06 Setembro 2024
"Todas siglas, à sua maneira, desestabilizadoras no plano eleitoral, que têm em comum o projeto de uma vingança sobre as ruínas da União Europeia", assevera Giorgio Ferrari, jornalista italiano, correspondente internacional de Avvenire, em artigo publicado por Avvenire, 04-09-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ó Alemanha, pálida mãe! Como te trataram teus filhos. Que assim apareces entre os povos. Um escárnio e um pavor!” Essa invocação de Bertolt Brecht vale hoje mais do que nunca. Hoje, quando os monstros estão às portas. Os monstros vieram de longe. E já estavam a caminho antes que iniciasse o Merkeldämmerung, aquele crepúsculo wagneriano que antecedia a saída de cena de Angela Merkel. Mas já era tarde demais. Agora, com as recentes eleições nos estados da Saxônia e da Turíngia, com a vigorosa afirmação do Alternative für Deutschland e da esquerda soberanista do Bsw (movimento xenófobo, populista e pró-russo criado por Sahra Wagenknecht), tudo está tristemente mais claro. Os sinais, dizia-se, já eram visíveis há quinze anos, mas a solidificação daquela alma preta que serpenteia como uma víbora por várias partes da Europa é um fenômeno mais recente.
Especialmente na Alemanha. Há menos de dois anos, um grupo de extrema-direita que negava a legitimidade da República Federal - um parente próximo daquele QAnon que havia inspirado o ataque ao Capitólio, em Washington, em 6 de janeiro de 2021 - planejava uma blitz ao Bundestag [parlamento alemão], teorizando o renascimento do império germânico sob a liderança do príncipe Heinrich Reuss XIII, um empresário de 71 anos que reunia nas salas aconchegantes de seu castelo em Bad Lobenstein, na Turíngia, uma polpuda patrulha de conspiradores de alto escalão: militares, políticos, industriais. Com o sonho inconfesso de um Quarto Reich, xenófobo, nacionalista, antidemocrático, contrário até mesmo à reunificação alemã.
As palavras de ordem da direita soberanista e da esquerda populista são poucas, mas explícitas. Uma delas é “remigration”, que pode ser traduzida como remigração, ou seja, mandar de volta para casa os solicitantes de asilo, os imigrantes legais e os cidadãos de origem estrangeira “não assimilados”. E justamente esse “não assimilados” acaba trazendo à mente o Protocolo de Wansee, a Conferência que levou os nazistas a preparar a Solução Final em janeiro de 1942. O avanço impetuoso das direitas e dos populismos se vale, além disso, de dispositivos e estratagemas de eficácia comprovada: fake news, subversão de valores, a realidade como pensamento mágico, a tradição como mitificação do passado, a ignorância estudada das relações de causa e efeito e, acima de tudo - a Rússia de Putin docet - a história reescrita usada pelo autocrata. Sem esquecer que o líder da Turíngia, Björn Höcke, um dos fundadores do Der Flügel, a franja mais dura do Alternative für Deutschland, é o mesmo demagogo que chamou o Memorial do Holocausto de Berlim como “um monumento à vergonha que trai os verdadeiros valores germânicos”.
Vamos parar por aqui. E vamos nos perguntar: por que isso aconteceu? O chanceler Olaf Scholz também está se fazendo essa pergunta neste momento, com seu SPD em frangalhos, o outrora vitorioso Cdu-Csu sendo alcançado e ultrapassado pelo AfD, os Verdes dispersos e a Alemanha olhando para o umbigo da recessão e se perguntando o que aconteceu com a brilhante locomotiva da Europa que mantinha todos na linha.
As respostas são múltiplas. Uma delas é o fato de que, com a reunificação, os cinco Länder da antiga RDA nunca aderiram formalmente à Alemanha, mas foram simplesmente anexados como províncias da República Federal da Alemanha. A revolta antieuropeia também tem origem nesse fato. Mas também a atitude de Berlim em relação ao conflito na Ucrânia é parcialmente responsável, juntamente com a obtusidade generalizada de toda a classe dirigente europeia por ter ignorado sistematicamente a extensão do perigo que soberanismos e populismos representavam, limitando-se a circunscrever espaços manobra conforme a necessidade, como se isso fosse suficiente para cauterizar as feridas da democracia sem nunca tratar de remontar às suas causas.
Na realidade, a Europa há muito tempo tinha se tornado um campo de caça para a antipolítica, alinhando falanges de grupos antissistema, dos nacionalistas poloneses do PiS de Jarosław Kaczyski aos húngaros do Jobbik, dos pós-franquistas andaluzes do Vox aos esquadristas belgas do Vlaams Belang, do Rassemblement de Marine Le Pen ao Fpö austríaco e aos xenófobos holandeses de Geert Wilders. Todas siglas, à sua maneira, desestabilizadoras no plano eleitoral, que têm em comum o projeto de uma vingança sobre as ruínas da União Europeia, em nome de um opaco nacionalismo identitário. Gostaríamos de fazer uma previsão. Eles não conseguirão. Não conseguiram os soberanismos e os impulsos xenófobos, e também não conseguirão desta vez.
Mas a Europa terá que arregaçar as mangas. E imediatamente.
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O avanço impetuoso da ultradireita e a pergunta: por que aconteceu? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU