26 Abril 2025
"Se o Papa Francisco não desprezava o Ocidente, talvez fosse um adepto do terceiromundismo de viés sul-americano, um legado da aversão aos “gringos” e seus interesses mesquinhos em um continente onde as diferenças entre ricos e pobres são mais brutais, visíveis e flagrantes?", escreve Domenico Quirico, jornalista italiano, em artigo publicado por La Stampa, 24-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Francisco, o Papa da labuta, da dor e do sofrimento, era um inimigo do Ocidente livre, rico e consumista? Como é estranha essa sombra pegajosa que Bergoglio carregou consigo desde o início de seu pontificado em um mundo que se afunda em um turbilhão de palavras falsas e vazias. Muitos o acusam de ser contra: como se a tarefa da Igreja não fosse precisamente ser contra, contraposição obstinada e permanente; e não ajoelhamento diante do mundo, como teria dito Maritain, forma mortal de cronolatria. A salvação não é prometida aos “anawim”, aos pobres, aos humildes e aos mansos?
Mas a questão é mais radical: onde está esse Ocidente supostamente brilhante para que se possa detestá-lo e contestá-lo em nome do zarpar para outra, incorruptível margem? O que seria o Ocidente, quem o encarna, aqueles quem se alinha em uma fotografia de grupo que é, ao mesmo tempo, lamento e certeza, murmúrio e esperança, presente e futuro, vida cotidiana e utopia, em suma, História? Porque, se não for isso, é perda de tempo falar a respeito, politicamente e, mais ainda, teologicamente, quase uma heresia. O Ocidente que o Papa não teria amado seria, portanto, o desfile de excelências que estarão na primeira fila do seu funeral no sábado, na Praça de São Pedro: Trump, Von der Leyen, Macron e assim por diante, os alfaiates que costuraram e costuram a maior bancarrota política e talvez econômica do milênio. É Ocidente o argentino Milei com sua motosserra e seu suposto milagre econômico cheio de famintos? Será que o Ocidente são Musk e os outros senhores globais com a inteligência artificial e os satélites? O Ocidente seria a OTAN, a União Europeia e os zelosos defensores de nossos “valores”, exaltados tanto mais enfaticamente quanto mais se confirma sua cotidiana, suja mercantilização?
Será que seu anti-Ocidente consistia em um suposto putinismo, pecado mortal do qual os propagandistas mais rotos da guerra do Bem contra o Mal (russo) tiveram a cara de pau de acusá-lo? Como se sua constatação depreciada (que não foi seguida de fatos!) dos latidos da OTAN nas fronteiras da Rússia não fosse uma evidência banal, ao alcance de qualquer observador honesto da História recente.
O Papa não podia ser contra algo que não existe mais. No máximo, estava diante de um inimigo bem diferente desses publicanos liliputianos da globalização, da civilização da coisa: enfrentar o fracasso da ação messiânica, do fracasso contínuo na História da ação de Deus, o vazio e a sensação de ausência que tornam este tempo tão duro, vítreo e terrível.
Se o Papa Francisco não desprezava o Ocidente, talvez fosse um adepto do terceiromundismo de viés sul-americano, um legado da aversão aos “gringos” e seus interesses mesquinhos em um continente onde as diferenças entre ricos e pobres são mais brutais, visíveis e flagrantes? O continente dos “igalados”, uma palavra colombiana depreciativa que indica aqueles que lutam desesperadamente e quase sempre sem sucesso contra a desigualdade pessoal. Cabe se perguntar de que outra forma poderia ser depois de ter nascido, crescido e se tornado padre em uma cidade, Buenos Aires, onde a pobreza é uma vida sem promessa, sem saídas? Mas será que o terceiro-mundismo ainda existe quando a Índia e o Brasil são agora os novos gigantes econômicos e políticos, e são os golpistas sahelianos que acabaram com o eterno colonialismo da Republique e aboliram o francês, substituindo-o por línguas africanas? Parece estranho que ninguém tenha acusado Francisco de ter sido, quem sabe, um papa peronista (ou mais modernamente: populista) que aperfeiçoou, com seu carisma global, a antiga habilidade da Igreja Católica de ser a socorrista da história sem mudá-la, prometendo aos pobres a recompensa futura para que continuem a praticar a arte de ser pobres com paciência interminável.
No entanto, há alguma verdade nisso: quem são os humildes, os últimos, os pobres a quem esse Papa dedicou metodicamente sua palavra? Povo indiferenciado e sem classes, os pobres da Idade Média rebatizados de periferias do mundo, uma definição sugestiva, mas, em última análise, vazia, para além da vã solicitude e pietismo social.
Desde 2010, essas periferias do mundo vêm somando revolta a revolta sem, infelizmente, jamais conseguir construir uma verdadeira revolução. Esse era o problema que Bergoglio nunca enfrentou, exceto em termos de “ternura de Deus”. Mas será que a ternura é suficiente para uma história forçada a se render pela enésima vez aos terríveis precipícios da destruição? Não faltaram palavras, o sentido educado de um não esquecimento, palavras que se isolam uma espécie de vazio. Faltaram atos que, no fim das contas, são a única coisa que realmente conta: estar na Síria enquanto homens, e cristãos!, eram ameaçados e mortos por outros homens que, desumanizados pelo fanatismo, colocavam a máscara de Deus em seus rostos para matar. Estar na Ucrânia e na Rússia, fisicamente, não com as palavras do domingo, fisicamente perto dos mártires das trincheiras imolados pela loucura comum de seus líderes.
Aqui está: as três derrotas do Papa: a guerra, os migrantes e a China, o antigo sonho missionário de jesuítas como ele. A guerra, o escândalo dos escândalos, se eterniza, vai rezando seus piedosos rosários, se mistura incessantemente com lágrimas, silêncios abismais, mudez desesperada. Os migrantes são uma causa perdida. A China permanece em obstinado silêncio.