21 Outubro 2013
Na sua homilia matinal do dia 17 de outubro, o Papa Francisco dirigiu palavras mordazes contra os "cristãos que perdem a fé e preferem as ideologias".
A reportagem é de Sandro Magister, publicada no blog Settimo Cielo, 19-10-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Francisco não especificou a quem e a que concretamente ele se referia. Mas, no dia seguinte, no editorial de primeira página do jornal Avvenire, dos bispos italianos, a sua exegeta e amiga de longa data Stefania Falasca estigmatizou os cristãos ideológicos postos na mira pelo papa como aqueles "que De Lubac chamaria de 'especialista do Logos'".
Definição perigosa. De fato, Giuliano Ferrara, no jornal Il Foglio, no sábado, 19 de outubro, teve o bom senso de perguntar: "Mas um especialista universalmente reconhecido do Logos não habita talvez, orante, nos eméritos quartos do Vaticano?". Com uma referência muito transparente a Bento XVI.
No ataque do Papa Francisco aos cristãos ideológicos, foi vista uma reação às duras críticas dirigidas contra ele pelos católicos tradicionalistas Alessandro Gnocchi e Mario Palmaro no jornal Il Foglio do dia 9 de outubro: "Este papa não nos agrada", e, depois, no dia 16 outubro: "Orgulhoso lamento católico".
Mas a questão é mais ampla. Refere-se à visão de conjunto do atual pontífice, a sua manifesta vontade de anunciar um Evangelho "sine glossa", livre de mediações culturais, um anúncio mais de coração do que de razão, de Logos. Com um distanciamento evidente com relação ao papa que o precedeu.
É a questão enfrentada a seguir, com perspicácia, por Pietro L. Di Giorgi, professor de sociologia do Instituto Superior de Ciências Religiosas de Florença e redator da histórica revista católica florentina Testimonianze.
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Papa Francisco, uma mensagem "desculturada"?
Pietro L. di Giorgi
Como julgar as modalidades totalmente inéditas da comunicação do Papa Francisco? Aquele seu falar mais com entrevistas do que com encíclicas?
Pode-se supor que esse papa que veio do fim do mundo esteja afetado por aqueles processos de desculturação do religioso que vê em campo religiões já desterritorializadas e desculturadas por causa da globalização e da "network society". Religiões que colocam progressivamente no fundo, até fazê-las desaparecer progressivamente, as complexas mediações hermenêutica histórico-culturais em que germinaram.
Esse é um fenômeno que já envolve também o catolicismo, especialmente na América Latina, onde se manifestam e assumem cada vez mais força movimentos carismáticos, comunitários, desinstitucionalizados, com formas de culto místico-emocionais, que não suportam dogmas, aparatos, liturgias ordenadas, em nome de uma explícita rejeição de um cristianismo europeu-ocidental excessivamente enervado pelo racionalismo pós-iluminista, e que parecem repetir, de modo quase concorrencial, o pentecostalismo carismático norte-americano que está prestes a se tornar a nova religião global precisamente por ser culturalmente cada vez mais neutra.
Se assumirmos uma perspectiva desse tipo, parecem evidentes as diferenças entre o Papa Joseph Ratzinger e o Papa Jorge Mario Bergoglio.
Bento XVI sempre alertou contra uma desculturação do cristianismo que corte os seus laços com o pensamento racional grego. Assim como o prometeísmo tecnológico produz as patologias da razão, assim também a renúncia à relação orgânica fé-razão desenvolvida pelo pensamento teológico leva a especulações arbitrárias e tendencialmente fundamentalistas.
Como Bento XVI afirmava no memorável discurso de Regensburg de 2006, é o correto raciocínio que conduz à fé, pois "não agir segundo a razão é contrário à natureza de Deus". É esse – explicou – o melhor e imprescindível fruto da helenização do cristianismo por parte dos Padres da Igreja: na "ratio", entendida como órgão de controle e de esclarecimento do humano, manifesta-se a luz divina.
De fato, Deus "age mediante o Logos, que é ao mesmo tempo razão e palavra, uma razão que é criadora e capaz de se comunicar, precisamente, como razão". Essa leitura não representa, aos olhos de Bento XVI, uma alienação da mensagem evangélica, a ponto de confiná-lo em um determinado âmbito histórico-cultural, mas, ao invés, é a norma universal a não se perder em toda tradução posterior sua em cada época e cultura.
Cada cultura produz, de fato, alguma forma de elaboração teológica da relação fé-razão e, portanto, também uma abertura inata ao diálogo, capaz de evitar tanto as patologias da religião quanto as da razão.
O Papa Francisco, ao invés, parece duvidar que a cultura do Logos em que o cristianismo amadureceu ainda possa representar a forma privilegiada e universal do seu dar-se no mundo.
Dada a sua proveniência da América Latina, que experimenta há anos uma difusa rejeição daquele cristianismo europeu-ocidental que excessivamente teria introjetado os processos de secularização, Francisco parece partícipe de uma forma de desculturação do cristianismo que privilegia o poder surgente do anúncio evangélico depurado da gaiola de formas culturais historicamente determinadas. A verdade cristã – escreveu ele na carta a Eugenio Scalfari no jornal La Repubblica do dia 11 de setembro – é "o amor de Deus por nós em Jesus Cristo e, portanto, uma relação que se dá a nós somente como um caminho e uma vida".
Além da encíclica Lumen fidei, de marca ainda e explicitamente ratzingeriana, que percorre o cânone cultural helenístico segundo o qual razão e fé se iluminam reciprocamente, é evidente que a forma preferida do anúncio evangélico para o Papa Francisco não é a encíclica ou a lição, mas sim a homilia, a carta, a entrevista.
É aí que o seu discurso brota novo todas as vezes como se fosse a primeira vez, marcado pela esperança na graça de Deus que sempre se manifesta, e não se deixa enjaular nas formas doutrinais tradicionais de um cristianismo que muitas vezes lhe parece ter as formas de um "jogo intelectual", de uma "árida casuística moral", de uma "ideologia".
Mais do que como mestre, o Papa Francisco se apresenta como testemunha de uma mística da encarnação que solicita a "pensar com a carne e com o coração e a rezar com a carne e não com as ideias": assim ele disse em sua homilia matinal em Santa Marta no início de junho.
Para o Papa Francisco – veja-se a sua entrevista à Civiltà Cattolica –, o anúncio do amor salvífico de Deus precede (e torna vã?) toda segurança doutrinal, todo compêndio de verdades abstratas, toda obrigação moral e religiosa derivantes de "um tomismo decadente" e produz, ao invés, "uma aura mística" que nunca define as bordas do pensamento, mas convida, segundo o que a ele parece ser a verdadeira mensagem inaciana, à "sabedoria do discernimento que resgata a necessária ambiguidade da vida" e abre a uma "santidade cotidiana" a que todos podem aspirar.