25 Fevereiro 2025
"O sacrifício não é o do espírito separado do corpo, mas um sacrifício segundo o Logos, aquele Logos que se tornou um com os homens até sua morte na cruz. Trata-se de perder a vida pelo Evangelho, por Jesus. Um compromisso existencial interior que deve encontrar os meios para expressar sua solidariedade", escreve Roberto Mela, teólogo e professor da Faculdade Teológica da Sicília, em artigo publicado por Settimanna News, 22-02-2025.
O autor do volume é um teólogo francês que leciona no Institut de science et théologie des religions em Marselha.
Depois de ter delineado a sociedade da época de Paulo como uma sociedade à beira do abismo, dominada pelo Império Romano e internamente dividida entre diversas correntes religiosas, ele traça um breve perfil biográfico de Saulo (Paulo) de Tarso. Elas pertencem a três mundos culturais: judaico, grego e romano. Ele é um fariseu judeu, um helenista que conhece os rudimentos do pensamento filosófico da época (especialmente o estoicismo) e um cidadão romano. Nascido no início da Era Comum, ele morreu em Roma, sob o governo de Nero, no caos causado pelo incêndio de Roma, pelo qual os cristãos foram responsabilizados.
Fariseu zeloso, Saulo empreende um ato voluntário de violência contra os discípulos do “Caminho” e, perto de Damasco, encontra uma “mudança radical”. Ploux nunca fala sobre conversão.
Nessa forte experiência do Espírito, Saulo (Paulo) encontra a primeira metanóia.
Segundo os Atos dos Apóstolos, a cena é descrita em tons usados pelos Evangelhos para o batismo de Jesus (abertura dos céus, voz ouvida, luz…). Também pela mediação de Ananias, Cristo é revelado a Saulo como o Messias de Israel, esperado e predito pelas Escrituras. Ele forma um só corpo com seus discípulos perseguidos por Saulo, que baseia sua vida na observância da Lei e na frequência ao templo, juntamente com todas as tradições dos pais.
A partir desse momento, Saulo/Paulo anunciará o Messias de Israel a partir dos testemunhos da Sagrada Escritura, em ambientes marcados pelo judaísmo que ele pretende levar à plenitude da sua fé, fazendo-os ver em Jesus a realização das expectativas messiânicas.
Segundo a Carta aos Gálatas, o acontecimento de Damasco foi uma revelação provocada pela graça benévola de Deus Pai que revelou seu Filho Jesus em Paulo, para que ele fosse anunciado a todos os homens.
Durante sua segunda viagem missionária, Paulo se viu em Atenas falando para um público pagão, desprovido do contexto fornecido pelas Sagradas Escrituras.
Ele busca uma linguagem comum com seus ouvintes partindo da filosofia estoica, que, com os conceitos de Logos, Pneuma e kosmos, poderia compreender o anúncio de um Deus criador que mantém o universo unido. O anúncio de um homem que, no fim dos tempos, na ressurreição, julgará o mundo, marcará para ele a interrupção prática do diálogo e o escárnio da maioria. Para alguns estudiosos, isso não é um fracasso real. Para Ploux, sim, e é uma questão urgente.
Paulo vai a Corinto e, lendo a Primeira Carta aos Coríntios, vive voluntariamente a escolha de uma segunda metanóia: decidi não saber nada, exceto Cristo Crucificado, sabedoria e poder de Deus (...) Deus escolhe o que não é, o que é louco aos olhos dos homens para revelar sua glória, o "peso" do que está dentro de si. Deus quer salvar o mundo com a palavra da cruz.
Deus se mostra no Crucifixo, o verdadeiro Logos e sabedoria que mantém o mundo unido, redimindo-o de sua perdição. A “palavra” da Cruz de que fala Paulo abrange em si os significados da pregação da Cruz, da Cruz como palavra e do Logos na cruz.
Segundo Ploux, para compreender o plano de Deus não devemos partir da ressurreição, mas da cruz, do abaixamento total abraçado por Cristo, que o torna solidário com todos os homens empobrecidos do mundo, os pecadores, os fracos, os oprimidos da história, com o destino comum que toca todas as criaturas humanas.
Na Carta aos Filipenses, Paulo descreverá o caminho humano e espiritual de Cristo no abnegação abraçado na encarnação e na sua morte na cruz. Sua exaltação abrange o ponto mais baixo alcançado na morte em solidariedade com os homens e a conduz ao seu glorioso desfecho. Da Cruz passamos para a Ressurreição.
Na mesma carta, Paulo descreverá sua autobiografia espiritual e afirmará que, para ele, viver é Cristo (Fp 1,21). Ele considera todos os privilégios histórico-teológicos do seu passado como lixo, a fim de ganhar Cristo. O importante para ele é encontrar-se numa condição de justiça, de bom relacionamento com Deus, não baseada na Lei e na sua observância escrupulosa, mas naquela que deriva da fé-confiança em Cristo, que amou cada homem, incluindo Paulo, até o ponto de se entregar à morte inglória da cruz por amor.
O fundamento da teologia de Paulo é claramente o evangelho resumido na morte na cruz de Cristo, ressuscitado pelo Pai no Espírito. Sobre este fundamento, Paulo cuidará da unidade da Igreja, que deve acolher em si a diversidade das origens culturais e religiosas dos fiéis, vivendo na aceitação mútua e no amor recíproco. Cristo é o fundamento e os apóstolos são servos do evangelho para o crescimento da comunidade.
A universalidade da Igreja não se funda imediatamente na ressurreição como “fábula”, mas na Cruz. A ressurreição sem a Cruz nada mais é do que uma esperança fantasmagórica de um mundo melhor, que ignora o peso trágico da existência humana.
Segundo Ploux, a “missão” da Igreja hoje, num mundo sem Deus, é ter a certeza de que Deus, através do seu Espírito e do seu Logos, acompanha a humanidade em todo o tempo e lugar. Se a Igreja compartilha as alegrias e as tristezas dos homens não é para explorá-los, mas porque sua vida é também a dos cristãos, apesar das diferenças. Contudo, afirma o autor, "somos-lhes devedores do que nos foi confiado na cruz: a revelação de um Deus que se entrega na fraqueza e na escuridão, até se anular, assegurando-nos a sua presença e afastando-se da nossa influência. Porque é isso que é o amor" (p. 85).
A Igreja não se opõe a nenhuma cultura, como uma cidadela sitiada, mas, na escuta e na fé, busca as palavras e atitudes certas para salvar, junto com os outros, o homem quando ele corre o risco de ser desumanizado. O homem deve ser salvo de si mesmo. É uma questão de vida ou morte.
A Igreja deve abrir-se à diversidade das culturas, sabendo que, em Cristo, não há judeu nem grego. A Igreja é “subversiva” porque se espalha em todas as culturas, propondo uma lógica alternativa de vida, respondendo às expectativas presentes em todos.
É necessário repropor o Evangelho de Corinto, sem esquecer as raízes santas representadas pelo acontecimento de Damasco (as Sagradas Escrituras). É preciso propor um “outro homem”, consciente de que, no passado, a evangelização estava ligada à colonização.
O que deve ser anunciado hoje é a revelação ao homem do rosto de Deus, ignorado ou incompreendido, revelado por Cristo na cruz. "Não podemos viver sem compreender, sem imaginar, sem trabalhar, sem criar através da arte – afirma Ploux. Não podemos viver sem amor. Sob as roupas de uma moda mutável, o homem permanece nu. Os jovens estão cada vez mais conscientes disto: a sua atenção à ecologia, por vezes a sua angústia, testemunham-no, assim como a sua aspiração inafundável a um outro mundo" (p. 100-101).
Precisamos retornar a Corinto, para realizar aquela metanóia que Paulo fez em seu tempo e para seu tempo, isto é, mudar nossa maneira de viver, pensar e agir (cf. ibid.). “Domesticamos” a cruz, diz o autor (p. 103).
A Igreja deve retornar a Corinto. "Esquecemos o homem justo, injustamente condenado, o homem rejeitado e abandonado por todos, que compartilhou o tormento dos condenados. Também nos esquecemos daqueles que o condenaram e daqueles que fugiram” (p. 103).
Diante dos nossos olhos está a trágica condição da humanidade: "O homem capaz de dar a sua vida para que os outros vivam e aquele que acumula tudo o que pode para viver - ou pelo menos assim acredita - e que não só se esquece dos outros ou nem os vê, mas os despoja do pouco que têm e os deixa morrer na sua miséria, quando ele próprio não os extermina. São pessoas, mas também grupos humanos e 'sistemas' econômicos, sociais e políticos, até mesmo religiosos" (ibid.).
Segundo o autor, esquecemos ou removemos o que nos foi exposto de Deus, não com palavras, sempre deste lado ou além da realidade, mas em um homem como nós, que viveu sua fé em Deus dia após dia, incansavelmente próximo dos pobres de toda pobreza, escandalosamente livre em relação aos "dogmas" de seu tempo e, no fim, condenado por todas as autoridades, civis, militares e religiosas... e morreu crucificado, com uma lança trespassada no coração. Se a Igreja quer falar de Deus aos homens, continua Ploux," só tem uma coisa a dizer e a fazer: reconduzir-nos sempre àquela figura" (p. 103-104).
Não podemos mais pensar na cruz a partir de Deus, observa o estudioso, mas devemos pensar em Deus a partir da cruz.
"Num mundo 'sem Deus' é com um gesto, um primeiro passo de confiança em Jesus que se pode abrir um caminho para Deus. Não é diferente daquele percorrido por Paulo em Corinto, quando descobre na cruz um Deus que desafiava a sua primeira fé e a sabedoria deste mundo. Não é diferente do que aconteceu com os discípulos que voltaram atrás em seus passos de desespero e tomaram as estradas do mundo para anunciar Aquele que haviam abandonado. E não é diferente de todos os 'loucos de Deus' que arriscaram suas vidas no caminho estreito do evangelho para nos dizer que ele leva à luz do Deus escuro" (p. 104).
Não se trata de copiar Paulo, de acordo com Ploux. Trata-se de viver o nosso tempo com a mesma inspiração, na lógica da Cruz. Em Romanos 12,1, Paulo exorta os discípulos de Jesus a oferecerem, pela misericórdia de Deus (lit.: pelas compaixões), seus corpos como um sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; Esta é a sua adoração espiritual (tēn logikēn latreian).
O sacrifício não é o do espírito separado do corpo, mas um sacrifício segundo o Logos, aquele Logos que se tornou um com os homens até sua morte na cruz. Trata-se de perder a vida pelo Evangelho, por Jesus. Um compromisso existencial interior que deve encontrar os meios para expressar sua solidariedade.
Não é necessário apresentar um evangelho segundo a sabedoria do mundo (ética, humanismo, regra de vida, teologia, etc.), enquanto para Paulo sua chave de compreensão é a revelação de Corinto. Exige total autocomprometimento em generosidade e gratidão; presente no presente, obediente à realidade para captar os chamados do Espírito; oferecer a própria confiança àquele Deus do qual nada podemos dizer, mas que se deixa entrever na revelação da Cruz (cf. p. 108). Mt 25,31-45 é apenas mais uma maneira de colocar diante de cada um de nós a cruz dos pobres de todos os tempos.
Os cristãos poderão retornar a Damasco, Atenas ou Corinto. Mas todos terão que viver as duas experiências. Segundo Ploux, "é preciso viver na 'lógica' da encarnação e da partilha para comprometer com ela um humanismo singular fundado, em última análise, num 'Deus conosco' também na cruz [...] se Deus, através da cruz, confunde a sabedoria deste mundo na sua suficiência, é para salvá-lo não de fora, mas na sua história partilhada" (p. 110-111).
Todos os discípulos de Jesus, tanto os que seguem Atenas como os que seguem Corinto, “precisam do Espírito para não se fecharem nas suas certezas e para recordarem a mensagem colocada no coração deste livro: 'Deus escolheu o que há de baixo e desprezível no mundo, até mesmo o que é nada, para reduzir a nada o que é' (1 Cor 1, 28). Em última análise, para nós a ressurreição é, a partir do presépio e da cruz, compreender Deus e servir o homem de modo diferente, e isto deve transfigurar tudo" (p. 111).
Ao longo do livro, o autor faz referência a várias passagens das cartas paulinas, comentando-as brevemente e inserindo-as no ponto principal do discurso que está fazendo. Em três curtos apêndices (p. 113-118), ele fala da data da assembleia em Jerusalém (afirma que foi em 49 d.C.), da Carta aos Tessalonicenses (segundo ele, escrita em 50-51 em Atenas e não em Corinto, como se pensa) e relata o texto do discurso em Atenas (cf. Atos 17,22-31), destacando suas consonâncias com o estoicismo.
O autor defende uma tese muito sugestiva, que deve ser acolhida com simpatia. Seu discurso tem um sentido teológico e não exegético e exige certa preparação para segui-lo em suas desafiadoras dobras discursivas.