26 Abril 2025
Fabio Fazio sempre escolhe suas palavras com cuidado. Ele prefere não dizer nada se achar que não vale a pena ou que não é a pessoa certa para as expressar. Ao falar do Papa Francisco, sua voz se enche de emoção, com pausas frequentes e densas. “Sinto uma forte falta dele: Francisco foi uma pessoa especial para o mundo inteiro. Tive essa incrível aventura de conhecê-lo e ter o privilégio de sua estima e até mesmo de seu afeto. O que, obviamente, é uma dádiva incrível. Em um determinado momento, criou-se uma relação de confiança e, sim, ouso dizer, de afeto. E agora percebo o quanto sinto falta dele”.
A entrevista é de Alberto Infelise, publicada por La Stampa, 24-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Que tipo de pessoa foi Jorge Mario Bergoglio para você?
Tive imediatamente a ideia de uma pessoa fora do comum, de um intelectual de coração. Intelectual porque tinha uma preparação imensa, mas de coração porque tinha a capacidade única de compreender as pessoas, todas elas. Ele dava a sensação de estar falando diretamente com você, porque conhecia profundamente as pessoas. Era um intelectual que sujou as mãos andando pelas ruas, apertando as mãos, entre os humildes, entre os pobres.
Por que tantos se sentiam tão próximos a ele?
Porque ele chegava direto ao coração de uma forma direta, de uma forma simples. Ele era capaz, como acontece com os grandes, de dizer coisas de maneira simples, mas que eram a síntese de uma vida inteira de estudos e aprendizados. Quando chegava a dizer algo, dizia de forma tão simples que parecia natural, sem esforço.
Como quando dizia que “a guerra é uma loucura”?
Exatamente. Ele chegava a essa frase por um caminho complexo, que vai direto ao sentido das palavras: quando ele diz 'loucura', realmente quer dizer algo totalmente irracional, sem nenhum sentido lógico. Essa definição é a síntese de reflexões muito profundas.
Para ele, a simplicidade era um método?
Era um estilo de vida, um modo de ser. A aparente simplicidade, que o fazia chegar a todos, derivava de sua profunda experiência do espírito humano. As palavras vinham dele como um dom, de maneira direta, e dessa forma ele conseguia transmitir a verdade absoluta.
Como conseguia ser tão direto?
Em primeiro lugar, era muito físico, chegava perto das pessoas, deixava que elas o tocassem, o abraçassem. Na primeira entrevista que fiz com ele, ele me disse: ‘Quando vocês ajudam alguém que está pedindo esmola, vocês o tocam? ‘Daquele dia em diante, tudo mudou para mim. Eu nunca fazia isso. E ele explicou em poucas palavras que parte da ajuda também é feita de gestos de proximidade física, de compreensão.
Você sentiu a proximidade dele?
Sem dúvida. Ele tinha um dom extraordinário pelo qual você tinha a sensação de que ele estava falando justamente com você, de que lhe conhecia profundamente. Nada era estranho para ele sobre nossas fraquezas, nossas dúvidas, nossas esperanças. Ele sempre fazia com que você se sentisse incluído.
A proximidade com as pessoas, o amor acima de tudo.
Acho que foi um grande homem do Evangelho. Ele disse: 'Quem sou eu para julgar, poderia ter sido eu no lugar deles', falando sobre os detentos. Ele disse: 'Deus perdoa a todos: o perdão é um direito'. Temo que essa sua maneira de ser seja irrepetível.
Alguma vez você sentiu dificuldade em seu relacionamento com ele?
Na primeira vez que o encontrei, em um encontro particular, certamente me senti em dificuldade. Percebi imediatamente que tinha vivido um momento muito especial. É até difícil explicar em palavras: conversar com ele foi como estar no centro da história.
Foi difícil ter um papa como convidado para três entrevistas?
Pelo contrário, foi muito fácil, porque ele tornava tudo fácil. Ele escolheu entrar nas casas com um programa popular, com um diálogo de uma hora cada vez. Não havia preocupações, não havia nada que não pudesse ser abordado com ele. Ele não pediu nenhum tipo de consideração. Na última vez, em janeiro, não conversamos antes para combinar sobre o programa. Ele simplesmente me disse: 'Faça o que você quiser'.
Como conseguiu levá-lo ao ar?
Eu havia lhe pedido há muitos anos. E ele me disse: 'Deixe-me pensar, quando eu achar que está na hora, eu lhe ligo'. Na época, ele ainda me chamava de 'senhor'. Passaram-se pelo menos dois anos, até que, em uma quarta-feira, ele me ligou: 'Pensei bem, irei no domingo'. Assim que me recuperei da surpresa, perguntei a ele quem eu deveria contatar para organizar as questões práticas para levar uma equipe de filmagem ao Vaticano. ‘Ninguém, eu cuido disso: mande-me as placas das vans necessárias para a filmagem e eu as deixo entrar’. Só depois de muitos minutos consegui que me desse o número de uma de seus secretários para organizar todos os detalhes práticos. Ele foi convidado três vezes e falou sobre coisas muito importantes, perdão, a onipotência de Deus (‘Deus é onipotente no amor’), do mal, da alma humana.
Qual era a coisa que mais lhe importava?
A paz, acima de tudo, a loucura da guerra. E depois tentar fazer o bem concreto sempre que podia. Sei com certeza que ele cuidou de inúmeros pequenos casos que chegavam ao seu conhecimento. Ele se preocupava extraordinariamente com migrantes, pessoas doentes e sofredoras, prisioneiros. Para ele, esse cuidado significava simplesmente levar o Evangelho.
O que o encontro com Francisco significou para você?
Eu o vivi como uma dádiva que não pode ser desperdiçada. O encontro com ele mudou tudo para mim. Foi um evento tão poderoso que ainda preciso entender por que me aconteceu. Mas sei muito bem que terei de fazer algo para merecê-lo. Conhecê-lo foi ser tocado pela graça, ser o destinatário de uma dádiva muito preciosa.
Você sempre foi crente?
Sim, embora eu tenha sido um daqueles crentes que diziam 'eu sou crente, mas'. Pois bem, ele reaproximou aqueles crentes que acrescentavam um 'mas'. Ele nos pegou e disse 'não, nada de mas, venham'. Tenho certeza de que o próximo papa não poderá deixar de levar em conta o que Francisco foi. E espero que esse caminho de inclusão das pessoas continue em ritmo acelerado.
Sua voz agora é a de alguém que está sentindo uma falta verdadeira e profunda.
Porque é isso mesmo: é um momento profundo. E a falta do Papa Francisco é uma falta verdadeira.