18 Janeiro 2024
"Paulo é o autor bíblico que mais interesse gerou entre os filósofos de ontem e de hoje. Dos antigos: Spinoza o considera o apóstolo-filósofo por excelência, um testemunho bíblico crível e uma exceção racional no meio dos personagens irracionais da Bíblia; Nietzsche o apresenta como 'desangelista', impostor e falsificador da história; Weber destaca a indiferença paulina em relação ao mundo; Heidegger escolhe os textos de Paulo para erguer noções centrais de sua filosofia existencial. Dos atuais: filósofos tão relevantes como Agamben, Badiou, Zizek, Critchley, Derrida, Kristeva, Taubes, Dawkins e Onfray", escreve Juan José Tamayo, teólogo espanhol, em artigo publicado por El País, 09-01-2024.
El apóstol de los ateos, de livro Ole Jakob Løland, analisa, a partir da filosofia, a figura considerada o segundo fundador do cristianismo e seu primeiro ideólogo.
A originalidade do título desta obra corresponde à originalidade da abordagem do autor, teólogo norueguês, a respeito de Paulo de Tarso, considerado o segundo fundador do cristianismo e seu primeiro ideólogo. A teologia tem sido a disciplina que mais de perto se ocupou de analisar sua figura e estudar suas Cartas. No entanto, nas últimas décadas é a filosofia que tem se dedicado a investigar as Cartas paulinas com novos conteúdos de sentido que haviam passado despercebidos pela teologia. Este livro analisa com rigor, profundidade e amplitude de horizontes a recepção de Paulo na filosofia moderna e contemporânea. No entanto, deixa claro que o retorno dos filósofos a Paulo não é para voltar à crença tradicional e à religião institucionalizada.
El apóstol de los ateos. Pablo en la filosofía contemporánea, de Ole Jakob Løland (Foto: Divulgação)
Para Løland, Paulo é o autor bíblico que mais interesse gerou entre os filósofos de ontem e de hoje. Dos antigos: Spinoza o considera o apóstolo-filósofo por excelência, um testemunho bíblico crível e uma exceção racional no meio dos personagens irracionais da Bíblia; Nietzsche o apresenta como "desangelista", impostor e falsificador da história; Weber destaca a indiferença paulina em relação ao mundo; Heidegger escolhe os textos de Paulo para erguer noções centrais de sua filosofia existencial. Dos atuais: filósofos tão relevantes como Agamben, Badiou, Zizek, Critchley, Derrida, Kristeva, Taubes, Dawkins e Onfray.
Os chamados neoateus Dawkins e Onfray movem-se no horizonte de Nietzsche e consideram Paulo um exemplo dos aspectos mais irracionais e destrutivos da Bíblia cristã ao defenderem que Deus exige o assassinato de seu filho para expiar os pecados da humanidade. Zizek os qualifica como "ateus e humanistas vulgares".
Outros filósofos contradizem Nietzsche, consideram Paulo "parte inseparável da genealogia da crítica moderna da religião", o definem como um pensador de profundas convicções filosóficas em busca da verdade e com grande potencial secularizador. Badiou mostra a atitude militante de Paulo a favor do universalismo, que implica a igualdade de todos os seres humanos, diante da atual redução da política a interesses particulares e à globalização do capitalismo. Na mesma direção avança Slavoj Zizek, para quem Paulo rompe com toda forma de comunitarismo e afirma um universalismo incondicional.
Agamben e Taubes leem Paulo à luz do messianismo de Walter Benjamin. O primeiro faz uma crítica ao monopólio eclesiástico sobre a exegese das Cartas paulinas que sufocou o messianismo judaico e destaca a potência messiânica que pulsa no epistolário paulino, entendida como resistência ao ordenamento existente. Taubes considera Paulo o inventor da teologia da cruz que subverte os valores do mundo e destaca que as pessoas mais fracas e os membros das classes sociais mais baixas são os escolhidos de Deus, enquanto os sábios e poderosos estão sujeitos ao juízo divino.
Løland expõe a interpretação dos filósofos citados sobre dois dos escritos paulinos mais importantes: a Primeira Carta aos Coríntios e a Carta aos Romanos. A Primeira Carta aos Coríntios critica as hierarquias do mundo antigo e analisa a realidade a partir das camadas mais baixas da sociedade. A Carta aos Romanos faz uma crítica da lei, que os filósofos interpretam como crítica da ideologia, descrição trágica da existência humana e um excelente exemplo de introspecção. Reconhece, por sua vez, a prioridade que Paulo dá à "justiça" como "horizonte à margem da lei e independente da lógica do direito".
Este livro evidencia que Paulo não foi um teólogo político conservador, mas um pensador crítico do sistema. Løland e muitos filósofos contemporâneos concordam em grande parte com o exegeta paulino Richard Horsley, que o apresenta como um teólogo antissistema radical e antimperialista.
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Paulo de Tarso, um embusteiro ou alguém em busca da verdade? Artigo de Juan José Tamayo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU