27 Mai 2025
Publicamos um trecho do livro Francesco. Il Papa della Misericordia, do vaticanista Andrea Tornielli, diretor editorial do Dicastério para a Comunicação: uma história inédita de Jorge Mario Bergoglio, que chegou da Argentina, inesperadamente eleito ao trono papal em 13-03-2013 e faleceu em 21 de abril último, assinada por alguém que o conheceu profundamente como Papa e como homem.
O artigo é de Andrea Tornielli, jornalista, diretor do Dicastério para a Comunicação, publicado por Corriere della Sera, 26-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como se sabe, uma das novidades do pontificado de Jorge Mario Bergoglio foram os telefonemas muito frequentes para estar perto de quem sofre. A maioria desses telefonemas está destinada a permanecer na memória dos destinatários, mas alguns se tornam públicos e chegam a jornais e sites, por vontade dos protagonistas. (...) Eu havia perguntado a Francisco quais os critérios que ele usava para fazer ligações telefônicas às pessoas que lhe escreviam. (...) O Papa me telefonou explicando: “Recebo muitas cartas. Quando vejo uma que mais me toca, deixo-a ali na mesa e depois a pego de novo. Em alguns casos, vejo que preciso telefonar, que é bom telefonar, e o faço. A cada quinze dias, aos domingos, ligo para um grupo de amigos presos em Buenos Aires, eles ficam felizes, e sinto que preciso cuidar deles...”. (…)
Também tenho, em minha memória, dezenas de exemplos (...). Mas gostaria de falar de um, e o faço porque a notícia desse telefonema é pública por vontade de quem o recebeu. Trata-se daquele de Mario Palmaro, escritor, jornalista, professor de bioética, que, juntamente com seu colega jornalista Alessandro Gnocchi, criticou imediatamente o pontificado de Francisco com uma série de artigos no jornal (reunidos em março de 2014 no livro Questo Papa piace troppo).
Diagnosticado com câncer, ele estava vivendo os últimos meses de sua vida. Um amigo me ligou para me informar dos resultados dos últimos exames, que mostravam o avanço inexorável da doença, juntamente com a impossibilidade de tentar tratamentos. E acrescentou: “Peça ao Papa que reze por ele”. Essas palavras tocaram-me e decidi escrever a Francisco contando-lhe sobre Mário. Expliquei-lhe quem ele era e qual era o seu estado atual. Pedi-lhe que rezasse. Na sexta-feira, 31 de outubro de 2013, no início da tarde, o Papa me telefonou: “Desculpe incomodá-lo, preciso de um conselho: Mário Palmaro ficaria zangado se eu lhe telefonar? Acha que o posso incomodar, dado o seu estado?” Respondi: “Acho que não o vai incomodar, mas vou me informar.” “Então avise-me”, ele falou. “Ligue aqui para Santa Marta e deixe um recado, e eu ligo-lhe de volta.” Verifiquei com o meu amigo, que estava em contato com a esposa de Mário. No final da tarde, liguei novamente para Santa Marta. Às 20h48, o Papa ligou-me novamente. Disse-lhe que podia ligar para Palmaro. “Ele não vai ficar zangado?”, perguntou. “Não, Padre, não...”, assegurei-lhe. “Então vou ligar para ele, talvez amanhã à tarde.” No dia seguinte, 1º de novembro, no meio da tarde, Francisco me ligou, tendo acabado de voltar da missa celebrada no cemitério de Verano. Disse a ele que acompanhei a homilia de improviso e que havia sido belíssima. “... Depois daquelas leituras, lá no cemitério, não consegui ler o texto preparado... Queria lhe contar”, acrescentou, “que liguei para Mario Palmaro. Sua esposa atendeu, me reconheceu imediatamente e passou a ligação. Ele estava com dificuldade para respirar. Eu lhe disse que estava próximo dele, ele me falou dos artigos, me disse que eram críticas feitas com amor e que ele gosta de mim. Eu lhe disse que o que conta é a fé comum e que toda crítica deve ser feita com amor...”. Fiquei comovido quando, antes de concluir a conversa, o Papa me agradeceu por ajudá-lo a fazer uma boa ação. Passaram-se poucos minutos e recebi um sms do Mário: “Ele ligou às 17h50, foi muito gentil e também conversamos sobre nossos artigos. Ele me deu um presente enorme. Obrigado a você também, Mário”.
A notícia do telefonema permaneceu confidencial por alguns dias. Até que, em 15 de novembro, o jornalista Roberto Beretta falou sobre ele no blog VinoNuovo e, de lá, foi repercutido pelas agências de notícias. Só então Mário também saiu da reserva e (...) contou: “Se dependesse de mim e do Alessandro, não teria vazado nada. Até porque, evidentemente, o Papa não tinha intenção de que seu gesto se tornasse público, assim como o conteúdo de nossa conversa”. “O Papa Francisco”, explicou Palmaro, “disse-me que estava muito próximo de mim, tendo tomado conhecimento do meu estado de saúde, da minha grave doença, e percebi com clareza essa sua profunda empatia, a sua atenção a uma pessoa como tal, para além de ideias e opiniões, enquanto vivo um período de provação e sofrimento... Para mim, católico, o que eu estava vivendo era uma das experiências mais belas da vida. Mas senti a necessidade de lembrar ao Papa que eu, juntamente com Gnocchi, havia expressado críticas específicas às suas ações, ao mesmo tempo que renovava a minha total fidelidade como filho da Igreja. O Papa quase não me deixou terminar a frase, dizendo que compreendia que aquelas críticas tinham sido feitas com amor e como era importante para ele recebê-las”.
Palmaro faleceu em sua casa em Monza em 9 de março de 2014. Informei imediatamente Francisco, que rezou por ele. O Papa o recordou várias vezes nos anos seguintes. Na primavera de 2017, antes de sua visita a Milão, ele me disse durante um telefonema: “Gostaria muito de poder ir rezar no túmulo de Mario Palmaro”. Depois, acrescentou que gostaria pelo menos poder encontrar sua esposa e filhos, talvez à margem da missa programada para o parque de Monza. Não seria possível realizar o encontro (...). Francisco falaria comigo novamente sobre Mario em março de 2018, em resposta a uma nota minha onde falei sobre a profissão jornalística. Citarei apenas uma passagem do e-mail que recebi naquela ocasião: “Podemo-nos questionar se o comunicador é livre. Muitas vezes ele tem que escrever o que lhe mandam escrever... e se não o fizer, arrisca seu emprego. Realmente, o trabalho de vocês, tão nobre, torna-se tão arriscado; e é por isso que eu aprecio tanto vocês. Lembro-me da coerência e da honestidade de Mario Palmaro: não posso esquecer suas lágrimas na última ligação”.