30 Novembro 2023
Fala Valeria Collina, mãe de Youssef, morto pela polícia inglesa após um atentado jihadista em Londres. Do fundamentalismo religioso ao empenho civil no teatro: história de uma mudança possível. O testemunho da mulher em uma conferência no Vaticano em 2 de dezembro.
A reportagem é de Giorgio Paolucci, publicada por Avvenire, 28-11-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Não, não há nada que possa justificar ações desumanas como aquela do Hamas ou como os atentados de um mês atrás na França e em Bruxelas. Cada vez que alguém mata em nome de Deus, minha ferida reabre". Uma ferida que dilacerou o coração de Valeria Collina quando, em 3 de junho de 2017, o seu filho Youssef, de 22 anos, participou do comando jihadista que matou a facadas oito pessoas na Ponte de Londres e depois foi morto pela polícia britânica. As imagens que dos últimos dias chegam de Gaza e da Cisjordânia tornam a sua dor ainda mais aguda. “É desumano pensar morrer por Deus matando outros homens, como fazem os terroristas islâmicos, é desumano matar civis por proteger a própria segurança, como fazem os soldados israelenses. É o abismo do mal em que despencou uma situação da qual todos nós, culpadamente, nos esquecemos durante tempo demais. O caminho para o a paz é uma ladeira íngreme, mas cada um de nós deve fazer a sua parte, no lugar em que vive. E a paz não chegará se não houver pacificação. Sem o reconhecimento do outro e das suas razões, não vamos a lugar nenhum".
Valeria Collina está fazendo a sua parte: há anos é convidada em escolas, universidades e paróquias para contar a sua odisseia, participa em iniciativas nas prisões para prevenir a radicalização dos jovens muçulmanos, "para que não aconteça o que aconteceu com o meu Youssef que tinha transformado a fé religiosa numa ideologia que justifica a morte de outras pessoas. Na sua mente o Islã tinha se 'ossificado', já não lidava mais com a razão. Tivemos muitas discussões sobre a sua interpretação rígida e literal dos textos sagrados, mas nunca teria imaginado que teria chegado àquele gesto extremo".
É uma história atormentada e sempre em busca de si mesma, aquela de Valeria Collina. Pai da resistência e socialista, educada na fé cristã, na Universidade de Bolonha participou nos protestos e nos movimentos feministas, engajou-se no “teatro pobre” de Grotowski, conheceu um jovem vindo do Marrocos com quem se casou e com quem foi morar em Fez, durante vinte anos, onde abraçou a religião islâmica com o nome de Khadija. Depois de se separar do marido, retornou para a Itália com os dois filhos, depois a partida de Youssef para Londres, até a trágica manhã em que os agentes da Digos comunicaram a ela a notícia que virou a sua existência de cabeça para baixo.
Nos últimos anos retomou a antiga paixão pelo teatro atuando e escrevendo textos, e no documentário After the Bridge (dirigido por Davide Rizzo e Marzia Toscani, disponível há poucos dias na Raiplay) conta a sua jornada conturbada. Frequenta o curso de licenciatura em Antropologia, continua seus estudos sobre vozes do feminismo islâmico ("pouco ouvidas, mas muito poderosas"), ajuda as crianças nas atividades pós-escolares na paróquia de Valsamoggia, a pequena aldeia nas colinas de Bolonha onde mora desde que voltou do Marrocos. No dia 2 de dezembro foi convidada ao Vaticano – junto com Marta Cartabia e o jesuíta Mario Picech, capelão adjunto da prisão de San Vittore, em Milão – para levar o seu testemunho durante o simpósio “Da justiça à fraternidade”, promovido pela Fundação Fratelli Tutti no contexto dos Caminhos Jubilares Sinodais.
Após a morte de Youssef, viveu anos de purificação para descobrir a sua profunda identidade numa busca inquieta e inesgotável, entrelaçada de novas amizades e marcada pela vontade de “considerar as pessoas pelo seu valor infinito de criaturas e não pelo papel que desempenham ou pelo lado a que pertencem". Ela está convencida de que “hoje mais do que nunca, nos tempos sombrios que vivemos, é necessário um grande trabalho educativo a partir das escolas e dos locais de agregação juvenil para conter e prevenir a deriva niilista de que tantos garotos são vítimas, e da qual a radicalização jihadista é apenas uma face. Diante do que está acontecendo no mundo juvenil, a multiplicação de regras e proibições, o aumento das medidas de vigilância e de providências punitivas não levam longe. Precisamos de uma revolução do olhar, algo que chegue ao coração dos garotos, o encontro com testemunhas credíveis e que tenham uma atratividade humana capaz de despertar o desejo de bem que – estou convencida disso – existe em cada pessoa”.
Collina conheceu o peso da violência, e depois o rancor, até mesmo o ódio contra quem a cometeu. “Mas o ressentimento é uma gaiola dentro do que você corre o risco de se debater sem conseguir sair, consumindo-se na dolorosa confusão de suas paixões triste e à espera da vingança ou de ume justiça construída conforme a sua medida”. Como pode o ressentimento deixar espaço para o perdão, uma palavra que alguns até acreditam hoje impronunciável? “Há um pequeno perdão, fruto de uma atitude utilitarista, de quem consegue esquecer o mal que o outro lhe fez, mas ao mesmo tempo esquece o outro e pensa eu sua própria paz de espírito. Em última análise, é um ato de sobrevivência para não sucumbir à dor. E depois há o grande perdão, em que o mal feito pelo outro não é a última palavra sobre a minha relação com ele. É fruto de um olhar de amor: continuo a olhar para o outro e desejo para ele o mesmo bem que desejo para mim. Um amigo sacerdote me deu de presente uma pequena foto com o testamento espiritual de Christian De Chergé, o religioso trapista sequestrado e depois morto junto com sete coirmãos da Abadia de Tibhirine, na Argélia, no qual, dois anos antes de seu fim, ele imagina poder perdoar "de todo coração" aqueles que o poderiam matar, e pede para poder reencontrá-los no Paraíso, concluindo com estas palavras: "Você também, amigo do último minuto que não sabe o que estava fazendo. Sim, também para você desejo este ‘obrigado’ e este ‘a-Deus’ em cujo rosto lhe contemplo. E que possamos nos encontrar novamente, benditos ladrões, no Paraíso, se for do agrado de Deus, Pai nosso, de nós dois."
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“Eu, o Islã e a necessidade de um novo olhar” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU