31 Outubro 2024
Em uma assembleia próxima à fronteira de Gaza, colonos e líderes de extrema direita delinearam planos para reconstruir colônias judaicas na Faixa de Gaza e estender as fronteiras de Israel “do Eufrates ao Nilo”
A reportagem é de Rachel Fink, publicada por Chiesa di tutti, Chiesa dei poveri, 29-10-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Centenas de pessoas se reuniram na fronteira sul de Israel para um encontro comemorativo de dois dias intitulado “Preparar-se para o assentamento em Gaza”, desejando a “transferência voluntária” dos moradores Gaza e a redefinição das fronteiras de Israel para estendê-las “do Eufrates ao Nilo”.
Durante o evento, os participantes ouviram políticos de extrema direita e líderes do movimento dos colonos, que proclamaram sua ideia de reassentar uma presença judaica na Faixa de Gaza “em cada torrão de terra”, como declarou um dos palestrantes.
O evento começou com a construção de dezenas de cabanas provisórias a poucos passos da fronteira de Gaza. As cabanas, nas quais várias famílias passaram a noite, foram construídas, como de costume, para o feriado judaico de Sukkot, com o significado simbólico de um movimento para a reconstrução de colônias em Gaza.
“Hoje estamos em nossas casas provisórias deste lado da fronteira”, declarou o rabino Dovid Fendel, de Sderot. “Mas amanhã construiremos nossas casas permanentes do outro lado da fronteira.”
A atmosfera era festiva, apesar das sempre presentes ameaças à segurança. “Sei que a maioria dos nossos homens aqui está armada”, foi anunciado nos alto-falantes. “No caso de infiltração de terroristas, pedimos que não usem suas armas. Deixem isso para a segurança. É para a segurança de todos.” Praticamente todos os homens presentes estavam armados com metralhadoras M16 penduradas no ombro ou com uma pistola sobressaindo no bolso traseiro. Toda vez que se ouvia uma explosão vinda de Gaza, alguém gritava “Deus abençoe nossos bravos soldados”.
No final da manhã, dezenas de participantes se aglomeraram na maior cabana para ouvir um painel de oradores. Entre estes estavam familiares que perderam entes queridos em 7 de outubro e durante a guerra subsequente em Gaza, bem como membros do pequeno grupo de familiares de reféns que não participam das iniciativas do mais numeroso Fórum de Familiares de Reféns e Desaparecidos. Um deles foi Channah Cohen, cuja neta Inbar Haiman foi morta em 7 de outubro e cujo corpo foi levado para Gaza. “Estamos fazendo de tudo para que o corpo dela seja devolvido”, disse Cohen durante o debate. “Mas aqueles nazistas de lá não dão valor a nada além da terra. Então, quero tirar a terra deles, porque é a única coisa que eles entenderão.”
É uma ideia que, mais tarde, desenvolveu no palco a deputada do Likud, Tally Gotliv: “Temos que falar com nossos inimigos assassinos com a única linguagem que eles entendem, a terra deles”, disse Gotliv. “Colônias são iguais a segurança”, disse Gotliv, “ponto final”.
A conferência foi organizada pela Nachala, uma organização extremista de colonos liderada pela polêmica líder Daniella Weiss, que disse a um grupo de jornalistas: “Vocês serão as testemunhas de como os judeus irão para Gaza e os árabes desaparecerão de Gaza”.
A ministra da Igualdade Social e parlamentar do Likud, May Golan, dedicou a maior parte de seu discurso a se insurgir contra o que chamou de “a esquerda venenosa e elitista” antes de voltar à mensagem: “Nós os atingiremos onde dói, na sua terra”, disse Golan, referindo-se aos habitantes de Gaza. “Qualquer um que use seu torrão de terra para arquitetar outro Holocausto receberá de nós, com a ajuda de Deus, outra Nakba [a limpeza étnica dos palestinos em 1947-49, ndt] que contará a seus filhos e netos nos próximos 50 anos.”
O palestrante que teve a recepção mais calorosa foi o Ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir. “O que aprendemos este ano é que tudo depende de nós”, começou Ben-Gvir. “Somos os proprietários desta terra. Sim, passamos por uma terrível catástrofe em 7 de outubro. Mas o que temos que entender, um ano depois, é que muitos israelenses mudaram de opinião. Mudaram sua maneira de pensar. Entendem que quando Israel age como legítimo proprietário desta terra, é isso que traz resultados.” “Eu vejo isso nas celas dos terroristas”, continuou ele. “Tiramos deles os sanduíches com geleia. Tiramos o chocolate, as telas de televisão, as mesas de pingue-pongue e o tempo para atividades físicas. Vocês deveriam vê-los chorando e gritando em suas celas. E essa é a prova: quando decidimos, conseguimos, temos sucesso.” “Incentivaremos a transferência voluntária de todos os cidadãos de Gaza”, declarou ele. “Ofereceremos a eles a oportunidade de se mudarem para outros países porque esta terra pertence a nós.”
Sarah Himmel viajou de Beit Shemesh [cidade israelense perto de Jerusalém, ndt] para participar da conferência. Ela diz: “Acredito que esta terra é nossa e que deveríamos viver aqui felizes e seguros. Aquilo de que estamos falando aqui é de voltar a lugares onde costumávamos viver, lugares que deixamos os terroristas ocuparem. E enquanto permitirmos que isso continue, continuaremos a viver com medo, continuaremos a ser mortos.”
Um pequeno grupo de manifestantes se reuniu no estacionamento próximo para expressar sua consternação. Agitando bandeiras amarelas e carregando pôsteres dos reféns, os manifestantes tentaram fazer com que suas vozes fossem ouvidas. “Estamos aqui para protestar contra essa horrível conferência”, disse Yehuda Cohen, pai de Nimrod Cohen, sequestrado em 7 de outubro. “Esses partidos políticos messiânicos estão aqui para explorar cinicamente meu filho, que está em um túnel em Gaza há mais de um ano, depois que o mandei para o exército.”
Os manifestantes estavam sob proteção policial maciça, que também os impedia de se aproximar a menos de 90 metros da zona do evento. “Obviamente, a polícia aplica um padrão duplo”, disse Cohen, ”deixando os colonos fazerem o que quiserem, enquanto nós, que estamos lutando para salvar vidas, estamos confinados e não temos permissão para passar.”
Enquanto ele e os outros gritavam slogans com megafones, um dos participantes da conferência, que estava saindo, baixou a janela do carro. “Vocês não vão nos parar”, gritou ele, rindo. “Nenhum de vocês vai conseguir. Estamos indo para Gaza. Por que vocês não se juntam a nós?”
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Os projetos dos colonos após a conquista de Gaza. O que está em jogo. - Instituto Humanitas Unisinos - IHU