27 Mai 2025
Com apoio dos EUA, o Estado sionista testa agora um novo patamar de violência – transformar 2 milhões de palestinos em reféns de um enclave cercado, onde resistir será crime punido com morte. A ‘desocupação’ é mito; o objetivo real é a erradicação.
O artigo é de Meron Rapoport, editor do portal Local Call, publicado por Local Call, e reproduzido por A Terra é Redonda, 26-05-2025. A tradução é de Samuel Kilsztajn.
Yinon Magal, jornalista israelense de direita, publicou o seguinte no X (Twitter): “Desta vez, as Forças de Defesa de Israel (IDF) pretendem evacuar todos os moradores da Faixa de Gaza para uma nova zona humanitária que será preparada para estadias de longo prazo, será cercada e qualquer pessoa que entrar será primeiro verificada para garantir que não seja terrorista. As Forças de Defesa de Israel (IDF) não permitirão que uma população desregrada recuse a evacuação desta vez. Qualquer pessoa que permanecer fora da zona humanitária será implicada. Este plano tem apoio americano.”
No mesmo dia, o Ministro da Defesa israelense, Israel Katz, divulgou uma declaração em vídeo sugerindo algo semelhante. “Moradores de Gaza, este é o seu último aviso”, disse ele. “O ataque da Força Aérea aos terroristas do Hamas foi apenas o primeiro passo. A próxima fase será muito mais dura, e vocês pagarão o preço integral. Em breve, a evacuação da população das zonas de combate será retomada”.
“Se todos os reféns israelenses não forem libertados e o Hamas não for removido de Gaza, Israel agirá com uma força sem precedentes”, continuou Israel Katz. “Sigam o conselho do presidente dos EUA: devolvam os reféns e removam o Hamas, e outras opções se abrirão para vocês – incluindo a realocação para outros países para aqueles que desejarem. A alternativa é destruição e devastação completas”.
Os paralelos entre as duas declarações claramente não são coincidência. Mesmo que Yinon Magal não tenha sabido do novo plano de guerra de Israel diretamente de Israel Katz ou do novo chefe do Estado-Maior do Exército, Eyal Zamir, é razoável supor que ele tenha ouvido falar dele por meio de outras fontes militares de alto escalão.
Em mais um prenúncio, o jornalista Yoav Zitun, do site de notícias israelense Ynet, chamou a atenção para as declarações feitas pelo Brigadeiro-General Erez Wiener após sua recente demissão do Exército por mau uso de documentos confidenciais. “Me entristece que, depois de um ano e meio ‘empurrando a carroça morro acima’, justamente quando finalmente parece que chegamos à reta final e a luta tomará o rumo certo (o que deveria ter acontecido há um ano), eu não esteja no comando”, escreveu Erez Wiener no Facebook.
Como Zitun observou, Wiener não é um oficial comum. Antes de sua demissão, ele desempenhou um papel fundamental no planejamento das operações do exército em Gaza, onde pressionou consistentemente pela imposição do domínio militar israelense sobre o território. Se Erez Wiener, que teria sido implicado em vazamentos para o ministro de extrema direita Bezalel Smotrich, diz que “a luta tomará o rumo certo”, pode-se inferir a que tipo de rumo ele se refere.
Isso também se alinha com os aparentes desejos do Chefe do Estado-Maior, Zamir, bem como com os detalhes de um plano de ataque que teriam sido vazados para o Wall Street Journal no início de março.
Conectar todos esses pontos leva a uma conclusão bastante clara: Israel está se preparando para deslocar à força toda a população de Gaza – por meio de uma combinação de ordens de evacuação e bombardeios intensos – para uma área fechada e possivelmente cercada. Qualquer pessoa pega fora de seus limites seria morta, e prédios no restante do enclave provavelmente seriam arrasados.
Sem rodeios, esta “zona humanitária”, como Yinon Magal gentilmente a descreveu, na qual o exército pretende encurralar os dois milhões de habitantes de Gaza, pode ser resumida em apenas três palavras: campo de concentração. Não se trata de um exagero; é simplesmente a definição mais precisa para nos ajudar a entender melhor o que estamos enfrentando.
Perversamente, o plano de estabelecer um campo de concentração dentro de Gaza pode refletir a percepção dos líderes israelenses de que a tão alardeada “partida voluntária” da população não é realista nas circunstâncias atuais – tanto porque poucos moradores de Gaza estariam dispostos a sair, mesmo sob bombardeio contínuo, quanto porque nenhum país aceitaria um fluxo tão grande de refugiados palestinos.
Segundo Dotan Halevy, pesquisador de Gaza e coeditor do livro Gaza: Lugar e Imagem no Espaço Israelense, o conceito de “partida voluntária” baseia-se no princípio do tudo ou nada. “Considere isso hipotético”, disse-me Dotan Halevy recentemente. “Pergunte a Ofer Winter [o general militar que, na época da nossa conversa, parecia destinado a chefiar a “Diretoria de Partida Voluntária” do Ministério da Defesa] se evacuar 30%, 40% ou mesmo 50% dos moradores de Gaza seria considerado um sucesso. Israel realmente se importaria se Gaza tivesse 1,5 milhão de palestinos em vez de 2,2 milhões? Isso permitiria as fantasias de anexação de Bezalel Smotrich e seus aliados? A resposta é quase certamente não”,
O livro organizado por Dotan Halevy apresenta um ensaio de Omri Shafer Raviv que expõe os planos de Israel para “encorajar” a emigração palestina de Gaza após a Guerra de 1967. O título, “Eu gostaria de esperar que eles partam”, toma emprestada uma citação do então primeiro-ministro Levi Eshkol. Publicado em janeiro de 2023 – dois anos antes do presidente Donald Trump anunciar seu plano “Riviera de Gaza” –, reflete o quão profundamente a ideia de transferir a população de Gaza está arraigada no pensamento estratégico israelense.
O artigo revela a dupla abordagem de Israel para reduzir o número de palestinos em Gaza: primeiro, incentivá-los a se mudarem para a Cisjordânia e, de lá, para a Jordânia; e, segundo, buscar países na América do Sul dispostos a acolher refugiados palestinos. Embora a primeira estratégia tenha obtido algum sucesso, a segunda fracassou completamente.
Segundo Shafer Raviv, o plano acabou tendo um efeito contrário ao esperado por Israel. Embora dezenas de milhares de palestinos tenham deixado Gaza rumo à Jordânia depois que Israel reduziu deliberadamente os padrões de vida no enclave, a maioria permaneceu. Mas, crucialmente, a deterioração das condições deu origem à agitação – e, como resultado, à resistência armada.
Percebendo isso, Israel decidiu, no início de 1969, aliviar a situação econômica na Faixa de Gaza, permitindo que os habitantes de Gaza trabalhassem em Israel, aliviando assim a pressão para emigrar. Além disso, a Jordânia começou a fechar suas fronteiras, desacelerando ainda mais a fuga de palestinos da Faixa de Gaza.
Ironicamente, alguns dos habitantes de Gaza que se mudaram para a Jordânia como parte do plano de deslocamento de Israel participaram posteriormente da Batalha de Karameh, em março de 1968 – o primeiro confronto militar direto entre Israel e a nascente Organização para a Libertação da Palestina, o que esfriou ainda mais o entusiasmo de Israel em incentivar a emigração de Gaza.
Em última análise, o setor de segurança israelense chegou à conclusão de que era preferível conter os palestinos em Gaza, onde poderiam ser monitorados e controlados, em vez de dispersá-los pela região. Segundo Halevy, essa percepção norteou a política israelense em relação a Gaza até outubro de 2023 e explica por que Israel não buscou expulsar os moradores da Faixa durante seu bloqueio de 17 anos.
De fato, até o início da guerra, deixar Gaza era um processo extremamente difícil e custoso, disponível apenas para palestinos com riqueza e conexões que pudessem contatar embaixadas estrangeiras em Jerusalém ou Cairo para obter vistos. Hoje, o pensamento israelense em relação a Gaza parece ter mudado: de controle externo e contenção para controle total, expulsão e anexação.
No ensaio de Shafer Raviv, ele relata uma entrevista de 2005 com o Major-General Shlomo Gazit, o arquiteto da política de ocupação israelense pós-1967 e o primeiro chefe do Coordenador de Atividades Governamentais nos Territórios (COGAT) do exército. Quando questionado sobre o plano original de expulsão de Gaza, que ele próprio ajudou a formular 40 anos antes, sua resposta foi: “Qualquer um que fale sobre isso deveria ser enforcado”. Vinte anos depois, com o atual governo de direita, o sentimento predominante é que qualquer um que não fale sobre a “saída voluntária” dos moradores de Gaza deveria ser enforcado.
E, no entanto, apesar da mudança drástica de estratégia, Israel continua firmemente preso às suas próprias políticas. Para que a “saída voluntária” seja suficientemente bem-sucedida para permitir a anexação e o restabelecimento de assentamentos judaicos na Faixa de Gaza, seria de se esperar que pelo menos 70% dos moradores de Gaza tivessem que ser removidos – ou seja, mais de 1,5 milhão de pessoas. Essa meta é totalmente irrealista, dadas as atuais circunstâncias políticas, tanto em Gaza quanto em todo o mundo árabe.
Além disso, como aponta Halevy, até mesmo discutir tal proposta poderia reabrir a questão da liberdade de movimento para dentro e para fora de Gaza. Afinal, se a saída for “voluntária”, Israel seria, em teoria, obrigado a garantir que aqueles que saem também possam retornar.
Em um artigo publicado no site de notícias israelense Mako, descrevendo um programa piloto em que 100 moradores de Gaza deixariam o enclave para realizar obras na Indonésia, foi explicitamente declarado que “de acordo com o direito internacional, qualquer pessoa que deixe Gaza para trabalhar deve ter permissão para retornar”.
Independentemente de Smotrich, Katz e Zamir terem lido ou não os artigos de Halevy e Shafer Raviv, eles provavelmente entendem que a “saída voluntária” não é um plano imediatamente executável. Mas se eles realmente acreditam que a solução para o “problema de Gaza” – ou para a questão palestina como um todo – é que não haja mais palestinos em Gaza, então isso certamente não será possível de uma só vez.
Em outras palavras, a ideia parece ser: primeiro, encurralar a população em um ou mais enclaves fechados; depois, deixar que a fome, o desespero e a desesperança façam o resto. Aqueles que estiverem presos lá dentro verão que Gaza foi completamente destruída, que suas casas foram arrasadas e que não têm presente nem futuro na Faixa de Gaza. Nesse ponto, segundo o pensamento israelense, os próprios palestinos começarão a pressionar pela emigração, forçando os países árabes a acolhê-los.
Resta saber se os militares – ou mesmo o governo – estão dispostos a levar tal plano até o fim. Isso quase certamente levaria à morte de todos os reféns, com potencial para grandes consequências políticas. Além disso, enfrentaria forte resistência do Hamas, que não perdeu suas capacidades militares e poderia infligir pesadas perdas ao exército, como fez no norte de Gaza até os últimos dias antes do cessar-fogo.
Outros obstáculos a tal plano incluem o esgotamento dos reservistas do exército israelense, com crescentes preocupações sobre a recusa “silenciosa” e pública de servir; a agitação civil gerada pelos esforços agressivos do governo para enfraquecer o judiciário só intensificará esse fenômeno.
Também é firmemente contestado (pelo menos por enquanto) pelo Egito e pela Jordânia, cujos governos podem chegar a suspender ou cancelar seus acordos de paz com Israel. Por fim, há a natureza imprevisível de Donald Trump, que um dia ameaça “abrir as portas do inferno” para o Hamas e no dia seguinte envia emissários para negociar diretamente com o grupo, chamando-os de “caras muito legais”.
Atualmente, o exército israelense continua a bombardear Gaza com ataques aéreos e a tomar mais território ao redor do perímetro da Faixa de Gaza. O objetivo declarado de Israel com seu novo ataque é pressionar o Hamas a estender a primeira fase do acordo, ou seja, a libertação de reféns sem se comprometer a encerrar a guerra. O Hamas, ciente das limitações estratégicas de Israel, recusa-se a recuar de sua posição: qualquer acordo de reféns deve estar vinculado ao fim da guerra.
Enquanto isso, Zamir, que talvez esteja genuinamente temeroso de não ter mais um exército para conquistar Gaza, tem permanecido notavelmente quieto, evitando declarações substantivas sobre as intenções militares.