08 Mai 2025
"Esse percurso não é uma pausa, mas um retorno. Não é inovação, mas fidelidade. Uma Igreja que tem a coragem de se reformar a partir do Evangelho e da prática das origens poderá realmente ser sinal do Reino de Deus no mundo", escreve José Carlos Enríquez Díaz, em artigo publicado por Ataque al poder, 05-05-2025.
Um dos argumentos mais comuns para negar às mulheres o acesso ao ministério na Igreja é que Jesus escolheu apenas homens entre os Doze. Entretanto, quando analisado atentamente, esse argumento carece de força teológica e exegética. A eleição dos Doze não foi um ato de fundação de uma hierarquia sacerdotal masculina, mas um gesto profético e simbólico. Jesus não estava fundando um novo clero, mas manifestando a restauração do Israel messiânico: doze homens que representavam as doze tribos. Essa escolha é mais teológica do que normativa e não pode ser extrapolada para definir quem pode exercer um ministério hoje.
Se continuássemos a aplicar esse critério literalmente, então nem mesmo os gentios, os não judeus, as pessoas casadas e aqueles que não provinham da Galileia seriam elegíveis para o ministério, porque somente os Doze compartilhavam todas essas condições. A Igreja, porém, logo superou essas limitações, guiada pelo Espírito e pela experiência da ressurreição. Portanto, estabelecer o gênero dos Doze como modelo ministerial universal é tanto um anacronismo quanto uma limitação injustificada da novidade do Evangelho. Além disso, Jesus não foi um sacerdote no sentido oficial do termo no judaísmo. Ele não pertencia à classe sacerdotal nem buscou se legitimar por meio dos ritos do templo. Sua ação foi mais alinhada com a dos profetas, dos curandeiros carismáticos e dos sábios populares. Ele ofereceu o perdão e a pureza de Deus fora do templo e sem a necessidade de ritos sagrados. Ele compartilhava o pão no campo com homens e mulheres e abençoava os excluídos sem passar pelas mediações institucionais do culto judaico.
Jesus não reivindicou títulos honoríficos nem cargos religiosos. Foi um leigo, marginal e galileu, um simples trabalhador, sem afiliação institucional. Ele não fundou um sistema clerical ou instituiu um grupo sacerdotal hierárquico. O que ele proclamou foi a vinda do Reino de Deus, por meio de palavras e imagens acessíveis, gestos de cura e gestos de fraternidade, especialmente com os pobres, os doentes e os marginalizados.
Nesse contexto, aparece a comunidade de seus seguidores, entre os quais estavam os Doze, as discípulas, e depois Tiago, Paulo e outros apóstolos. Nenhum deles agia como um “clero” separado, mas como parte de um corpo sacerdotal comum que é a Igreja inteira. O ministério cristão não se originou como um poder sagrado hierárquico, mas como uma vocação comunitária e profética, da qual todos - homens e mulheres - participam graças ao batismo.
O Novo Testamento não apresenta uma estrutura fixa de ministérios, como a que seria institucionalizada mais tarde, no final do século II. Nas cartas de Paulo, particularmente em 1Cor 12-14, a comunidade aparece como um corpo no qual há diversidade de dons e serviços, mas uma mesma inspiração: o Espírito de Cristo. “Há um só sacerdócio, mas muitos ministérios”, como também afirma Ef 4.
No início, o serviço ou diakonia não era um ministério formal, mas a própria essência da vida cristã. Todos os crentes eram chamados a servir como parte de sua identidade batismal.
No entanto, a crescente complexidade da vida comunitária - com a necessidade de assumir o cuidado de viúvas e órfãos e de organizar o compartilhamento de bens - levou à criação de alguns serviços organizados para o bem comum. Isso é demonstrado em Atos 6,1-6, onde sete pessoas são escolhidas para coordenar a assistência comunitária. Esses primeiros “diáconos” eram mais semelhantes a administradores e servidores da comunidade, mais próximos das funções cívicas ou da sinagoga da época do que de uma figura sacerdotal.
À medida que as comunidades cresciam, alguns serviços, como o diaconato ou o episcopado, adquiriam mais estrutura. Esperava-se que aqueles que os exerciam fossem pessoas confiáveis, dotadas de fidelidade econômica e moral. Mas em nenhum momento esses serviços foram entendidos como um sacerdócio de tipo judaico ou pagão. O sacerdócio, no Novo Testamento, aplica-se exclusivamente a Cristo - como único e definitivo mediador - e a toda a comunidade cristã, em um sentido simbólico e espiritual. 1 Pedro 2,9 afirma: “Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido”.
De fato, na Igreja primitiva, teria sido impensável que Pedro, Paulo, Tiago ou Maria Madalena se apresentassem como “sacerdotes”. Eles eram apóstolos, profetas, mestres, evangelizadores, mas nunca sacerdotes no sentido de um grupo cultual ou sagrado. A linguagem sacerdotal foi introduzida muito mais tarde, especialmente a partir do século III, quando a Igreja começou a adotar modelos tirados do Antigo Testamento e do mundo helenístico e romano, reinterpretando seus ministérios em chave sagrada. Isso fez com que os ministros fossem considerados como um “clero” separado e o resto do povo como “leigos” passivos, perdendo assim a consciência do sacerdócio comum.
A exclusão das mulheres do ministério não é apenas uma injustiça histórica, mas uma traição a essa raiz apostólica. As mulheres foram parte ativa das primeiras comunidades. Em Rm 16, Paulo menciona Febe, uma diaconisa de Cencreia; Priscila, sua colaboradora em Cristo; Júnia, apóstola reconhecida entre os apóstolos; e muitas outras mulheres que “trabalharam arduamente para o Senhor”.
Nessa Igreja nascente, não havia uma distinção essencial entre clero e leigos, mas uma diversidade de dons postos a serviço do Evangelho.
A autoridade não era domínio ou poder sagrado, mas testemunho, serviço e carisma. Redescobrir isso hoje é fundamental para abrir caminhos de autêntica renovação na Igreja.
O Reino anunciado por Jesus não era um novo templo ou uma nova hierarquia, mas uma fraternidade na qual todos têm um lugar e os últimos são os primeiros. Nessa lógica, a restauração do sacerdócio comum e a plena participação das mulheres não são concessões modernas, mas uma fidelidade radical ao Evangelho.
À luz dessa visão evangélica e apostólica, é urgente que nossas comunidades redescubram o caráter sacerdotal de cada batizado, promovendo estruturas que sejam realmente sinodais e inclusivas. As mulheres, como parte essencial do povo de Deus, devem ter não apenas voz e voto, mas também pleno acesso aos ministérios eclesiais, incluindo o presbiteral, não como reivindicação de poder, mas como reconhecimento do dom que o Espírito distribui sem distinção de gênero.
Esse percurso não é uma pausa, mas um retorno. Não é inovação, mas fidelidade. Uma Igreja que tem a coragem de se reformar a partir do Evangelho e da prática das origens poderá realmente ser sinal do Reino de Deus no mundo.