13 Julho 2024
"Levine dá crédito aos relatos evangélicos e parece acreditar pessoalmente nos prodígios, embora prefira abordar os textos não com um corte propriamente exegético-teológico, mas narrativo-experiencial. Com uma linguagem desembaraçada e cativante, ela reconstrói o contexto dos eventos prodigiosos, dando especial atenção aos protagonistas, especialmente às figuras femininas", escreve Roberto Mela, teólogo e professor da Faculdade Teológica da Sicília, em artigo publicado por Settimanna News, 10-07-2024.
Depois de um volume dedicado às parábolas de Jesus, Amy-Jill Levine, biblista judia de 68 anos e professora de Novo Testamento e Estudos Judaicos no Hartford Seminary, dedica seu novo trabalho a alguns sinais e prodígios de Jesus relatados nos Evangelhos sinóticos e no Evangelho de João.
Livro Segni e prodigi. Una guida ai miracoli di Gesù de Amy-Jill Levine
Ela contextualiza o fenômeno como algo não incomum no mundo judaico e helenístico do primeiro século d.C., que conhecia eventos semelhantes atribuídos a Apolônio de Tiana, Hanina Ben Dosa... Utilizando referências intertextuais, podem-se encontrar eventos semelhantes relatados também nos textos do Antigo Testamento, embora não com a mesma magnitude, atribuídos a profetas e homens de Deus: multiplicação de pães, curas de doentes graves, ressurreição de mortos, curas de leprosos...
Levine dá crédito aos relatos evangélicos e parece acreditar pessoalmente nos prodígios, embora prefira abordar os textos não com um corte propriamente exegético-teológico, mas narrativo-experiencial. Com uma linguagem desembaraçada e cativante, ela reconstrói o contexto dos eventos prodigiosos, dando especial atenção aos protagonistas, especialmente às figuras femininas.
Sua leitura existencial destaca como a apropriação desses textos pode fazer nascer uma nova maneira de ver as coisas e, portanto, sair transformado de uma leitura atenta e empática. Mesmo para aqueles que não creem no sobrenatural, o texto sugere uma multiplicidade de pontos de reflexão para uma transformação na forma de viver e pensar.
Após a tradução pessoal dos textos e um comentário sobre as palavras e verbos mais significativos, com algumas conexões ao pano de fundo judaico e ao mundo rabínico judaico, a autora enfatiza constantemente os elementos de atualização mais diversos, destinados a atrair a atenção do leitor. Parece estar presente em uma de suas aulas, com exemplos simples e até autobiográficos.
Os textos analisados são seis.
A estudiosa começa seu trabalho com a história da cura do paralítico e do perdão de seus pecados. Isso lhe oferece a oportunidade de destacar a importância dos cuidadores, da necessidade de uma ação drástica, de como o lugar pode ter uma função simbólica, do valor de uma linguagem familiar, da dissociação entre pecado e deficiência (realidade enfatizada várias vezes no livro). Ela discute também o significado do perdão e da blasfêmia.
Uma atualização enfatiza a necessidade de que todos tenham acesso aos cuidados médicos.
Este milagre leva a autora a refletir também sobre a necessidade de prestar atenção à natureza, à vida e à morte no mar, aos laços de Jesus com Jonas, à descrição às vezes negativa que Marcos faz dos discípulos, ao encorajamento não apenas para invocar a ajuda divina, mas também para reclamar com firmeza quando ela não vem. Reflete-se sobre a fé como crença e confiança, sobre Jesus como modelo de comportamento de confiança em Deus e sobre ecologia.
Este prodígio leva a refletir sobre a centralidade do pão. São evocados os antecedentes veterotestamentários do maná e dos pães multiplicados por Eliseu para cem pessoas, mas atualizados com referências à sustentabilidade e à insegurança alimentar, à hospitalidade, à importância das refeições, ao significado de Betsaida como "casa da pesca", à relação entre cura e ensino, aos múltiplos significados simbólicos da natureza selvagem, à apreensão visceral das barrigas vazias, às reminiscências da produção de alimentos (e, portanto, dos papéis de gênero) e à antecipação do banquete messiânico.
Embora mencionando o fenômeno das "narrativas entrelaçadas", típicas do evangelista Marcos, Levine prefere analisar o milagre da mulher com fluxo de sangue e da menina morta relatado no Evangelho de Mateus (uma escolha que não me parece totalmente feliz). A estudiosa não deixa de observar como Mateus omite ou modifica vários elementos presentes no Evangelho de Marcos, para se concentrar na figura de Jesus.
Levine destaca fortemente a audácia da mulher, cujo medo final não deve ser confundido com vergonha, que ela não demonstra de forma alguma. Tanto no chefe da sinagoga quanto na mulher com fluxo de sangue, destaca-se a fé-confiança em Jesus, mesmo diante da morte já ocorrida. Em vários milagres, observa-se a fé do protagonista antes do evento; no Evangelho de João, é o próprio evento prodigioso ("sinal") que suscita a fé...
Um discurso delicado é o da impureza, ao qual a autora dedica alguns parágrafos. Isso dizia respeito principalmente à vida dos sacerdotes e à possibilidade de entrar no templo, mas não à vida cotidiana, onde os judeus estavam em contato contínuo com pessoas impuras, como os pagãos.
Levine enfatiza a importância do corpo das mulheres, tanto em dar a morte quanto em dar a vida. Marcos enfatiza mais o fenômeno literário das "narrativas entrelaçadas", onde a narrativa interna recebe significado adicional da externa e também contribui para a sua interpretação.
Os doze anos mencionados conectam o destino da menina e da mulher doente crônica. Ambas são curadas e ressuscitadas por Jesus, simbolizando Israel que deve encontrar seu esposo e a geração da vida e o Israel mais antigo que corre o risco de perder inutilmente o sangue, que é vida, sem encontrar Jesus.
Jesus percebe a fé-confiança da mulher hemorrágica e lhe dá não apenas a cura, mas também a salvação. Levine destaca como a salvação nos evangelhos não se refere à vida eterna, mas à plenitude da vida terrena.
A estudiosa não deixa de lembrar o debate sobre a questão de gênero, de classe social (o chefe de um lado e uma pobre mulher doente do outro), de influência econômica, de pertencimento familiar (a linguagem usada pelo chefe-pai), do significado de seguir (Jesus que segue...), da função do suspense na narrativa, da defesa da saúde, de um ato extraordinário de coragem, de uma separação entre problemas físicos (ou mesmo problemas "femininos") e vergonha, de Jesus que restaura a duas pessoas não apenas a vida, mas também a pureza ritual.
O evangelista Marcos é o único a relatar o curioso milagre da cura do cego de Betsaida, o único milagre relatado como realizado em duas fases. O contexto narrativo faz entender que o prodígio antecipa a profissão de fé em duas fases que Pedro fará à pergunta de Jesus na cena seguinte: "Mas vocês, quem dizem que eu sou?".
Levine menciona as conexões intertextuais com a história de Tobias, com outras histórias dos textos deuterocanônicos do Antigo Testamento e com o Timeu de Platão, bem como a problemática do nosso uso comum de "cego" para indicar a falta de discernimento espiritual (Levine rotula isso como um uso pejorativo a ser evitado), focando-se em Marcos não apenas nos milagres, mas no sofrimento, e no papel dos defensores dos cuidados de saúde até a necessidade de nosso personagem agora crente mudar de vida ("não entrar no vilarejo").
A narrativa destaca como até mesmo o leitor pode ser capaz de "ver" as coisas com novos olhos.
Este é um "sinal" realizado por Jesus e contado de maneira muito extensa, oferecendo uma miríade de insights interpretativos. Levine sugere levar a morte a sério.
Sem negligenciar o dado teológico de Jesus vencendo a morte, antecipando sua própria morte e ressurreição, com sua sensibilidade feminina, Levine se concentra intencionalmente em Lázaro (silencioso) e suas irmãs. A autora enfatiza a verdadeira e profunda humanidade de Jesus, verdadeiro homem, que chega a chorar diante de todos.
São destacados os elementos da fadiga emocional de viver com um parente gravemente doente e, em seguida, confrontar a morte de seu ente querido. Destaca-se como a doença e a morte podem unir e, ao mesmo tempo, dividir as famílias. (A autora sugere possíveis desentendimentos entre Marta e Maria, posteriormente resolvidos neste momento, em que ambas demonstram plena fé-confiança em Jesus, o Messias capaz de obter do Pai a vitória sobre a morte).
Levine enfatiza também a capacidade de expressar na oração até mesmo a decepção e até mesmo a raiva, concluindo a reflexão com a pergunta sobre o que nos tornamos após experimentar a morte: quem somos quando emergimos do túmulo?
A autora observa que não há apenas uma maneira "correta" de ler um texto. Cada encontro com as mesmas palavras pode gerar novas ideias - inesperadas - e trazer novas perspectivas que desafiam visões antigas. Cada pessoa e grupo hoje encontrará elementos novos nos textos. "Os milagres podem estar ao nosso redor, dependendo de nossas perspectivas".
Levine enfatiza como a salvação nos Evangelhos é lembrada como libertação da escravidão, vida plena. Os milagres chamam à necessidade de colocar as mãos na massa, de se tornar cuidador, de não abdicar das responsabilidades enquanto se ora a Deus.
Os milagres nos dizem que Jesus faz o que Deus faz, mas também que Jesus é um modelo para o que podemos fazer nós mesmos: podemos ajudar aqueles que estão sofrendo, percebê-los, sentar conosco, garantir que os lugares que frequentamos sejam acessíveis a eles (para que seus cuidadores não danifiquem o teto, como observa Levine com sua habitual ironia) e, assim, chamá-los de "irmão" e "irmã" ou "filha" ou "filho", pois eles também são membros da família humana. "Quando agimos assim, estamos nos envolvendo em atos de salvação" (p. 200).
É muito importante para a autora dissociar a deficiência ou contextos de perigo de um senso de irresponsabilidade pessoal. Não há culpa por trás do que acontece aos personagens envolvidos nas histórias de milagres. Não se deve procurar uma responsabilidade pessoal especial para quem se afoga no mar, como o avô da autora...
Dúvida e fé podem coexistir na vida dos homens e mulheres protagonistas das histórias de milagres. Ninguém tem uma fé perfeita, somos humanos, lembra a estudiosa. A leitura dos textos nos liberta do peso - e da culpa - de não conseguir sustentar as verdades "teológicas" da fé no momento da desesperança.
Levine despede o leitor com uma pergunta. Se sentimos que algo é um milagre, então o teste de validade deve ser a pergunta "E então?". Crer em um milagre, ou acreditar nos milagres, como isso muda nossas vidas? Como isso muda sua ideia da natureza, do corpo humano ou de Jesus? O que acende em você?
Um livro interessante, escrito de maneira simples e atraente, com uma abordagem única ao abordar os textos, que não deve desapontar, mas "iluminar" aqueles que estão acostumados a outros enfoques. Na página 113, linha 2 de cima para baixo, leia Mc 5,21-43; na página 129, linha 9 de baixo para cima, leia Mc e não Mt (portanto, Mc 5,29).
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Um guia para os milagres de Jesus. Artigo de Roberto Mela - Instituto Humanitas Unisinos - IHU