O conflito permanente contra Lula. Artigo de Carlos Tautz

Palácio do Supremo Tribunal Federal é destruído, após atos terroristas no último domingo. (Foto: Valter Campanato | Agência Brasil)

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11 Janeiro 2023

"Pois, agora, como o seu 'programa', Lula manifesta a intenção de ir além de Getúlio. Mas, a história e o domingo em Brasília mostram que, muito mais do que apenas coragem e disposição pessoais, serão necessários a Lula também a preparação institucional e a mobilização permanente de sua base social", escreve Carlos Tautz, jornalista e doutorando em História Contemporânea na Universidade Federal Fluminense.

Eis o artigo.

Ainda procurando os culpados finais do ataque terrorista a Brasília, o governo Lula deve o quanto antes se preparar para situações de semelhante ou até pior gravidade, que acontecerão se o Presidente levar a efeito o "programa" anunciado durante a campanha em 2022.

Quanto aos saques e destruições do domingo (8/1), já são claras as culpas:

1. omissão dolosa do comandante do Exército, que fez desaparecer dois batalhões com responsabilidade constitucional de proteger os Palácios presidenciais;

2. conivência do sistema civil de inteligência, que ainda é influenciado pelo titular anterior, um general submisso ao ex-Presidente genocida;

3. a inexplicável confiança depositada pelo Ministro da Justiça no esquema de segurança prometido pelo Governo bolsonarista do Distrito Federal; e

4. o inaceitável 'acoelhamento' do Ministro da Defesa ao Comando Militar do Planalto, de orientação golpista.

De imediato, há uma lição a tirar dos ataques de domingo: é urgente a redefinição das competências constitucionais sobre a segurança do Estado e das representações internacionais no Distrito Federal. Não é possível que o Estado nacional deixe a sua segurança a cargo de um governo provinciano e dependente de questiúnculas de bairro como sempre foi e tende a ser o Governo do Distrito Federal.

A memória da desestabilização

Agora, dito isto, e levando-se em conta que Lula tentará efetivamente colocar o seu "programa" em prática, olhe-se para a frente. Como já temos em memória a receita da desestabilização aplicada contra governos petistas anteriores (2003-16), é mais ou menos lógico antever que se dará e como se dará a reação, caso Lula de fato cumpra o que prometeu na campanha.

Os inimigos não serão visíveis como na batalha campal da Esplanada; não se apresentarão mais de fardas verde-oliva cheirando a mofo nem de falsificadas camisetas amarelo-CBF. As ações do submundo golpista serão na maior parte do tempo invisíveis aos desatentos, mas permanentes e mobilizadoras de novos golpes.

A imprensa corporativa chamará o submundo golpista pelo genérico codinome "mercado", e só começaremos a nos dar conta de que já está em marcha a ação subterrânea desses poderosos inimigos quando as alvíssimas dondocas do Leblon voltarem a reclamar durante meia hora no Jornal Nacional dos inaceitáveis preços de tomates e batatas.

Nesse momento, os inimigos já terão organizado ostensivos boicotes (como é feito desde o Chile, 1973) sobre a parte da economia brasileira que resistiu à ferocidade privatista no continuum Temer-Bolsonaro. Muito em especial, sobre o que restou da Petrobras e as enormes reservas do pré-sal.

Os cinco pontos do "programa" de Lula

Provavelmente, o boicote ganhará as telas e as ruas quando Lula já houver anunciado a intenção de colocar em prática o "programa" informal de cinco pontos que ele adiantou em ao longo da campanha de 2022. O "programa", típico de uma "social-democracia tímida", é assim elencado pelo economista Eduardo Costa Pinto, professor da UFRJ:

  1. Na Petrobras, alterar a política de preços internacionalizados dos combustíveis e distribuir dividendos mínimos para retomar investimentos da companhia e colocar pelo menos R$ 150 bilhões anuais em circulação na economia real. Sob a Presidência do genocida, a Petrobras foi obrigada a entregar seus ativos para o mercado a preço vil, vender combustíveis e derivados a preços cotados em dólar e deixar de investir na urgente expansão de sua infraestrutura para entregar ilegitimamente o lucro a grandes acionistas privados nacionais e internacionais;

  2. Rever a reforma trabalhista, um dos eixos da absurda e atual taxa de lucro das grandes empresas. A reforma aumentou a exploração da força de trabalho e reduziu custos diretos e indiretos da produção, gerando lucros recordes para a "mega-burguesia";

  3. Aumentar o investimento público. Para isso, segundo Costa Pinto, seria necessário acabar com o teto de gastos e com todos os regimes fiscais;

  4. Colocar o pobre de volta no orçamento; e

  5. Colocar o rico no Imposto de Renda.

Como observa Eduardo, a "mega-burguesia", tanto a interna quanto a externa, não assistirá pacificamente a implantação de tal "programa". Se colocado em prática ele faria Lula se igualar, ou até superar, Getúlio Vargas, o presidente que até hoje mais influiu na construção das bases do capitalismo nacional.

Getúlio modernizou e formalizou o sistema de exploração do trabalho através da adoção de uma infraestrutura legal (a Previdência Social e a Consolidação das Leis Trabalhistas), e - ao criar a Petrobras e a Eletrobrás e prover o País da energia necessária à transformação da mercadoria -, deu as bases objetivas para a transformação e a reprodução em grande escala do capital no Brasil.

Em seus 580 dias na prisão, Lula - admitidamente - reviu dois pontos que até então eram pétreos na sua formação de metalúrgico pós-ditadura:

1. ex-Constituinte de 1986-88, Lula, que àquela época apoiou a definição do Brasil como território livre de bombas nucleares, admitiu que, hoje, votaria pelo direito de o País desenvolver a capacidade nuclear; e

2. ao ler a trilogia do jornalista cearense Lyra Neto sobre Getúlio Vargas, superou o preconceito (e inveja, comento eu) que a esquerda sempre dedicou ao ex-Presidente gaúcho.

Pois, agora, como o seu "programa", Lula manifesta a intenção de ir além de Getúlio. Mas, a história e o domingo em Brasília mostram que, muito mais do que apenas coragem e disposição pessoais, serão necessários a Lula também a preparação institucional e a mobilização permanente de sua base social.

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