15 Fevereiro 2024
Ele era “um imbecil”, alguém que “tem afinidade com comunistas assassinos”, “o representante do mal na terra", uma "pessoa nefasta", tornou-se "o argentino mais importante da história". Como as pessoas mudam. Javier Milei chegou a Roma para se encontrar com o Papa Francisco e, tendo abandonado a motosserra com a qual ganhou as eleições, o abraçou calorosamente. “Posso beijá-lo?”, “Sim, filho, sim”, respondeu-lhe o Papa, e Milei enterrou a cabeça em seu pescoço “como se fosse um filho pródigo”, concluiu La Nación.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por La Reppublica, 12-02-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Exceto ambos serem argentinos, o presidente e o Papa têm pouco em comum. O político “anarcocapitalista” insultou o pontífice durante a campanha eleitoral. Bergoglio pareceu estar respondendo a ele quando, poucos dias antes da votação, alertou os argentinos contra seguirem “os flautistas mágico” e “os palhaços do messianismo”. Era outubro, parece que uma era se passou. Porque desde então o tom mudou. Milei ainda não havia entrado na Casa Rosada quando o Papa lhe telefonou para desejar "votos de coragem e sabedoria". O que se fala durante uma campanha eleitoral, ele minimizou, “cai por si só”. O presidente o convidou a retornar à Argentina. E na segunda-feira aconteceu o tão esperado encontro.
A linguagem corporal mostrou plasticamente a conexão. O presidente, que na manhã de terça-feira retornou ao Vaticano para um encontro presencial, no dia anterior assistiu à missa de canonização da “Mama Antula”, a primeira santa argentina, na Basílica de São Pedro. Bergoglio imediatamente suavizou a tensão com uma piada. “Cortou o cabelo”, observou, sorrindo para o presidente famoso pela crista rebelde. Depois o caloroso abraço, repetido diante dos fiéis no final da celebração. "Obrigado por ter vindo, você que é por metade judeu", repetiu o Papa, e depois mais sorrisos, saudações, "até amanhã". Milei contou a uma rádio argentina que também se encontrará com Giorgia Meloni e Sergio Mattarella e disse estar confiante em ter um “diálogo muito frutífero”.
O presidente precisa do Papa. A sua draconiana reforma social suscita protestos. A Igreja argentina teme o aumento das desigualdades e a redução dos refeitórios sociais para os pobres.
“A ação da Igreja no campo social é preciosa”, garante Milei. Certamente convidará o Papa a voltar à sua terra natal, a sua presença traria “frutos de pacificação e de fraternidade entre todos argentinos”, já escreveu em janeiro, “desejosos de superar as nossas divisões e nossos os confrontos”.
Francisco, 87 anos, está avaliando uma viagem em dezembro, mas ainda está em dúvida. Ao cardeal de Montevidéu, nos últimos dias, confidenciou: “Se for à Argentina, irei também ao Uruguai”. Veremos. Enquanto isso, Jorge Mario Bergoglio estende um ramo de oliveira para Milei. Por realismo, mas não só. O desafiante do novo presidente, o ex-ministro da Economia Sergio Massa, não desfrutava da estima do Papa. Era o último representante de um clã político, o dos ex-presidentes Néstor e Cristina Kirchner, com quem já se desentendera quando era arcebispo de Buenos Aires. O temperamental Javier Milei é certamente singular, suas receitas ultraliberais estão a anos-luz das ideias de Francisco, mas o Papa sabe que foi eleito pelo povo argentino para dar uma sacudida num sistema emperrado. Bergoglio está convencido de que só através do diálogo poderá contribuir para o bem comum dos seus compatriotas. Na homilia da segunda-feira, recordou que mesmo no nosso tempo, como no tempo da santa argentina, “há muita marginalização, há barreiras para derrubar, doenças para curar: quantas pessoas sofredoras encontramos nas calçadas de nossas cidades!", exclamou.
O individualismo, disse Francisco aos peregrinos, é “um vírus a ser derrotado”. Os abraços e os sorrisos para Milei não são uma absolvição.
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A inversão de Milei, um abraço no Papa que definiu como “imbecil” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU