06 Janeiro 2024
O artigo é de Mariano Delgado, professor de História da Igreja na Faculdade de Teologia da Universidade de Friburgo (Suíça) e e Decano da Classe VII (Religiões) da Academia Europeia de Ciências e Artes (Salzburgo), publicado por Religión Digital, 28-12-2023.
No início de "As moradas do castelo interior" (1577), Santa Teresa conta como chegou a entender a alma como um castelo interior: "Enquanto eu estava hoje suplicando ao nosso Senhor para falar por mim, pois eu não conseguia encontrar o que dizer nem como começar a cumprir esta obediência, me ocorreu o que agora direi, para começar com algum fundamento: considerar nossa alma como um castelo todo de um diamante ou cristal muito claro, onde há muitos aposentos, assim como no céu há muitas moradas (Jo 14, 2)".
Um pouco mais adiante, ela escreve que dessas moradas algumas estão "um pouco acima, outras abaixo, outras dos lados; e no centro e meio de todas essas está a mais importante, que é onde ocorrem coisas de grande segredo entre Deus e a alma. É necessário que vocês considerem isso com atenção". E pouco depois, ela nos lembra que não devemos "entender essas moradas uma após a outra, como algo encadeado, mas sim fixar os olhos no centro, que é a peça ou palácio onde está o rei, e considerar como um palmito, que para chegar ao que é comestível tem muitas coberturas que cercam tudo saboroso. Assim aqui, ao redor desta peça, há muitas, e acima do mesmo. Porque as coisas da alma sempre devem ser consideradas com plenitude, amplitude e grandeza, pois nada a limita, sendo capaz de muito mais do que podemos considerar, e de todos os lados dela se comunica este sol que está neste palácio".
A pesquisa sobre a mística não pode se contentar com a observação críptica de que o símbolo do "castelo interior" lhe foi "oferecido" enquanto rezava. Não falta uma compreensão do símbolo como uma metáfora evidente de sua experiência mística, ou como expressão da universalidade arquetípica no sentido das teorias de Carl Gustav Jung e Mircea Eliade, ou como resultado da leitura de autores espirituais de sua época como Francisco de Osuna e Bernardino de Laredo, que também falam da alma como um "castelo interior".
Também há referências às novelas de cavalaria como fonte de inspiração, ou à sua cidade natal, Ávila, completamente cercada por uma muralha e que em sua época ainda abrigava um magnífico castelo, ou à cosmogonia aristotélica com seus sete céus, já que Teresa menciona o Empíreo, ou seja, o Sétimo Céu, duas vezes em sua obra. Mas nenhuma dessas tentativas de explicação é satisfatória.
Já em 1946, Miguel Asín Palacios apontou surpreendentes analogias com o símbolo do castelo na literatura mística islâmica. Al-Ġazzālī compara o coração humano a um castelo sitiado por muitos inimigos, com Satanás passeando do lado de fora como um cão latidor e tentando penetrar no castelo. Em sua obra Kitāb al-tanwīr (por volta de 1307), Ibn ʿAṭāʾ Allāh, de Alexandria, fala das moradas da certeza mística e as compara com os muros e castelos de uma cidade.
Segundo Asín Palacios, o símbolo do castelo se populariza entre os moriscos justamente no século XVI, especificamente na obra Nawādir, que Aḥmad al-Qalyūbī compilou na época de Teresa. Nela, fala-se de sete castelos que Deus havia criado para os filhos de Adão. Deus permanece dentro dos castelos, enquanto Satanás anda ao redor, latindo como um cão e esperando uma brecha no muro para entrar e causar problemas. O caminho espiritual passa pelos castelos, que são dispostos em círculos concêntricos e construídos com diferentes materiais (ascendendo dos materiais menos valiosos para os mais preciosos), e o pequeno castelo no centro, como local de contemplação de Deus, é feito de ouro puro. Luce López-Baralt recolheu mais evidências na mística islâmica dos séculos IX e XIV do símbolo do castelo no sentido de Nawādir, especificamente no escrito Maqāmāt al-qulūb (Moradas dos corações) de Abū l-Ḥasan al-Nūrī (falecido em 907) e em Mūsā ad-Damīrī (falecido em 1405).
Mas quando se trata da questão das possíveis influências islâmicas em Santa Teresa (ou em São João da Cruz), devemos prestar mais atenção e fazer uma melhor distinção entre o que é escrito e o que se quer dizer. Pois as analogias existentes não têm a ver com o cerne místico singular do cristianismo (dirigir-se ao encontro do Deus Encarnado que habita em nosso interior), mas sim com o estilo dos comentários em prosa (estilo circular, iterativo, linguagem polivalente e aleatória) e com alguns dos símbolos e figuras linguísticas que neles aparecem. Claro, essas analogias são às vezes grandes demais para serem interpretadas como uma mera coincidência ou resultado da universalidade arquetípica da experiência mística.
Os pesquisadores suspeitam que a cadeia de transmissão, ainda não comprovada, está no ambiente dos "moriscos", tanto na tradição escrita quanto na oral. Isso não seria surpreendente, já que o conhecimento da mística islâmica (ou judaica) era muito difundido em uma sociedade como a espanhola, que tinha muitos convertidos do Islã (e do judaísmo); fazia parte do ambiente espiritual da época.
Além disso, a mística islâmica deixa rastros em muitos aspectos do neoplatonismo e do monasticismo cristão, de modo que os cristãos também encontravam nela coisas "familiares". Os místicos espanhóis poderiam ter se inspirado nos tratados ascéticos e místicos dos sufis, porque, como afirmava o próprio Asin Palacios, eles não os viam como ensinamentos genuinamente islâmicos, mas como ideias cristãs desenvolvidas pelos muçulmanos.
A verbalização da experiência mística é semelhante ao processo criativo da poesia. Assim como os poetas recorrem criativamente às suas próprias leituras e ao que está no ambiente para formar os símbolos e figuras linguísticas de seus textos, sem mencionar as fontes de sua inspiração (entre outras coisas porque também não são capazes de identificá-las com precisão), o mesmo ocorre com os místicos. Não é de surpreender que, no fim das contas, não conheçamos "a" fonte do "castelo interior" de Santa Teresa, nem saibamos de onde Miguel de Cervantes tirou seu Dom Quixote, embora haja abundância de analogias com tal ou qual novela de cavalaria ou com personagens históricos como Bartolomé de Las Casas.
Santa Teresa de Jesus e São João da Cruz são tão talentosos com a pena na mão e tão originais na verbalização de suas experiências místicas que imprimem seu próprio selo a tudo o que possam ter retirado de outras fontes de maneira consciente ou não. Ambos tentam explicar também seus grandes símbolos (o "castelo interior" ou "a noite escura"), independentemente de onde os tenham obtido, inicialmente "com a Bíblia", porque as Sagradas Escrituras e a fé formam o horizonte hermenêutico fundamental para a verbalização de sua experiência mística. E, como grandes símbolos, cumprem a tarefa que Immanuel Kant e Paul Ricœur esperam de um bom símbolo: despertar e frutificar nosso pensamento.
E, finalmente e acima de tudo: apesar de todas as analogias com a mística islâmica, nos grandes místicos castelhanos e doutores da Igreja encontramos uma descrição genuinamente cristã de sua experiência mística: "O que Deus pretende é fazer-nos deuses por participação, sendo Ele por natureza; como o fogo transforma todas as coisas em fogo". Nenhum místico islâmico poderia se expressar assim, pois isso pressupõe o mistério da Encarnação com a "maravilhosa troca" da noite de Belém: Deus se torna homem para que possamos realizar melhor nossa vocação divina (ser imagem e semelhança de Deus), imitando Jesus como luz, caminho e exemplo de vida. Santa Teresa "de Jesus" e João "da Cruz" sabiam disso muito bem. Por isso, sua experiência mística é plenamente centrada em Cristo. Ainda hoje nos exortam a fixar nosso olhar apenas no Deus Encarnado: "só Deus basta" é um solus Christus.
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Sobre o símbolo do “castelo interior” de Santa Teresa e sua possível origem islâmica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU