12 Mai 2021
"A realidade é que, em algumas regiões africanas, para um mundo de jovens sem trabalho e em busca de dignidade, a jihad é uma alternativa, ainda que minoritária, ao lado da emigração. Não é apenas uma questão militar, mas um problema geracional, que os Estados não enfrentam através da melhoria da educação, das oportunidades de trabalho e de uma política de bem-estar", escreve o historiador italiano Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio e ex-ministro italiano, em artigo publicado por Corriere della Sera, 11-05-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Atualmente na África, quase mais do que no Oriente Médio, a jihad é a protagonista da vida de muitas regiões. É um problema que não pode ser reduzido à radicalização do Islã: há algo mais profundo e amplo, não apenas religioso. De 2017-18, em Moçambique, onde o Islã é minoritário (cerca de 20% da população), a guerrilha islâmica tem estado ativa no norte, na província de Cabo Delgado, uma das mais pobres do país. Houve um papel dos pregadores extremistas vindos de fora, mas também de jovens muçulmanos moçambicanos, enviados pelo governo para estudar na Arábia Saudita para abafar o Islã tradicional. Mas isso por si só não explica um choque militar e social, que produziu 700 mil refugiados da região.
O pobre tecido social de Cabo Delgado foi desestruturado pelo impacto das grandes multinacionais depois da descoberta do maior campo de gás natural do mundo, a exploração de rubis (de que Moçambique é o maior produtor mundial), a demanda chinesa por madeira. A estabilidade social tradicional acabou. Algumas aldeias foram movidas de lugar. Algumas terras foram desapropriadas. Não houve uma política social estatal, enquanto as populações locais não se beneficiavam das novas presenças econômicas. O movimento islâmico também expressa a reação às convulsões induzidas pela política, pela presença das companhias petrolíferas, pelo comércio de madeira e rubis.
Um ambiente desabou: em uma região de maioria jovem, a revolta encontra na jihad uma leitura do mundo que identifica os inimigos e dá protagonismo aos combatentes. O islamismo, muito diferente do marxismo, torna-se uma gramática da revolta com uma função ideológica semelhante e motivadora. Algumas testemunhas locais notaram entre os combatentes alguns de origem cristã. O fato - se confirmado - revela que se trata também de um fenômeno geracional: uma “revolta dos jovens”. Essas revoltas tornam-se depois processos sectários e militares, dos quais não é fácil sair para aqueles que combatem.
Mapa de Moçambique, destaque para Cabo Delgado e Pemba. Fonte: Wikicommons
Também precisaria ser explicada a falta de reação do governo moçambicano, que já perdeu o controle de parte da província, enquanto a capital provincial, Pemba, se sente ameaçada por infiltrações islâmicas. Repete-se o cenário da incapacidade de vários Estados africanos em contrastar fenômenos radicais e entender suas raízes. O caso moçambicano (com riscos para o vizinho Malawi) é a mais recente de várias explosões jihadistas na África: do Boko Haram na Nigéria, Camarões e Níger, quase uma seita militarizada que - como observa Mario Giro - enreda os jovens e destrói a tradição, à enxurrada de grupos armados radicais no Sahel, tanto que se fala de Afeganistão Saheliano.
Não só a França, mas também alguns outros países europeus, como a Itália, finalmente perceberam que a segurança do velho continente passa pelo coração do grande deserto, uma terra de instabilidade e de passagem de migrantes. Soma-se a essa área a ainda não resolvida Somália, com a presença dos Shabaabs, responsáveis pelas ações no Quênia. A África Oriental, da Somália ao norte de Moçambique, representa uma área de expansão islâmica. Grupos islâmicos inesperados também nascem em outros estados africanos: uma realidade em crescimento. Há uma diversidade de histórias locais, enquanto a afiliação dos grupos a siglas terroristas internacionais é variável: Al Qaeda, Estado Islâmico e outros.
A realidade é que, em algumas regiões africanas, para um mundo de jovens sem trabalho e em busca de dignidade, a jihad é uma alternativa, ainda que minoritária, ao lado da emigração. Não é apenas uma questão militar, mas um problema geracional, que os Estados não enfrentam através da melhoria da educação, das oportunidades de trabalho e de uma política de bem-estar.
A privatização do sistema educacional na África é uma circunstância agravante que cria ressentimento entre os jovens. A crise do Estado africano favorece a busca de novas interpretações do mundo global: o islã radical oferece uma interpretação simplificada e atraente. Uma pergunta decisiva é posta pelo cientista político Parag Khanna: “O que fazer com aqueles 60 por cento da população do continente africano que tem menos de 24 anos?”. Essa é a grande questão para o continente, enquanto a Europa sabe que está próxima e envolvida.
O fechamento dos fluxos migratórios não afeta o problema e talvez, com o tempo, uma maré humana superará os obstáculos. Há uma enorme questão africana no futuro e no coração da política internacional. Só pode ser enfrentada com uma sinergia entre Estados não africanos e africanos. Estes últimos devem se reestruturar, superando a indiferença às políticas sociais e do trabalho que caracteriza muitos. Mas mesmo as religiões, desde o Islã africano às Igrejas, não podem escapar ao confronto com o que é em grande parte uma "questão dos jovens". Somente uma coalizão de novas energias poderá evitar resultados dramáticos em uma situação já degradada, que tem como pano de fundo a crise ecológica do continente.
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Jihad e a “questão dos jovens”: os novos tormentos da África. Artigo de Andrea Riccardi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU