Jesus, a fé, um paralítico, conflitos com as autoridades religiosas da Palestina e os atos terroristas em Brasília (Mc 2,1-12)

Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

13 Janeiro 2023

"Acolher na fé, praticar a fé, acreditar sempre, perdoar sempre são os caminhos apontados por Jesus, no confronto com as autoridades religiosas do Judaísmo, ainda que em certos momentos precisemos romper os tetos que paralisam a vida", escreve Frei Jacir de Freitas Faria, OFM.

Frei Jacir é doutor em Teologia Bíblica pela FAJE (BH), mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma e professor de Exegese Bíblica. É membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB), padre franciscano e autor de dez livros e coautor de quinze. YouTube: Frei Jacir Bíblia e Apócrifos.

Eis o artigo. 

O evangelho sobre o qual vamos refletir é Mc 2,1-12. Trata-se de uma passagem que compõe a primeira parte do evangelho de Marcos, isto é, Mc 1,14—3,16. A comunidade de Marcos recorda Jesus atuando em conflito com o sistema opressor romano e religioso da Palestina. Jesus, por estar ao lado dos enfermos, dos endemoniados, dos leprosos, da mulher, dos pecadores e dos transgressores da lei, está em constante atrito com os escribas, aqueles que copiavam os textos bíblicos; com os fariseus, os que interpretavam a leis; e com os herodianos, os leais defensores do cruel Herodes Antipas, que não queria perder o poder que Roma lhe havia confiado na Palestina. Qualquer semelhança com a nossa realidade é mera coincidência!

Estando na cidade de Cafarnaum, Jesus atua na casa (1,29; 2,1; 2,15) e confronta, em dia de sábado, com os seus adversários na sinagoga (1,21; 3,1), lugar oficial do poder das autoridades judaicas.

Em Mc 1,14—3,16, Jesus começa sua atuação na casa de Simão Pedro, fazendo com que um paralítico se levante e ande com as suas próprias pernas (2,1-12). No fim, na sinagoga (3,1-6), ele pede a um homem que tinha a mão atrofiada para se levantar e ir para o meio, lugar de destaque. No centro das narrativas estão três banquetes. Um com os pecadores (2,13-17), outro com os transgressores (2, 23-28). Por fim, no centro do bloco narrativo está o banquete nupcial (2,18-22), no qual Jesus é o noivo presente na festa, quando então não é permitido jejuar.

Em Cafarnaum, o povo ouviu falar que ele estava em casa. Então, muita gente se reuniu ali, de forma que não havia lugar nem junto à porta; e ele lhes pregava a palavra. Jesus rompe a barreira da sinagoga, prega a palavra e atrai multidões. Vieram quatro homens trazendo-lhe um paralítico, mas estavam impedidos de entrar por causa da multidão. Eles abrem o teto da casa para descer o homem com mobilidade reduzida. O número quatro representa o caráter universal da casa que se abre, por representar, no judaísmo, a universalidade. [1]

Quatro são os rios no jardim do Éden (Gn 2,10) que se abre ao mundo. O paralítico é o personagem central (vv. 3.4.5.9.10), ainda que o que mais chama a atenção no texto são os quatro que levam a Jesus. O paralítico está com um lado morto do corpo, por isso era marginalizado pela sociedade, pelos judeus.

Salta aos olhos o fato de Jesus não perguntar pela fé do paralítico e o destaque dado à atitude dos quatro homens que o levam, os quais representam a comunidade dos que creem. Interessante também é o fato de Jesus, agir como pai, ao chamar o intruso de filho. Com isso, ele passa a ter lugar na família de Jesus, está unido à comunidade. Jesus chama de filho somente os discípulos (10,24).

Quando Jesus diz ao paralítico: “os seus pecados te são perdoados”, acontece a integração do impuro na sociedade. A mutilação do corpo era considerada marca de uma culpa e, por isso, impureza. Somente os sacerdotes podiam possibilitar o perdão dos pecados mediante o complicado sistema do culto. Jesus, sendo Deus, rompe com esse sistema e estabelece o conflito.

Contrários ao paralítico que levanta, toma a sua cama e anda, os escribas e fariseus permaneciam sentados, paralisados nas suas crenças e crendo que tinham autoridade. Na verdade, eles é que são os verdadeiros paralíticos. A reação deles é de dizer que Jesus blasfema, pois quem poderia perdoar pecados seria somente Deus.

O olhar de Jesus é para os quatro e não para o paralítico. E foi pela fé deles que Jesus olhou para o paralítico que nada pediu. Para nós, restam alguns questionamentos: Como está a nossa fé? Somos capazes de carregar no colo os que necessitam de nossa ajuda ou estamos como os mestres da lei, sentados e apegados ao que diz a Lei? O brilho do olhar de Jesus transformou interiormente o paralítico, o que fez com ele fosse capaz de se levantar e caminhar com as próprias pernas em direção à comunidade que o acolheu. Acolher na fé, praticar a fé, acreditar sempre, perdoar sempre são os caminhos apontados por Jesus, no confronto com as autoridades religiosas do Judaísmo, ainda que em certos momentos precisemos romper os tetos que paralisam a vida.

Diante da temática do conflito estabelecido por Jesus, outra reflexão se impõe. A sociedade brasileira está vivendo momentos de acirramentos de posições antagônicas nas esferas política e religiosa. Os últimos quatro anos foram marcados pelo despertar da violência que mora dentro de nós, a partir do falso discurso em defesa da família, da religião, da pátria e contra o comunismo. A arma desenhada no punho da mão esteve na base da bestialidade que cheira a terrorismo, ao depredar os bens públicos em Brasília, afrontando a democracia brasileira, construída a duras penas, sob o regime ditatorial que matou, aprisionou, mutilou e paralisou a vida de muitos filhos e filhas de nossa pátria amada Brasil. Nada justifica o vandalismo! Essas atitudes não condizem com a fé ensinada por Jesus. Ele afrontou poderes, mas sem o uso da violência. Terrorismos, vandalismos não combinam com o ser cristão! Respeitar as diferenças e as decisões democráticas é o que nos unem na luta por um mundo justo, que inclui os empobrecidos. Mudemos o rumo de nossa história na paz e no bem.

Nota

[1] SOARES, Sebastião Armando Gameleira; JÚNIOR, João Luiz Corrêa; SILVA, José Raimundo, Marcos (Comentário Bíblico Latinoamericano), São Paulo/Aparecedia: Fonte Editorial/Sinodal, 2013, p.103.

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