28 Março 2025
O cineasta premiado pela Academia por No Other Land como melhor documentário ficou nas mãos das forças de segurança israelenses por 15 horas. Sua família acusa os agentes de tê-lo espancado.
A reportagem é de Bianca Senatore, publicada por Domani, 26-03-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ballal foi hospitalizado após sua libertação. “Eles não querem que seja desmascarada a sua propaganda a respeito da gente. Eles contam a todos que somos terroristas, mas se alguém ganha um Oscar significa que nós também temos capacidade e talento”.
“Eles o espancaram, bateram em sua cabeça, estômago e canelas, foi agredido com pontapés. Agora ele está no hospital”. O relato é de Sami Huraini, um ativista de Masafer Yatta, mas, acima de tudo, primo de Hamdan Ballal, um dos dois diretores de No Other Land, que ganhou o Oscar de melhor documentário no último dia 2 de março, em Los Angeles. O cineasta palestino está agora internado no hospital depois de passar mais de 15 horas nas mãos das forças de segurança israelenses. Os soldados o levaram depois de um ataque de colonos no vilarejo de Susya, a 3 km de Masafer Yatta, exatamente onde é ambientado o documentário.
Ao anoitecer, um grupo de colonos com os rostos cobertos chegou ao vilarejo e começou a ameaçar os moradores palestinos com fuzis e porretes. Os cidadãos do lugar gritaram, tentaram se defender e impedir os colonos de entrar em suas casas. Quando dois homens pararam em frente à porta batendo na cabeça de sua esposa, Hamdan Ballal bloqueou o caminho e ficou entre eles e sua família.
Colono judeu ameaça est*prar cineasta palestino Hamdan Ballal "em nome de Deus".
— FEPAL - Federação Árabe Palestina do Brasil (@FepalB) March 27, 2025
Em vídeo de 4 agosto de 2024, colono judeu Shem Tov Luski invade a casa do palestino vencedor do Oscar Hamdan Ballal na Cisjordânia Ocupada.
Shem, o mesmo colono que atacou Hamdan essa semana, faz… https://t.co/Yu5Xy1SQGJ pic.twitter.com/IJXEFj8LMo
“Naquele momento”, nos conta Sami, “eles o agarraram pelos braços e, enquanto dois deles o arrastavam para fora, outro batia em sua esposa, enquanto as crianças gritavam”. De acordo com a reconstituição do acontecido, os colonos tentaram imobilizar Hamdan e, quando seus amigos tentaram libertá-lo, aqueles atiraram pedras. “Quando se refugiaram no carro”, explica o primo de Ballal, “continuaram jogando pedras até quebrarem o para-brisa”. Os colonos roubaram câmeras de segurança, quebraram preciosos reservatórios de água e mataram algumas ovelhas.
Poucos minutos após o início da agressão dos colonos, as forças de segurança israelenses chegaram e, no meio da confusão, prenderam o próprio Hamdan Ballal. Ameaçados com metralhadoras, os palestinos de Susya não puderam fazer nada além de documentar o que estava acontecendo, filmando a agressão e a prisão do cineasta com seus celulares.
Quando dois homens, Khaled Shanran e Nasser Shariteh, tentaram resistir, as IDF os prenderam. Os três homens foram amarrados e levados em carros de patrulha e depois transferidos para uma das bases das IDF. De acordo com a advogada de Hamdan Ballal, Lea Tsemel, os três homens foram amarrados, vendados e espancados por mais doze horas, sempre ao relento, sem nunca receberem uma gota de água sequer.
“Sabíamos que isso poderia acontecer, ele também o temia”, explica Sami Huraini, que também é advogado, “porque desde que ele ganhou o Oscar, Israel o tinha na mira. Mostrar ao mundo o que acontece em Masafer Yatta todos os dias fez dele um alvo”. Ao chegarem, os soldados das IDF acusaram Hamdan Ballal de organizar uma agressão contra os colonos da zona, invertendo assim a realidade dos fatos.
“A ocupação não quer que nenhum palestino tenha sucesso”, contam os membros da família de Ballal, ”eles não querem que alguém desmascare sua propaganda a respeito da gente. Israel quer contar a todos que somos terroristas; se um de nós chega até a ganhar o Oscar, isso significa que nós também temos capacidades e talentos que o mundo está nos reconhecendo”.
A notícia da prisão do codiretor de No Other Land correu o mundo, mas por mais de doze horas não houve notícias dele. Ele foi libertado na tarde de terça-feira, 25 de março, talvez também devido à repercussão midiática sobre sua prisão, mas estava em péssimo estado. “Ele está agora no hospital Alia de Hebron, mas não sabemos quando receberá alta”, explica seu primo Sami Huraini.
Enquanto isso, em Susya, a família de Hamdan está se preparando para outros possíveis ataques. O ataque da noite de segunda-feira foi apenas o mais recente dos ataques que os palestinos na área de Masafer Yatta e em toda a Cisjordânia ocupada sofrem todos os dias.
As agressões contra palestinos se tornaram ainda mais frequentes e violentas desde o início da guerra em Gaza, como um consenso não escrito aos colonos para arrebatar o máximo possível de terras dos palestinos.
De acordo com o Ocha (Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários), em 2024 houve mais de 2.000 ataques de colonos registrados e mais de 300 famílias foram forçadas a deixar suas terras. Em 2022, houve uma média de dois ataques por dia; no ano passado, se tornaram quatro. E nos primeiros meses de 2025, os ataques aumentaram.