"A imagem do 'caminho, tal como entendida pela Tradição cristã, isto é, 'um caminho de perfeição' a ser percorrido ao longo da vida, é, segundo o Papa Francisco, a que melhor resume a lição que Teresa nos ensina com a própria vida".
O comentário é de Patricia Fachin, jornalista, graduada e mestre em Filosofia pela Unisinos.
"Quando o mundo arde, não se pode perder tempo em questões de pouca importância. Gostaria que contagiasse todos, esta santa pressa de sair para percorrer os caminhos do nosso tempo, com o Evangelho na mão e com o Espírito no coração!" Estas palavras foram ditas pelo Papa Francisco na mensagem dirigida a Dom Jesus García Burillo, bispo de Ávila, por ocasião do quinto centenário do nascimento de Teresa de Ávila, carmelita e doutora da Igreja, em 15 de outubro de 2014, cuja festa celebramos neste domingo.
A imagem do "caminho", tal como entendida pela Tradição cristã, isto é, "um caminho de perfeição" a ser percorrido ao longo da vida, é, segundo o Papa Francisco, a que melhor resume a lição que Teresa nos ensina com a própria vida. "Teresa entendia a vida como um caminho de perfeição, ao longo do qual Deus conduz o homem, de morada em morada, até chegar a Ele e, ao mesmo tempo, põe-no a caminho dos outros homens."
Em Castelo Interior ou Moradas, uma das obras centrais da carmelita de Ávila, Santa Teresa de Jesus nos ensina a ingressar e a progredir no caminho de perfeição. Contudo, nas primeiras páginas, faz uma advertência às irmãs, a qual se aplica também a nós: "Quem se recusa a crer, jamais terá a experiência. Isso posso garantir." E, em seguida, diz explicitamente: "A porta para entrar neste castelo é a oração".
Em sua meditação sobre o caminho através do qual Deus conduziu Teresa, o Papa destaca alguns aspectos:
1) Caminhar com alegria, servindo: "Teresa de Jesus convida as monjas a «caminhar com alegria, servindo» (Caminho, 18, 5). A verdadeira santidade é alegria, porque «um santo triste é um triste santo». Antes de ser heróis corajosos, os santos são fruto da graça de Deus aos homens. Esta alegria é um caminho que é preciso percorrer durante a vida inteira. Não é instantânea, superficial, tumultuosa. É necessário procurá-la «desde o início» (Vida,13, 1). Manifesta o júbilo interior da alma, é humilde e «modesta» (cf. Fundações, 12, 1). Ela não pode ser alcançada através do atalho fácil que evita a renúncia, o sofrimento ou a cruz, mas encontra-se mediante o padecimento de dificuldades e dores (cf. Vida, 6, 2; 30, 8), contemplando o Crucificado e procurando o Ressuscitado (cf. Caminho, 26, 4). Por isso, a alegria de santa Teresa não é egoísta nem auto-referencial."
2) O caminho da oração: "A santa percorreu também o caminho da oração, que ela definia graciosamente como «uma relação de amizade, um encontrar-se frequentemente a sós com quem sabemos que nos ama» (Vida, 8, 5). Rezar não é um modo de fugir, nem de se colocar dentro de uma bolha, e nem sequer de se isolar, mas de progredir numa amizade que quanto mais cresce, tanto mais põe em contacto com o Senhor, «amigo autêntico» e fiel «companheiro» de viagem, com o qual «tudo pode ser suportado», porque Ele sempre «nos infunde ajuda e coragem, e nunca nos abandona» (Vida, 22, 6). Para rezar, «o essencial não é pensar muito, mas amar muito» (Moradas, IV, 1, 7), dirigir o olhar para fitar Aquele que olha constantemente para nós com amor e nos suporta com paciência (cf. Caminho, 26, 3-4). Deus pode atrair as almas a Si através de muitas veredas, mas a oração é o «caminho seguro» (Caminho, 21, 5). Deixá-la significa perder-se (cf. Vida, 19, 6)."
3) Viver a fraternidade no seio da Igreja-mãe: "Para a santa reformadora, o percurso da oração passa pela senda da fraternidade no seio da Igreja-mãe. Foi esta a sua resposta providencial, derivada da inspiração divina e da sua intuição feminina, às problemáticas da Igreja e da sociedade da sua época: fundar pequenas comunidades de mulheres que, à imitação do «colégio apostólico», seguissem Cristo vivendo o Evangelho de modo simples e sustentando a Igreja inteira mediante uma vida transformada em oração. «Irmãs, foi para isto que Ele vos reuniu aqui» (Caminho, 8, 1), e com a seguinte promessa: «Ele, Jesus Cristo, permaneceria ao nosso lado» (Vida, 32, 11). Que bonita definição da fraternidade na Igreja: caminhar juntamente com Cristo, como irmãos!"
A vivência desses três aspectos depende de algo essencial para o qual o Papa Francisco chamou a atenção na abertura dos trabalhos da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo sobre a Sinodalidade, que começou no dia 04 de outubro no Vaticano: "Devemos aprender a viver em nossa Igreja com a orientação do Espírito Santo".
Para aprender a ouvi-Lo, ouçamos mais uma vez a carmelita de Ávila, que, "por sua eminente doutrina" - como disse o Papa Bento XVI -, foi proclamada doutora da Igreja:
"Tudo se passa no mais íntimo da alma. As palavras dos lábios do Senhor ouvem-se muito claramente e muito em segredo. (...) Deixa grandes efeitos, que confirmam esta convicção. Pelo menos fica a segurança de que não procedeu da imaginação. Aliás, quem andar com advertência, poderá sempre ter segurança pelas seguintes razões.
Primeira: não deixa de haver diferença quanto à clareza. As palavras de Deus são tão nítidas, que não se troca uma sílaba sem que a memória acuda logo. Não se substitui uma expressão por outra, embora equivalente. Pelo contrário, quando a fala provém da imaginação, não há a mesma nitidez nem as palavras são tão distintas. Parece coisa meio sonhada.
Segunda: muitas vezes a pessoa nem estava pensando no que ouviu. Dá-se a qualquer hora, de improviso, até mesmo em conversão com outros. Pode acontecer, não raramente, que as palavras correspondem a algum pensamento que passa pela mente na ocasião, ou ao que antes se tinha pensado. Muitas vezes se referem a fatos que nunca lhe passaram pela cabeça como devendo acontecer algum dia, nem mesmo como possíveis. Por conseguinte, a imaginação não poderia ter fabricado enganos e ilusões sobre o que ela nunca desejou, nem quis, nem mesmo soube que existia.
Terceira: nas locuções de Deus a alma está como quem ouve. Nos devaneios da imaginação, como quem vai pouco a pouco elaborando por si mesmo aquilo que desejaria ouvir.
Quarta: são muito diferentes as palavras divinas. Uma só delas abrange tantos ensinamentos, que o intelecto seria incapaz de os compor tão depressa.
Quinta: muitas vezes, juntamente com o que se ouve, compreendem-se muitas outras coisas que nos são comunicadas sem palavras - por um modo que não sei dizer. Em outra parte, tratarei mais largamente deste modo de entender, que é muito delicado e próprio para fazer louvar Nosso Senhor."