"Milagre deveria ser termo da neurociência", afirma Nicolelis

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07 Julho 2011

"A ciência é, de certa maneira, uma religião. Se a palavra "milagre" não tivesse sido adotada por outro ramo de negócio, deveria ser alocada na neurociência, porque fazemos umas coisinhas melhores", disse o neurocientista Miguel Nicolelis, na mesa que fechou a segunda noite da Flip, ontem, em Paraty.

A reportagem é de Roberto Vaz e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 08-07-2011.

Nicolelis - tido pela revista "Scientific American" como um dos 20 maiores cientistas do mundo- dividiu o palco com o filósofo Luiz Felipe Pondé, colunista da Folha, e com a jornalista Laura Greenhalgh, do jornal "O Estado de S. Paulo", responsável pela mediação do debate.

Ele abriu a conversa contando sua experiência à frente do Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke (EUA), onde conseguiu fazer uma primata, de nome Aurora, mexer um braço mecânico exterior a ela usando ondas cerebrais.

"Em troca, ela ganhava gotas de suco de laranja brasileiro. Primatas fazem qualquer coisa por suco de laranja brasileiro", brincou.

Nicolelis explicou que a ciência atravessa "um momento interessante, em que o cérebro do primata vai se libertar do corpo".

"É importante desmistificar o que vem a ser o cérebro e quais são os seus limites", disse Nicolelis, que fez sua apresentação se movimentando pelo palco.

Após relatar o experimento com a primata, o neurocientista exibiu imagens de exoesqueletos, máquinas ainda em teste, que deverão ser acopladas ao corpo humano para fazê-lo se mover baseado nos estímulos cerebrais.

Com a voz embargada, descreveu um ambicioso plano: "Quero que na abertura da Copa do Mundo, em 2014, uma criança quadriplégica ande até o centro do campo e execute o primeiro gol da ciência brasileira na história da humanidade".

EUGENIA

Em seguida, o neurocientista teve o cerne de suas ideias debatido por Luiz Felipe Pondé, que inseriu o projeto do exoesqueleto - ou de um ser humano sem imperfeições físicas - dentro de uma ideia de eugenia que permeia o Ocidente desde Platão.

"Sempre temo a ideia de ir além do humano; o que humaniza o homem é o fracasso. O sofrimento te busca, a vida sempre dá errado no final", disse, para em seguida apontar que ideias eugênicas, de perfeição, carregam em si riscos de monstros.

Foi prontamente rebatido por Nicolelis, que assegurou: "Dizer que o processamento das máquinas vai superar o processamento humano é a forma mais completa de charlatanismo científico".

O neurocientista garantiu que a imperfeição e o errar são inerentes à condição do homem.

"Se pudéssemos rebobinar a fita da evolução e soltá-la de novo, muito provavelmente não estaríamos aqui, porque as situações que surgiriam seriam outras."

E explicou: "Fenômenos humanos não podem ser reduzidos a um algoritmo. Cada um de nós tem um romance de vida que jamais vai ser computável".