22 Outubro 2024
A reportagem é de Sérgio Rubin, publicada por Religión Digital, 21-10-2024.
A demorada decisão do Papa Francisco de vir à Argentina não depende dele atualmente, mas está nas mãos de Javier Milei, dizem pessoas próximas ao Pontífice. O fato é que, embora Jorge Bergoglio tenha vontade de visitar seu país e até tenha definido o roteiro de seu eventual passeio por sua terra, ele quer que o presidente não apenas modere seus discursos belicosos e declarações agressivas, mas também promova um gesto de unidade nacional, explicam.
Francisco impôs esta condição porque acredita que num clima tão aquecido como o atual, tudo o que disser ou fizer na sua terra natal será objeto de polêmica e, portanto, a sua visita tornar-se-ia motivo de divisão em vez de unidade, como é seu grande desejo. Além do fato de que o que mais o preocupa é que a tensão política continua a crescer e passa da agressão verbal à agressão física, como tem acontecido em vários casos recentemente. E até estendê-lo ao delicado campo social.
“Francisco considera que hoje no seu país, para que as polêmicas e as tensões não continuem a crescer, não basta moderar as expressões, mas é necessário pôr em prática gestos que contribuam para uma melhor convivência porque com este nível de confronto o futuro da Argentina não será bom”, dizem as fontes. Ele acredita que o presidente da nação é o primeiro que deve dar o exemplo e enviar sinais conciliatórios.
A condição que o Papa estabelece coloca Milei em uma situação difícil. Acontece que Milei, por um lado, deseja ardentemente ser o presidente que recebe o primeiro pontífice argentino. Mas, ao mesmo tempo, deverá mostrar uma atitude perante a oposição e os vários setores que vai contra os caminhos que lhe permitiram chegar à presidência e que, na sua opinião, continuam a ser úteis para manter o apoio dos seus simpatizantes e disciplinar seus seguidores.
Não é a primeira vez que tensões políticas dificultam a decisão do Papa de vir. Com cada presidente, Francisco renovou a esperança de um clima melhor. Milei não foi exceção porque – além de sua personalidade explosiva – Jorge Bergoglio também lhe deu crédito, mas que o libertário – alertam fontes – está consumindo em alta velocidade, ao persistir em seus pronunciamentos destemperados.
No entanto, as fontes rejeitam que Francisco não queira colaborar com um melhor clima de convivência depois de ter criticado o governo no mês passado por usar spray de pimenta num protesto em vez de destinar o dinheiro para melhorar as condições de vida dos pobres. “Um belicoso que, ao governar alguém que não pertence ao partido do seu suposto simpatizante, o sabota, não se tornou pontífice”, sublinham.
Eles explicam, como têm feito desde que Jorge Bergoglio fez a pergunta num retumbante discurso perante os movimentos sociais, que o que Francisco disse deve ser tomado como um alerta para uma possível escalada da tensão social que poderia ser acompanhada por outra repressão e pela denúncia pela necessidade de trabalhar para evitar uma espiral do conflito.
Entretanto, Francisco já traça um possível itinerário pela sua terra natal, depois de passar pelo Uruguai, que – como prometeu à Igreja do país vizinho – fará parte da viagem sul-americana se se concretizar. E cuja data provável seria no início de março, depois dos meses de férias de verão e antes do início do processo eleitoral nacional.
Vindo de Montevidéu, Buenos Aires será a porta de entrada para o seu país. Embora não haja detalhes sobre esta etapa. Há quem diga que seria possível visitar um bairro populoso da grande Buenos Aires. Outros acreditam que, como fez João Paulo II, ele realizaria um encontro com empresários e outro com trabalhadores. E supõe-se que também iria ao santuário de Luján.
É claro que Jorge Bergoglio tem em mente visitar Santiago del Estero, cuja jurisdição eclesiástica obteve este ano o status de primado que Buenos Aires teve por ser a primeira diocese em parte do que viria a ser a Argentina. O que foi descrito como um reparo histórico. Além disso, elevou seu bispo, Vicente Bokalic, a arcebispo e o criará cardeal.
Ele também quer visitar Córdoba e Viedma. Assim, Francisco faria a “rota dos santos” porque a primeira santa argentina, Mama Antula, era de Santiago; o primeiro santo nascido e santificado no país, Cura Brochero, era de Córdoba, e o terceiro santo – embora nascido na Itália –, o enfermeiro salesiano Artémides Zatti, viveu e morreu em Río Negro.
Certamente, parte de tudo isso, ou muito, é motivo de conversa nestes dias entre o Papa e a liderança do episcopado argentino, que durante todo o mês está em Roma participando da segunda e última parte de um sínodo de bispos para avançar em uma Igreja mais participativa.
Em novembro, a Conferência Episcopal Argentina deverá eleger as suas autoridades para os próximos três anos, o que dará lugar a uma grande renovação porque muitos não podem continuar nos seus cargos devido a impedimentos estatutários. Assim, surgirá a nova liderança que terá que lidar com a organização da eventual visita papal. As novas lideranças terão de se coordenar com o governo nacional e as províncias que Francisco visita em questões de infraestrutura e segurança – além da preparação espiritual dos fiéis –, além do habitual “avançado” de uma delegação do Vaticano que supervisiona a organização das viagens dos papas.
As comemorações, as pessoas convidadas, os lugares que cada um irá ocupar exigirão muitos cuidados. Será preciso ver se, neste caso, os políticos e outros dirigentes vão facilitar ou complicar as coisas com candidaturas para estarem presentes nos primeiros lugares e poder reunir-se com o Pontífice.
Francisco não perde a esperança de que Milei o ouça, baixe o tom e faça realmente um gesto que contribua para a unidade nacional. Espera também que esta atitude seja acompanhada pela oposição e por todos os intervenientes na vida pública, e que isso melhore o clima político no seu país.
O Papa espera um milagre? Uma coisa é certa: o tempo está se esgotando porque uma viagem papal exige vários meses de preparação desde o anúncio oficial e, além disso, o início do processo eleitoral marca um limite. Para Francisco, boa parte da sua decisão está nas mãos de Milei.