28 Mai 2025
Leão, como ex-membro da Cúria, tem uma visão mais positiva dela do que Francisco teve. “A Cúria é a instituição que preserva e transmite a memória histórica” do papado, disse ele. Essa memória “não se dirige apenas ao passado, mas alimenta o presente e guia o futuro. Sem memória, o caminho se perde, perde seu sentido de direção”.
O artigo é de Thomas Reese, jesuíta, ex-editor-chefe da revista America e autor de O Vaticano por dentro (Edusc, 1998), publicado por National Catholic Reporter, 28-05-2025.
Ainda é cedo no papado do Papa Leão XIV, e até agora suas palavras e açōes têm se mostrado um teste de Rorschach, cujas interpretações dizem mais sobre os comentaristas do que sobre o próprio papa.
Os conservadores ficam satisfeitos porque, em sua primeira aparição na sacada da Basílica de São Pedro, ele usava a estola e a mozzetta vermelha do Papa Bento XVI. Leão chegou até a dizer coisas agradáveis aos membros da Cúria Vaticana, que o Papa Francisco frequentemente repreendia. As palavras do novo papa em apoio à unidade da igreja são agradáveis aos seus ouvidos.
Os progressistas ficam felizes porque ele escolheu o nome Leão, remetendo a Leão XIII, fundador no século XIX da doutrina social católica. Ele também mencionou seu predecessor Francisco de forma positiva.
Então, quem é Leão e para onde ele conduzirá a igreja? Reverterá as reformas de Francisco? Apertará o botão de pausa? Ou avançará além do que Francisco estava disposto a ir? Ainda vale a pena analisar os primeiros discursos do novo papa em busca de pistas.
Em seu primeiro discurso na sacada da Basílica de São Pedro, em 8 de maio, Leão disse que os cardeais o escolheram “para ser o sucessor de Pedro e caminhar junto com vocês como uma igreja, unida, sempre buscando a paz e a justiça, sempre procurando agir como homens e mulheres fiéis a Jesus Cristo, para proclamar o Evangelho sem medo, para ser missionários”.
Isso significa que Leão acredita que uma igreja unida e fiel a Jesus Cristo é essencial para a missão da igreja de proclamar o Evangelho e buscar a paz e a justiça.
Ele afirmou ver a igreja de Roma como “uma igreja missionária, uma igreja que constrói pontes e incentiva o diálogo, uma igreja sempre aberta a acolher, como esta praça com seus braços abertos, todos aqueles que precisam da nossa caridade, da nossa presença, da nossa disposição para o diálogo e do nosso amor”.
Ele também quer “uma igreja sinodal, uma igreja que avança, uma igreja que sempre busca a paz, que sempre busca a caridade, que sempre busca estar próxima, acima de tudo, daqueles que estão sofrendo”, disse ele.
Todos esses temas — paz, justiça, caridade, diálogo, construção de pontes, acolhimento e sinodalidade — estão em sintonia com as políticas de Francisco, cuja “voz corajosa” Leão invocou ao abençoar Roma e o mundo inteiro com o amor de Deus. Leão pode ter vestido as roupas de Bento, mas suas palavras rimavam com as de Francisco.
Em seu primeiro discurso ao Colégio Cardinalício, em 10 de maio, o Papa Leão praticou o que pregava, dando primeiro uma breve fala e depois promovendo um diálogo onde os cardeais puderam lhe dar “conselhos, sugestões, propostas, coisas concretas.” Aqui, no entanto, ele exerceu a sinodalidade em um fórum sem a participação dos leigos, algo aceitável para os conservadores. Ele se referiu aos cardeais como seus “colaboradores mais próximos”, algo que não ocorria sob Francisco, que quase nunca consultava o colégio como um grupo.
Francisco preferia realizar sínodos a consistórios extraordinários, onde todos os cardeais são convocados a Roma para aconselhar o papa. Leão trará de volta os consistórios como forma de consulta ou confiará apenas nos sínodos, como fez Francisco?
Durante seu breve discurso, Leão descreveu o papa como “um servo humilde de Deus e de seus irmãos e irmãs, e nada mais que isso.” Isso também está em consonância com a visão de Francisco de que bispos e padres são servos do povo de Deus, não mestres.
Ao todo, Leão invocou Francisco cinco vezes, elogiando-o por sua “dedicação completa ao serviço e à simplicidade sóbria da vida, seu abandono a Deus ao longo do ministério e sua serena confiança no momento do retorno à casa do Pai.”
“Vamos assumir este precioso legado,” disse ele aos cardeais, “e continuar a jornada, inspirados pela mesma esperança que nasce da fé”.
Leão apontou para a exortação apostólica Evangelii Gaudium, de Francisco, da qual destacou “vários pontos fundamentais: o retorno à primazia de Cristo na proclamação (cf. nº 11); a conversão missionária de toda a comunidade cristã (cf. nº 9); o crescimento na colegialidade e sinodalidade (cf. nº 33); a atenção ao sensus fidei (cf. nºs 119-120), especialmente em suas formas mais autênticas e inclusivas, como a piedade popular (cf. nº 123); o cuidado amoroso pelos pequenos e rejeitados (cf. nº 53); o diálogo corajoso e confiável com o mundo contemporâneo em suas várias componentes e realidades (cf. nº 84; Concílio Vaticano II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes, 1-2).”
Foi uma adesão enfática ao legado de Francisco.
Leão argumentou que esses são “princípios evangélicos que sempre inspiraram e guiaram a vida e a atividade da família de Deus”.
Citanto tanto Francisco quanto Bento, afirmou: “Nesses valores, o rosto misericordioso do Pai foi revelado e continua a ser revelado em seu Filho encarnado, a esperança última de todos que buscam sinceramente a verdade, a justiça, a paz e a fraternidade (cf. Bento XVI, Spe Salvi, 2; Francisco, Spes Non Confundit, 3).”
Em outro discurso, no sábado, 24 de maio, o papa falou aos funcionários da Santa Sé e do Estado da Cidade do Vaticano. Agradeceu-lhes pelo serviço e observou que “os papas passam, a Cúria permanece”.
Leão, como ex-membro da Cúria, tem uma visão mais positiva dela do que Francisco teve. “A Cúria é a instituição que preserva e transmite a memória histórica” do papado, disse ele. Essa memória “não se dirige apenas ao passado, mas alimenta o presente e guia o futuro. Sem memória, o caminho se perde, perde seu sentido de direção”.
Mas seguindo Francisco, Leão insistiu na dimensão missionária da Cúria. Repetiu o que disse no seu primeiro dia como papa: “Juntos, devemos buscar formas de ser uma igreja missionária, uma igreja que constrói pontes e incentiva o diálogo, uma igreja sempre aberta a acolher... de braços abertos, todos aqueles que necessitam da nossa caridade, da nossa presença, da nossa disposição para o diálogo e do nosso amor.”
Embora seja mais suave que Francisco, ele ainda aponta para áreas que precisam ser melhoradas.
“Todos devemos cooperar na grande causa da unidade e do amor,” disse ele. “Busquemos fazer isso, antes de tudo, com nosso comportamento nas situações do dia a dia, começando também pelo ambiente de trabalho. Cada pessoa pode ser construtora da unidade com suas atitudes em relação aos colegas, superando os inevitáveis mal-entendidos com paciência, com humildade, colocando-se no lugar do outro, evitando preconceitos, e também com uma boa dose de humor, como o papa Francisco nos ensinou”.
Até agora, Leão está seguindo o caminho de Francisco, mas tem evitado falar de forma que cause controvérsia tanto à direita quanto à esquerda. Ele tem evitado se pronunciar sobre temas polêmicos, como católicos LGBTQ, a missa tradicional em latim e as mulheres diáconas, que seriam bandeiras vermelhas para várias partes da igreja. Mas ainda não se sabe por quanto tempo ele poderá manter essa postura.
Talvez a resposta positiva a Leão de várias facções na igreja reflita seu desejo de ser um construtor de pontes, uma fonte de unidade. Até agora, ele está conseguindo. Quase todos parecem acolhê-lo.
Seguindo Santo Agostinho, parece que Leão não vê a unidade como todos cantando a mesma nota, mas sim como um coral cantando em harmonia. Mas, eventualmente, o maestro terá que dar algumas direções. Alguns serão incentivados a cantar mais alto, outros mais baixo. Alguns serão avisados que estão fora do tom, enquanto outros serão escolhidos como solistas. Isso vai desagradar a alguns no coral, não importa o quanto o mestre coral tente ser gentil.