticas devocionais, herdadas da religiosidade popular. No longo pontificado de João Paulo II, seguido de seu sucessor, Bento XVI, insistiu-se muito no que Libanio denominou de “a volta à grande disciplina”, com ênfase na doutrina, no Direito Canônico, no enquadramento dos teólogos e da teologia. Em alguns países, os mais resistentes às decisões do Concílio criaram um cisma, formando o grupo conhecido como tradicionalistas.

Uma pastoral massiva também foi privilegiada junto a certos setores, contando para isso com a presença ativa de movimentos internacionais, o mais importante deles sendo, sem dúvida, a Renovação Carismática Católica. Uma discussão importante desse período era se o Vaticano II podia ser lido como dando continuidade ao Vaticano I e a Trento, ou como descontinuidade ou ruptura. No pós-concílio também é digno de nota o surgimento de perspectivas contextuais de reflexão teológica. Várias Igrejas ganharam importância, por sua criatividade e modelo de viver a fé, com forte presença na defesa dos mais pobres, das culturas de grupos marginalizados, como foi o caso das Igrejas da América Latina, da Ásia e da África. Apesar de intensos, os debates ideológicos não levaram à polarização e a cismas, como tem sido o caso ultimamente.

A ascensão de Jorge Mario Bergoglio à sé petrina, foi, por um lado, surpreendente, mas, por outro, a expressão das mudanças que estavam ocorrendo no seio da Igreja. De fato, o catolicismo há tempos não era mais hegemônico na Europa, continente que ele moldou por quase dois mil anos. A América Latina, a África e a Ásia conheciam não só um aumento significativo de católicos, mas também uma reflexão teológica original, com forte acento na dimensão profética e na opção pelos pobres. Além do mais, a teologia de Bergoglio estava preocupada também em dar voz e vez à religiosidade popular, resgatando sua contribuição na própria formação do sensus fidei.

Seu pontificado, fortemente determinado pela teologia da V Conferência do CELAM em Aparecida e pela teologia do povo, expressão argentina da teologia latino-americana, foi marcado por uma série de inovações. O acento principal passou a ser a missão, daí a ênfase na imagem da Igreja em saída. O mundo dos migrantes e refugiados também foi central em sua preocupação pastoral, como mostrou sua primeira viagem a Lampeduza. Sua preocupação com o modelo econômico hegemônico, o tecnocrático, o levou a elaborar uma das principais contribuições de seu pontificado, a Encíclica Laudato sí, sobre o cuidado da casa comum. Implementou uma série de diálogos, com as igrejas da reforma, as igrejas ortodoxas, as outras religiões. Privilegiou as periferias geográficas e existenciais em suas viagens apostólicas como também nas nomeações de cardeais.

Quando assumiu o pontificado, a questão dos abusos de menores por parte do clero, que já contava com posições firmes de Bento XVI, ganhou novos contornos e uma série de protocolos, ampliando-se para os abusos de consciência e os abusos econômicos. O Vaticano e a Igreja, que eram vistos sob suspeita, passaram a contar com políticas de transparência. Do ponto de vista do funcionamento interno, também tomou muitas decisões importantes, como a da inclusão de leigos e leigas, religiosos e religiosas em várias instâncias de discernimento e tomadas de decisão. Com o sínodo sobre a sinodalidade essa questão foi aprofundada, ganhando novos contornos, suscitando muitas expectativas, nem sempre correspondidas com tomadas de decisões, frustrando, em parte, os grupos mais liberais, mas também amedrontando os mais conservadores.

 1.3. Cenários da Igreja no Brasil

A Igreja do Brasil viveu desde o Concílio Vaticano II um dos processos de recepção mais criativos e profundos, conforme pesquisa de José Oscar Beozzo. Ela já saiu do Concílio com um projeto de recepção, que inicialmente se expressou nas Diretrizes da Ação Pastoral, articuladas ao redor das seis linhas, que recolhiam as principais contribuições dos documentos conciliares. A oposição entre uma visão mais liberal ou progressista, representada em grande parte pelas várias inciativas oriundas da teologia da libertação, e a visão mais conservadora, tida às vezes por tradicional, em grande parte figurada pelos movimentos, em particular os oriundos da Renovação Carismática Católica, marcou os debates pós-conciliares no Brasil entre os anos 1970-1990.

A partir do final da década de 1980, esta oposição foi ganhando novos desdobramentos, com o surgimento de alguns grupos mais dogmáticos, próximos do tradicionalismo que tinha se formado com o cisma de Lefebvre, sobretudo a partir da criação dos Arautos do Evangelho, que romperam com a TFP, de Plinio Corrêa de Oliveira. Uma preocupação mais doutrinal também começou a ganhar força na Igreja, sobretudo através das novas mídias digitais, tendo como principal representante a figura do Pe. Paulo Ricardo, e das novas comunidades, muitas delas surgidas de movimentos de caráter mais devocional.

Libanio, no final da década de 1990, escreveu o livro: Cenários de Igreja, no qual identificava quatro cenários no seio do catolicismo nacional: o da Igreja instituição, o da Igreja da Palavra, o da Igreja da Práxis libertadora, o da Igreja carismática. Em 2012, ele republicou seu livro acrescentando um quinto cenário, o da Igreja fragmentada pós-moderna. Esse tipo de leitura corresponde mais ao panorama plural no qual se encontrava então o catolicismo, diferente das leituras que buscam pensar os cenários como oposição entre um catolicismo da libertação e um catolicismo conservador ou tradicional.

Curiosamente, o sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira, um dos maiores sociólogos católicos do país, recorreu a esse esquema dual em um artigo publicado em 2023 no IHU. O mesmo esquema subjaz à pesquisa coordenada por Agenor Brighenti na PUC PR, que já publicou dois livros, um sobre o Novo Rosto do Clero, e outro sobre o Novo Rosto do Catolicismo. A perspectiva de Libanio parece mais lúcida, pois não se contenta com a oposição “nós” x “eles”, que está na origem da polarização atual da sociedade e da Igreja. No momento atual é necessário acrescentar aos cinco cenários propostos por ele, um sexto, o do neotradicionalismo católico, protagonizado, sobretudo, pelo Centro Dom Bosco, e apoiado por influenciadores “católicos” como Paulo Ricardo, Frei Gilson e membros de novas comunidades como a Hesed, com ênfase numa religiosidade de tipo devocional, intimista e doutrinal, baseada na exterioridade e, sob muitos pontos de vista, muito próxima da religião individualista de “autoajuda”.

Chama a atenção nesse novo cenário de Igreja a atração que ele exerce sobre as juventudes. Em parte porque pretende oferecer a solidez de uma “narrativa forte” num mundo que se fragmenta e parece não oferecer orientações seguras para quem quer construir uma vida com sentido. Em parte também porque explora algo que é muito próprio da cultura pós-moderna, que é o privilégio da imagem e da estética. Daí que este cenário recorra a símbolos e ritos de um passado tido como o mais autêntico. É interessante observar que essa mesma perspectiva permeou o catolicismo na sua oposição ao mundo moderno entre meados do século XIX e meados do século XX, quando muitos católicos, inclusive o fundador da TFP, se sentiram atraídos pela Idade Média.

Para além, porém, desse tipo de estética “retrô”, é importante não desqualificar de imediato o que está por detrás da “insatisfação” com o mundo presente: o desejo de afirmar o sentido, aquele que é dado pelos símbolos religiosos, que em contextos ainda não secularizados, ganha formatos paradoxais, mas que precisam ser levados a sério.

2 Cenários de Igreja no qual se insere o pontificado de Leão XIV e legado de Francisco

Quais os cenários a partir dos quais Leão XIV inaugura seu pontificado? Até que ponto nestes cenários é possível dar continuidade ao legado de Francisco? Para responder a essas perguntas, é importante ter em mente o que acima foi dito sobre a Igreja pós-conciliar e seus desdobramentos recentes. A grande questão que teve que enfrentar o Papa Francisco foi a de uma nova recepção do Vaticano II. Alguns desdobramentos da tentativa de diálogo entre a Igreja e os grupos tradicionalistas tinham criado mais confusão do que ajudado a Igreja a reencontrar a unidade. Já em seu plano de governo, a Evangelii gaudium, Francisco havia sinalizado que todo o pontificado deveria ser uma retomada do que havia começado o Vaticano II. A centralidade da missão foi então o que marcou profundamente suas decisões, tendo em vista a autocompreensão da Igreja como sacramento e sinal da unidade entre os seres humanos e deles com Deus. A isso dedicou todos os seus esforços, que culminaram nesta importante atualização das intuições conciliares que foi o sínodo da sinodalidade.

O retorno ao Vaticano II não agradou grupos mais próximos do tradicionalismo, que tinham se fortificado no período que antecedeu a ascensão de Francisco e durante seu pontificado. Esses grupos são muito fortes no atual modelo de catolicismo hegemônico nos Estados Unidos, terra de onde vem o novo pontífice. Eles também atraem muitos jovens em vários países europeus e no Brasil, conforme acima foi dito. Muito presentes nas novas mídias, eles acreditam que o Vaticano II foi um desvio, que a modernidade é radicalmente anti-cristã, que não é possível dialogar com ela, pois o que daí derivará será sempre a corrosão dos princípios basilares da fé verdadeira. Segundo um artigo recente de Massimo Faggioli comentando a eleição de Robert Prevost ao papado, o catolicismo norte-americano de 2025 não é o que levou à eleição de Kennedy nem de Biden, mas um outro tipo de catolicismo, representado pelo atual vice-presidente James David Vance, com o qual, por sinal, o Papa Francisco teve um de seus últimos encontros. Esse catolicismo, que tem forte influência nos USA, não é o do atual Papa Leão XIV, que adotou este nome justamente em referência à compreensão da fé cristã num mundo então em mutação, e que deu origem à Doutrina Social da Igreja.

As expectativas com relação ao novo Papa são enormes. Da parte dos que foram despertados pelo magistério profético e inspirador de Francisco, se espera que ele dê continuidade a tantos processos abertos pelo pontífice argentino. Da parte dos que tiveram medo do que foi proposto, ou dos que foram atraídos por discursos que rejeitam o caminho inaugurado pelo Vaticano II, se espera que ele desacelere e volte a insistir naquilo que é o “essencial”, a “sã doutrina”, não se enveredando em temas polêmicos. Muitos gestos do novo pontífice e suas palavras, por um lado, sinalizam para a “ponte” estendida, para que os conflitos internos entre grupos eclesiais possam ceder o lugar a uma real escuta, a mesma de tantas maneiras promovida pelo caminho sinodal, criando diálogo, promovendo a unidade. Segundo muitas análises feitas sobre o perfil do novo Papa, trata-se de um homem de diálogo, mas que também sabe tomar decisões. Sua experiência de viver entre mundos, América do Norte, América Latina, Europa, o habilitaram a ser o “construtor de pontes” tão enfatizado por Francisco. Outras análises vão na direção de seu enraizamento na teologia e na espiritualidade agostiniana.

A teologia do bispo de Hipona é, sem dúvida, a que mais marcou a Igreja católica, seja através da visão pessimista da condição humana, marcada pelo pecado e necessitada da graça, seja através da agudeza com a qual perscrutou a busca da verdade e do sentido, seja através das intuições geniais a partir das quais pensou o cristianismo na história. Qual agostinianismo prevalecerá no papado que se inaugura? Ainda não se sabe. Algumas indicações em seus discursos são promissoras, como a que afirma que com os cristãos ele é cristão e para eles ele é pastor, bispo, de seu primeiro discurso. A da inquietude, presente no discurso da missa com a qual inaugurou oficialmente seu pontificado. Se essas duas linhas predominarem, certamente muito do legado de Francisco continuará e florescerá nos próximos anos de seu ministério junto à sé de Roma. Mais, porém, que desejar que ele seja um Francisco 2, como alguns têm assinalado, é importante desejar que a missão que ele se deu ao escolher o nome de Leão o leve de fato a contribuir para que a Igreja possa continuar adentrando o século XXI sendo fiel testemunha do Cristo.

Nota

[1] Boa parte deste texto corresponde a uma reflexão proposta no Observatório Político da Comissão Brasileira Justiça e Paz, no dia 13/05/2025.

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