25 Março 2025
"O epicentro do novo caótico retumbar dos tambores da guerra ainda é o Oriente Médio. Mas, apesar da importância crucial de Israel e de seu difícil papel em um tabuleiro paralisado por vetos cruzados, que vê se afastar aquele projeto conhecido como 'Acordos de Abraão', que antes do fatídico 7 de outubro parecia ser capaz de abrir um futuro diferente, trata-se apenas de uma peça no mosaico maior daquele Grande Jogo que nunca parece ter fim", escreve Giorgio Ferrari, jornalista italiano, correspondente internacional de Avvenire, em artigo publicado por Avvenire, 19-03-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Si vis pacem, para bellum. Para além do lema atribuído ora a Platão ora a Cornélio Nepos, a paz é um bom negócio, mas a guerra é ainda mais. Isso é bem conhecido por todos os sátrapas e autocratas do mundo, mas também é conhecido pelos líderes das desnorteadas democracias ocidentais, que em atendimento a tal preceito estão se armando. Porque a guerra e o caos são ingredientes milenares que tendem a fortalecer o imobilismo de quem detém o poder, especialmente quando esse poder não é sustentado pelo consenso. Nesse sentido, podemos ler com desolada apreensão a retomada do conflito em Gaza e a nova pilha de mortos inocentes, a retaliação estadunidense no Iêmen, a recusa caprichosa da liderança do Hamas em entregar um refém israelense-americano aos Estados Unidos e os corpos de onze americanos-israelenses que morreram em cativeiro após o sequestro de 7 de outubro, o fracasso da segunda fase da trégua laboriosamente acordada em Doha e o consequente endurecimento do eixo Moscou-Pequim, que imediatamente estendeu seu guarda-chuva protetor sobre o Irã e seu programa nuclear civil.
O epicentro do novo caótico retumbar dos tambores da guerra ainda é o Oriente Médio. Mas, apesar da importância crucial de Israel e de seu difícil papel em um tabuleiro paralisado por vetos cruzados, que vê se afastar aquele projeto conhecido como “Acordos de Abraão”, que antes do fatídico 7 de outubro parecia ser capaz de abrir um futuro diferente, trata-se apenas de uma peça no mosaico maior daquele Grande Jogo que nunca parece ter fim.
Um Grande Jogo que envolve a todos, porque o que está em jogo é o Novus Ordo que está lentamente tomando forma e que, junto com o rugido do canhão, hoje percorre o fio das conversas telefônicas entre Donald Trump e Vladimir Putin. Dois campeões do poder absoluto, o que Thomas Hobbes, no Leviatã, proclamava como necessário para circunscrever o instinto de sobrevivência e domínio que é inerente ao homem.
Todos nós estamos envolvidos nesse jogo.
Desde a Alemanha, que está se apressando para converter a achacada indústria automobilística em uma industriosa manufatura de armamentos (mas não foi isso que aconteceu há quase um século, depois de Versalhes?), até os nacionalistas-soberanistas europeus que aplaudem uma América neo-rooseveltiana, tomadora de decisões, impiedosa e pragmática, devotada ao culto da força. E quando dizemos neo-rooseveltiana, fazemos alusão não ao mais conhecido Franklin Delano, mas ao seu antecessor Theodore, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1906 (sic!), retratado no granito do Monte Rushmore na companhia de Washington, Jefferson e Lincoln.
Bem ou o mal, da perspectiva de uma paz duradoura voltamos mais uma vez para a arte das armas e da força, as ferramentas favoritas daqueles que governam o mundo, cada um com seu próprio estilo, alguns com soft power, outros com gélida e elaborada astúcia, outros com veemência rude de um vendedor de trapos.
O resultado é idêntico: é a ameaça de guerra que move as peças do jogo de tabuleiro. No meio disso, há dezenas, centenas de mortes todos os dias. Ontem, novamente em Gaza, onde a frágil trégua foi quebrada e já há mais de 400 mortos, mais de 100 crianças, e sabe-se lá por quanto tempo mais nas exaustas trincheiras ucranianas.
Agora será difícil juntar as peças do mosaico que, por algum tempo, brilhava como uma miragem de paz a partir das várias mesas de conciliação do Egito, do Catar e de Pequim. Agora as conciliações são feitas para compor coalizões armadas. Por outro lado, além do tilintar dos sabres, é possível ouvir o estalar frenético do ábaco que já está prometendo aos fabricantes de armas vendas recordes, lucros sem precedentes e aumentos bilionários nos pedidos que o rearmamento global impõe. “Precisamos desarmar as palavras para desarmar as mentes e desarmar a Terra”. Essas são as palavras do Papa, contidas na carta enviada ao diretor do Corriere della Sera, Luciano Fontana.
Mais uma vez e por três vezes o Santo Padre usou um verbo que ninguém mais tem a coragem ou a intenção de pronunciar: desarmar. E é aí que reside a vergonha de todos nós.