12 Abril 2025
Empregados de uma loja do hortifruti na zona norte de São Paulo (SP) dormiam sobre colchões sujos e sem roupa de cama em um alojamento próximo ao mercado; local tinha odor de queimado em razão de incêndio recente, além de os banheiros terem cheiro de urina e suor
A reportagem é de Igor Ojeda, publicada por Repórter Brasil, 09-04-2025.
O Oba Hortifruti entrou, nesta quarta-feira (9), na Lista Suja do trabalho escravo por submeter 21 empregados a trabalho análogo ao de escravos em uma de suas lojas, na zona norte de São Paulo (SP). A empresa é um dos 155 novos nomes incluídos no cadastro do governo federal.
De acordo com a inspeção trabalhista, realizada em julho de 2023, os trabalhadores eram funcionários da unidade que atuavam no corte de vegetais e no atendimento aos clientes, entre outras funções, e estavam alojados em uma residência próxima.
Segundo o relatório de fiscalização, acessado pela Repórter Brasil, eles dormiam em colchões sujos e malcheirosos em uma casa atingida por um incêndio semanas antes, onde ainda pairava o cheiro de material queimado. Algumas paredes do imóvel estavam enegrecidas e havia peças de mobiliário chamuscadas. O documento ressalta que o risco de incêndio permanecia, em razão de fios queimados e desprotegidos no local.
Sem receberem roupas de cama, os trabalhadores usavam trapos e cobertores obtidos por conta própria. Repousavam também em sofás encardidos e com revestimentos rasgados, localizados em uma área externa da residência.
O alojamento não tinha armários, obrigando os funcionários do Oba a pendurar roupas e outros pertences nos beliches ou deixá-los diretamente sobre o chão imundo. Os banheiros eram úmidos e tinham cheiro forte de suor e urina. Na cozinha, a fiscalização encontrou utensílios e eletrodomésticos imundos, que se misturavam a pratos com restos de comida.
“À falta de lavanderia, roupas profissionais e pessoais (inclusive íntimas) eram lavadas sumariamente e mantidas de molho nos banheiros precários, nos quartos ou junto à máquina de lavar, para depois serem dependuradas nas camas, nas janelas e em pequenos arames esticados à guisa de varais, o que, considerada a atividade econômica do empregador – venda de alimentos –, representava até mesmo risco à saúde pública”, complementa o relatório de fiscalização.
Rede com mais de 70 unidades, especialmente no estado de São Paulo, mas também em Goiás e Distrito Federal, o Oba Hortifruti assinou um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público do Trabalho após o resgate. A empresa se comprometeu a não reincidir no crime de trabalho escravo e a arcar com as reparações de danos morais individual e coletivo.
A empresa foi procurada pela reportagem, mas não retornou. O espaço segue aberto a manifestações.
Divulgada pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) desde novembro de 2003, o cadastro é atualizado semestralmente. Ele torna públicos os dados de pessoas físicas e jurídicas responsabilizadas por submeter trabalhadores a condições análogas às de escravo.
Os nomes são incluídos após os empregadores autuados em fiscalizações do governo federal exercerem o direito de defesa em duas instâncias na esfera administrativa, e permanecem no sistema por dois anos. Eles podem fazer acordos para irem para uma lista de observação, o que demanda o cumprimento de uma série de critérios e compensações.
Apesar de a portaria que regulamenta a Lista Suja não impor bloqueio comercial ou financeiro às pessoas citadas, a relação tem sido usada por bancos e empresas para gerenciamento de risco, dentro e fora do Brasil. Por essa razão, as Nações Unidas consideram o instrumento um exemplo global no combate ao trabalho escravo.
Na atualização desta quarta-feira, as atividades econômicas com maior número de novos empregadores são criação de bovinos (21), cultivo de café (20), trabalho doméstico (18), produção de carvão vegetal (10) e extração de minerais diversos (7). Com a atualização, a lista passa a contar com um total de 745 nomes (veja todos aqui).