04 Dezembro 2024
A reportagem é de Sergio Rubin, publicada por Religión Digital, 12-03-2024.
Assim como nas longas minisséries das plataformas que tentam manter o interesse com efeitos, no também extenso “romance” da viagem do Papa Francisco à Argentina acaba de começar um novo capítulo com uma reviravolta surpreendente: Javier Milei, que teve como um de seus grandes objetivos ser o presidente argentino que recebe o primeiro pontífice argentino, perdeu o interesse em Francisco beijar sua pátria.
Pessoas próximas afirmam que Milei chegou à conclusão de que a eventual chegada do chefe da Igreja Católica no próximo ano, que será um ano eleitoral, poderia impactar negativamente as chances de sua força política porque acredita que não seria imparcial nos seus discursos devido às suas diferenças em questões como a justiça social, o papel do Estado e as alterações climáticas, e porque se oporia ao seu estilo de confronto.
Depois dos pedidos de desculpas do libertário durante a campanha pelas suas desqualificações e insultos ao pontífice, precisamente pelas suas posições econômicas e sociais - às quais Francisco respondeu sem nomeá-lo com comparações contundentes - e o abraço e encontro prolongado que tiveram com ele em Fevereiro no Vaticano, a relação parecia entrar num estágio de normalidade, marcado pelo respeito e pela cordialidade.
Milei chegou a exagerar e dizer que teve um contato fluido e descontraído com o Papa, ao mesmo tempo em que destacou que a Ministra do Capital Humano, Sandra Petovello, manteve o pontífice constantemente informado sobre as ajudas sociais que o governo fornece e que - ao contrário de outras áreas - não sofreu cortes orçamentários, questão que sempre preocupou particularmente Jorge Bergoglio.
Ao mesmo tempo, não faltaram as reivindicações de Francisco pela justiça social e pelo papel do Estado nas mensagens que enviou por ocasião dos colóquios no país, mas nem o presidente nem os seus principais colaboradores lhe responderam, enquanto o porta-voz presidencial, Manuel Adorni, disse que o governo respeitava as opiniões do Papa, embora este não partilhasse de algumas delas.
Assim como nem Milei nem os seus ministros disseram nada quando, em setembro, por ocasião de um encontro mundial de movimentos sociais no Vaticano, que contou com a presença de Juan Grabois, Francisco pronunciou as suas - até agora - críticas mais severas, apontando que o governo “em vez de pagar pela justiça social, ele usou spray de pimenta caro” em protesto.
A partir de então, Milei teria começado a perder o interesse pela visita papal, o que se transformou em aversão após o novo presidente do Episcopado, Dom Marcelo Colombo, declarar que o ano eleitoral não era mais um obstáculo para a vinda do Papa porque agora considera que nenhum espaço político quererá tirar partido da sua presença.
O sinal mais forte da mudança de atitude de Milei ocorreu na semana passada, quando o ministro das Relações Exteriores, Gerardo Werthein, não compareceu ao evento no Vaticano que marcou o 40º aniversário da assinatura do Tratado de Paz e Amizade com o Chile, após árdua mediação de cinco anos de João Paulo II diante do conflito fronteiriço na zona sul.
O próprio Werthein explicou durante entrevista ao TN que sua ausência se deveu a um pedido de Milei após as divergências que teve com seu homólogo chileno, Gabriel Boric, no momento dos discursos na recente cúpula do G-20 no Brasil, abordando questões como a economia, as políticas de gênero e as alterações climáticas.
Enquanto o Chile enviou à comemoração seu ministro das Relações Exteriores, Alberto van Klaveren - proposto há meses pelos dois países, não pelo Vaticano - liderando uma delegação que incluía o presidente do Senado, a Argentina teve uma representação de nível inferior com o embaixador no Santo Veja, Luis Beltramino, na frente.
Na ocasião, o Papa mostrou seu desconforto com o fracasso da chanceler de forma indireta: lembrando que quando foram comemorados os 25 anos do tratado, as então presidentes do Chile, Michelle Bachelet, e da Argentina, Cristina Kirchner, foram ao Vaticano, mencionando o último que teria irritado Milei ainda mais.
Muitos observadores políticos especulam que Milei - fortemente alinhado com Israel - também teria ficado chateado com Francisco por ter dito nos últimos dias que o Tribunal Penal Internacional deveria investigar, com base no que dizem os especialistas, se um genocídio está sendo cometido em Gaza com a ofensiva de o exército israelense.
Uma coisa é certa: embora por enquanto o governo esteja atrasando a transferência da sede da embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, no dia em que Milei realmente atingir seu objetivo terá que esperar pelas críticas do Vaticano, que vem promovendo uma campanha especial status durante décadas, uma cidade também reivindicada pelos palestinos e sagrada para judeus, cristãos e muçulmanos.
Curiosamente, nenhum representante do governo argentino esteve presente na semana passada à apresentação da exposição organizada em Roma pela Santa Sé sobre “Crucificação Branca”, o quadro de Marc Chagall, o referido quadro do Papa - ele tem uma reprodução pendurada em seu quarto - que evoca a origem judaica de Jesus e a perseguição do povo de Israel.
Além da alegada atitude de Milei, uma fonte do Vaticano confirmou categoricamente que o Papa mantém o desejo de visitar a Argentina, depois de no final da semana o líder peronista Julio Bárbaro ter declarado que esteve recentemente com o Papa e que lhe disse que “há não há razão neste momento” para vir ao país.
“O Papa tem o mesmo motivo de sempre, além do mesmo entusiasmo, de viajar à Argentina e ao Uruguai para confirmar os católicos na fé e transmitir a mensagem de unidade e de esperança que constitui o eixo do Ano Jubilar que a Igreja celebrará em 2025, e a data de sua chegada será decidida por ele”, disse a alta fonte do Vaticano.
Em todo o caso, Bárbaro interpretou que o Papa “guarda o seu regresso ao país para um momento em que tenha um maior sentido de unidade nacional” porque “aposta num encontro entre argentinos”, mas notou que Francisco “não vê-se como o motivador disso hoje dado que estamos muito longe de viver nesse clima.”
De resto, considerou que a visita que Milei e depois o vice-presidente lhe fizeram “permitiu a Francisco sair da jaula (partidária) em que querem envolvê-lo”, e depois de considerar “ridícula” a recomendação do Papa, ele disse que acabou descontente com Cristina pelo uso político que ela fez do vínculo.
Por fim, Bárbaro insistiu que Francisco “está à espera que o momento” chegue e que “tem vitalidade e energia” para o fazer acontecer. Como seria a mudança de atitude de Milei, nesse caso? Isso influenciaria sua decisão? De que maneira? A favor ou contra?
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Milei perdeu o interesse na viagem de Francisco para a Argentina? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU