29 Abril 2025
Artigo de Andrea Grillo, teólogo italiano, ao comentar o discurso do Papa Francisco na Universidade Católica de Lovaina, publicado por Come se Non, 26-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Se quisermos honrar a memória de um papa do qual acabamos de nos despedir para sempre, se quisermos olhar no fundo dos olhos dos milhões de fiéis que não estão dispostos a ouvir uma síntese burocrática de seu pontificado, se tivermos a coragem de subir naquele pináculo do templo, no qual Francisco se deixou tentar por 12 anos, então temos que levantar e ampliar nosso olhar.
Não entenderemos Francisco se o colocarmos no breve espaço de seus 12 anos de pontificado. Uma crônica, mesmo que detalhada, não é suficiente. Tampouco o entenderemos plenamente se o colocarmos em toda a parábola de sua vida, de 1936 a 2025. Já é bastante, mas não é suficiente. Para entender seu significado, devemos lê-lo em uma evolução secular, que marcou a Igreja Católica de maneira realmente profunda. Um teólogo sul-americano disse: “mas como foi possível que naquele 13 de março de 2013 pudéssemos reconhecer, naquele homem vestido de branco, mas fazendo coisas inauditas já nos primeiros minutos de seu pontificado, justamente um papa?” O teólogo respondeu imediatamente: “porque o Concílio havia nos dado o pressentimento”. Não é preciso dizer que o reconhecimento não foi fácil para alguns, mesmo depois de 12 anos. Se o Concílio Vaticano II não significou nada para você, Francisco continua sendo um estranho para você, talvez uma esquisitice ou até mesmo um perigo.
Aqui, então, está a questão mais importante: como podemos entendê-lo, se não o colocarmos entre as variações da história, talvez simpáticas, mas muito extravagantes e incisivas?
Acredito que Francisco, embora não de forma inequívoca e com uma consciência apenas parcial do que estava acontecendo nele e por meio dele, de repente nos mostrou um modelo não mais moderno de papado. Francisco iniciou um “novo modelo”, inaugurou uma “mudança de paradigma”. Ainda mais porque ele veio depois de Bento XVI, que representou, de certa forma, a realização do papado moderno, ou seja, tridentino e oitocentista. Com Francisco, sai-se desse paradigma de papado e igreja. Isso é feito de uma forma inicial, não totalmente coerente e claudicante, mas é feito. Na história, o modelo moderno da Igreja Católica nasceu com o Concílio de Trento. Para nascer, aquele modelo teve de repensar completamente o modelo medieval, transformando-o em “sistema”. O Concílio de Trento nos deu um “sistema” de referência garantido entre mundo e evangelho, de uma forma muito poderosa. Clerical, naquele modelo, significava relevante para o mundo e capaz de dialogar com ele. Aquele modelo entrou em crise com o surgimento do estado liberal. Assim, teve de se transformar, ao longo do século XIX, até resultar na versão oitocentista do modelo moderno, que vemos em sua forma mais evidente no Código de Direito Canônico de 1917.
Aqui, no entanto, nessa flexão da modernidade tardia, o paradigma eclesial começa a se dobrar sobre si mesmo.
Descobre (ou é forçada a descobrir) uma nova autorreferencialidade, a ponto de construir para si mesma um “ordenamento jurídico paralelo” que a imuniza do mundo. A Igreja autorreferencial é uma invenção dos séculos XIX e XX e se afirma, com soberania e com decisão, até a década de 1950. Nesse mundo, o adjetivo clerical muda de significado: ele se torna “contra o mundo moderno”.
O antimodernismo que caracteriza essa Igreja, muitas vezes sem qualquer consciência disso, era a negação mais radical do espírito com o qual o Concílio de Trento havia entendido seus “decretos de reforma”. A intenção era ser tridentinos, mas a grande ideia do Concílio de Trento estava sendo destruída.
O Concílio Vaticano II, como uma primavera inesperada, introduziu uma profunda revisão do modelo moderno, mas apenas inaugurou um espaço de reforma, que foi logo ocupado pela liturgia, mas a ela seguiu bem pouco. É por isso que, já no final da década de 1970, teve início uma fase de resistência ao Concílio Vaticano II, na qual os papas “pais do Concílio” se comportaram, por um lado, como pais ansiosos pelo destino de seus filhos, mas, por outro lado, como “pais senhores” que não davam confiança ao filho. O ponto máximo dessa resistência paterna ocorreu plasticamente quando Bento XVI, da janela do famoso “discurso da lua”, mas 50 anos depois, falou, mas apenas no início, de uma “felicidade do passado”, para depois chegar ao ponto de comparar a recepção do Concílio a uma experiência de “pecado original”: parecia um ponto sem retorno.
Por outro lado, a chegada do Papa Francisco disse, ao mesmo tempo, muitas coisas: o efeito de um americano (da cultura e da igreja americanas) sobre o governo romano; a experiência da igreja pobre da América do Sul que interfere nas intricadas e ricas diplomacias europeias; o uso, proposital e eventualmente inadequado, de uma linguagem não formal e livre pelo “soberano” (desde a “máfia que fede” a piadas de sogra ou citações de J. L. Borges); de parte daquele que as categorias jurídicas definem como infalível (sob certas condições) e dotado (sempre) de jurisdição universal e imediata, sendo o detentor, em sua pessoa, de todo o poder legislativo, executivo e judiciário (no Estado da Cidade do Vaticano e, mutatis mutandis, na Igreja), a inesperada confissão com a qual chega a dizer: “quem sou eu para julgar?”
Exemplar foi a maneira como Francisco olhou, nos primeiros anos de seu pontificado, dentro do primeiro grande caminho sinodal, para a “alegria do amor”. Ele fez isso saindo das categorias modernas, do modo tridentino e oitocentista de juridicizar o amor e de fazer da competência da Igreja sobre as “questões sexuais” a coisa mais importante, e, em vez disso, foi buscar no conhecimento pré-moderno dos medievais e no conhecimento pós-moderno da sociedade aberta. Coisas velhas e coisas novas, mas em um paradigma inédito.
No entanto, tudo já havia começado no discurso do cardeal Bergoglio antes da eleição, a partir da exigência de libertar a Igreja da autorreferencialidade, de pensar em uma “Igreja em saída”, ou seja, capaz de superar a característica mais acentuada da Igreja Católica depois de 1870, depois da perda do poder temporal. Aqui reside, em minha opinião, o sinal dos tempos, a “mudança de paradigma”: reabrir a Igreja à referencialidade para outras coisas, libertando-a da autorreferencialidade, significa sair das linguagens tridentinas, em si mesmas não autorreferenciais, mas que se tornaram assim à medida que foram interpretadas nos últimos dois séculos, para responder ao trauma da modernidade liberal. Não é por acaso que Francisco, em seus documentos mais importantes, como Evangelii Gaudium, Laudato si', Fratelli tutti, Desiderio desideravi, utiliza a teologia medieval, os santos, a literatura, a história, a arte, para romper com as categorias que tornam a tradição “rígida”. A imagem da “carne tenra” do famoso discurso em Florença, em 2015, talvez seja uma das figuras sintéticas mais poderosas do novo paradigma que Francisco introduz no papado e na Igreja.
“A doutrina cristã não é um sistema fechado, incapaz de gerar perguntas, dúvidas, interrogações, mas é viva, sabe inquietar, animar. Tem um rosto que não é rígido, tem um corpo que se move e se desenvolve, tem carne tenra: se chama Jesus Cristo.”
Esse modelo novo, mas tradicional, porque se nutre de uma tradição não moderna, que o Concílio Vaticano II havia introduzido como uma cascata de água pura e que as bombas eclesiais tentaram secar entre os anos 1970 e a primeira década do novo milênio, de repente, com Francisco, se viu falando e agindo no ponto mais alto da hierarquia. Não é coincidência o fato de ter sido traduzido como “pirâmide invertida”.
Essa imagem, aliada a um testemunho contínuo e a uma série de discursos e de medidas, não é garantia nem de inversão nem, manos ainda, de revolução. Mas assim como Francisco foi reconhecido graças a um pressentimento que o Concílio nos havia confiado 50 anos antes dele, no segredo dos corações, hoje nasce o pressentimento de que aquilo que vimos nascer em Francisco pode e deve agora crescer, dar-se formas, conteúdos e cores de novidade. Assim, com esse pressentimento firmemente fixado em nossos corações - e pelo qual devemos agradecer os 12 anos do papado de Francisco, mesmo quando não foram coerentes, mesmo quando perderam a incidência, mesmo quando pararam a imaginação e arrefeceram a inquietação - com essa esperança reacendida por ele, olhamos para a Igreja depois dele. Esse pressentimento daquilo que pode acontecer foi reaberto e realimentado por sua palavra e pelos seus gestos inesquecíveis, tão cheios de graça e tão ricos em fé, dentro de uma Igreja finalmente reconhecida em sua pluralidade de cinco continentes, na qual a unidade só pode ser construída na diferença acolhida e reconhecida, escutada e abençoada.
Acontece que Jorge Mario Bergoglio amava especialmente a música de Mozart. Até mesmo Mozart foi julgado superficialmente: “temperos demais” foi um dos julgamentos drásticos feitos por um de seus críticos contemporâneos. Não é incomum que os contemporâneos cometam erros, tanto sobre músicos quanto sobre papas. Até mesmo sobre o Papa Francisco, mais de um superficial terá dito: temperos demais. E talvez agora faça voto de que no futuro, em Roma, esses “graves excessos” sejam evitados. Mas, assim como em Mozart aprendemos a ouvir um grande clássico, precisamente graças aos seus temperos, que hoje nem sequer notamos, também em Francisco, graças ao pressentimento que concebemos dele, poderemos ler, mesmo em suas ondulações, o surgimento inicial e solene de um novo modelo de papado e de um paradigma sem precedentes de doutrina e disciplina eclesial. Se olharmos para o passado distante e para o futuro próximo, reconheceremos o traço inconfundível do magistério de Francisco dando frutos. Normalizar Mozart é sempre possível: mas todos se entediariam demais.