20 Março 2025
Os funcionários de um escritório público bastante desconhecido que oferecia serviços tecnológicos e de consultoria aos americanos estavam no trabalho no dia 3 de fevereiro passado, quando Elon Musk escreveu pela primeira vez uma mensagem no X (ex-Twitter) sobre a unidade que os abrigava: “Este grupo foi apagado”.
A reportagem é de Nick Robins-Early, publicada por El Diario, 18-03-2025.
O homem mais rico do mundo respondia assim à mensagem no X de um ativista de extrema-direita que afirmava falsamente que o 18F, escritório dependente da Administração Geral de Serviços (GSA, na sigla em inglês), era na realidade uma célula de extrema-esquerda. O ativista acusava esta unidade de serviços tecnológicos de criar um programa para que os funcionários preparassem as declarações de imposto de renda dos cidadãos.
Na realidade, essa unidade havia impulsionado uma plataforma para que os cidadãos pudessem apresentar suas declarações gratuitamente, em um país onde, devido à complexidade do sistema, muitos cidadãos se veem obrigados a contratar um advogado ou consultor para fazer a declaração. Era uma das várias afirmações falsas sobre o escritório que circulavam no X, rede social de propriedade de Musk, à qual ele parece dedicar grande parte de seu dia.
A publicação de Musk desencadeou imediatamente muita confusão. Mais do que uma conspiração radical de esquerda, o 18F é uma unidade que colaborava com agências governamentais e as aconselhava no desenvolvimento de soluções de software que permitissem ser mais eficazes. Ex-trabalhadores e um funcionário que ainda trabalha na GSA descrevem o 18F como uma unidade de negócios focada na prestação de serviços tecnológicos e na melhoria da eficiência dentro do governo; exatamente o trabalho que, supostamente, desempenha o "departamento de eficiência governamental" de Musk (DOGE).
No momento em que Musk pediu a supressão do 18F, as agências que cooperavam com a unidade em projetos de tecnologia civil que já estavam em andamento e que seriam essenciais para atualizar suas operações ficaram sem respostas. Continuariam recebendo essa ajuda? O que Musk quis dizer com “apagamento”? O que aconteceria com as ferramentas tecnológicas que o 18F estava criando? Segundo três ex-trabalhadores, o pessoal não obteve uma resposta clara dos novos dirigentes da GSA, alinhados com Musk, e não sabia o que dizer às outras agências.
A confusão durou semanas, até que por volta da 1h da manhã de sábado, 1º de março, os trabalhadores do 18F receberam um e-mail informando sobre o desligamento e o fechamento do escritório “com instruções explícitas dos responsáveis máximos do governo e da GSA”. Cerca de 90 empregados do 18F foram demitidos de forma sumária, e todos tiveram seus dispositivos bloqueados imediatamente.
Os boatos e o posterior desmantelamento da unidade de serviços tecnológicos seguem um padrão comum de como Musk parece absorver e contribuir para a difusão das falsidades que circulam pela internet. Também reflete a influência dos meios de comunicação e ativistas de extrema-direita sobre Musk, que não hesita em transformar em alvo de ataque e eliminar agências governamentais que acredita não se alinhar com sua visão ideológica do mundo.
Na semana seguinte ao desmantelamento da unidade de serviços tecnológicos, o recém-nomeado chefe dos Serviços de Transformação Tecnológica da GSA, que supervisionava o 18F, convocou uma reunião para explicar a decisão. Thomas Shedd, um ex-engenheiro de software da Tesla de 28 anos e aliado de Musk, explicou que havia enviado pessoalmente o e-mail informando sobre as demissões em massa. Na reunião com sua equipe, ele disse que a 18F foi fechada porque as tarifas por hora dos empregados eram muito altas e que contratar consultores externos seria mais barato.
Shedd não respondeu diretamente ao pedido do The Guardian para expor sua versão para este artigo. Em vez disso, um porta-voz da GSA enviou a seguinte resposta: “Após uma revisão abrangente da unidade 18F, a direção da GSA, com o consentimento do Governo e seguindo todas as diretrizes da Oficina de Gestão de Pessoal (OPM, na sigla em inglês), determinou que a unidade de negócios não estava alinhada com as ordens executivas presidenciais nem com as atividades-chave ou exigidas por lei”.
O porta-voz também argumentou que a unidade de informática não era sustentável do ponto de vista econômico. Segundo ex-funcionários, essa explicação interpreta mal o funcionamento do 18F e sua estrutura de custos, além de ignorar que a unidade frequentemente economizava dinheiro para as agências ao desaconselhar contratos caros e desnecessários com fornecedores privados. Ex-funcionários da unidade e um funcionário ativo da GSA alegam que as demissões têm motivação política. Um funcionário da GSA, que falou anonimamente por medo de represálias, apontou que a única razão para a eliminação do 18F antes de outras unidades é “agradar a Elon Musk”.
O 18F é bastante desconhecido pelo público, embora tenha trabalhado ao longo dos anos com muitas agências governamentais e contribuído para criar serviços amplamente utilizados. A unidade ajudou, sem alarde, a criar dezenas de serviços em diferentes escritórios, incluindo o sistema gratuito de declaração de impostos Direct File da Agência de Arrecadação de Impostos. Muitos projetos de software dessa unidade de serviços tecnológicos, como a simplificação do site meteorológico do governo para facilitar seu uso em caso de desastres naturais, visaram melhorar a eficiência dos serviços governamentais e reduzir os custos para o contribuinte.
Ao afirmar que havia “eliminado” o 18F, Musk reproduziu uma mensagem no X de 3 de fevereiro do ativista de direita Alex Lorusso, produtor do influenciador conservador Benny Johnson, que interage frequentemente com Musk na rede social de propriedade do magnata. Lorusso, que foi expulso do Twitter em 2020 por violar as regras sobre manipulação e conteúdo lixo da empresa, é um dos vários influenciadores de direita a quem Musk dá espaço regularmente no X, e o governo de Donald Trump chegou a tentar recrutá-lo. Trabalhou como consultor para o comitê de ação política criado por Musk durante a campanha presidencial e é um grande admirador do multimilionário. A primeira postagem de seu perfil no X, fixada na parte superior para que ninguém perca, é uma foto sua de 2023 sorrindo ao lado de Musk.
A postagem de Lorusso afirmava que o 18F “coloca os funcionários do governo preparando as declarações de impostos dos cidadãos” e sugeria que se tratava de um “escritório de informática de extrema-esquerda”. Suas afirmações foram corrigidas posteriormente por outros usuários da rede em uma nota comunitária. Nela, explicava-se que o escritório ajudou a criar um serviço que permitia aos americanos apresentar suas declarações de impostos gratuitamente pela internet, um projeto piloto popular que economizou milhões em taxas fiscais e que seria expandido para todo o país.
A publicação de Lorusso, assim como a de Musk, ecoava outra mensagem no X de outra figura conservadora dos meios de comunicação. Luke Rosiak, redator do site de notícias conservador Daily Wire, havia publicado em um longo fio no dia 31 de janeiro contra o 18F. No seu texto, ele a chamava de “agência de extrema-esquerda” e “aquelarre de transexuais e queers que se contratam uns aos outros”. O fio incluía os perfis de vários ex-funcionários do 18F que usavam o pronome they (pronome neutro em inglês) em seus perfis, assim como capturas de tela da campanha de arrecadação coletiva de um funcionário para um tratamento médico de afirmação de gênero. Ele também se baseou em artigos publicados em 2023 por Rosiak sobre a GSA e o 18F, sugerindo que as políticas de discriminação positiva na contratação, para promover a diversidade, haviam causado grandes falhas de segurança na unidade. Ex-funcionários afirmam que essa alegação é falsa. O primeiro comentário de Rosiak sobre a unidade de informática recebeu mais de 13,5 milhões de visitas. Musk o replicou em sua conta.
Ex-funcionários do 18F afirmam que o ataque de Rosiak contra a unidade de informática continha afirmações falsas. O redator do Daily Wire alegava que a entidade colocou em risco a segurança de um milhão de americanos porque se recusou a inserir software de reconhecimento facial no site governamental login.gov por motivos de “equidade racial”. Segundo um ex-funcionário, a alegação confunde diferentes unidades da GSA e ignora questões de segurança relacionadas ao reconhecimento facial, além de culpar o 18F por decisões tomadas por outras unidades de negócios.
Segundo um relatório do inspetor geral de 2023, é verdade que a GSA teve que responder a um escândalo quando o ex-diretor de Serviços de Transformação Tecnológica, Dave Zvenyach, distorceu o nível de segurança com o qual o login.gov funcionava. No entanto, o login.gov é há anos uma entidade separada do 18F, com outros trabalhadores. De acordo com um ex-funcionário da 18F, foi realizada uma análise de equidade racial na tecnologia de reconhecimento facial, mas porque o software em questão se destacou negativamente por reconhecer pior os rostos de pessoas não brancas e, portanto, utilizá-lo como ferramenta de verificação de identidade teria criado problemas de segurança para os usuários.
“Acho que as pessoas hiperpolitizadas não conseguem conceber que os funcionários deixem suas ideias de lado quando trabalham para o governo”, disse um ex-funcionário do 18F em resposta às críticas agressivas de conservadores contra essa unidade de informática.
O The Guardian entrou em contato com o Daily Wire para obter sua versão dos fatos. Um porta-voz disse que o artigo de Rosiak sobre o 18F “fala por si mesmo”. Após as demissões em massa, alguns ex-funcionários criaram um site onde tentam responder aos argumentos de grupos de direita que afirmam que a unidade era uma facção esquerdista dentro do governo. No site, também chamam atenção para a grande quantidade de projetos que realizaram ao longo dos anos. Outros ex-funcionários apontaram que as demissões são uma demonstração de que Musk e a administração Trump atacarão outras agências com base em motivos ideológicos, mais do que no conteúdo de seu trabalho.
“Fomos a prova viva de que os temas de conversa do governo Trump se baseiam em mentiras. Os serviços governamentais podem ser eficientes”, afirmou Lindsay Young, ex-diretora executiva do 18F, em uma mensagem no LinkedIn: “Isso nos colocou na linha de frente”.