19 Março 2025
As recentes imagens do Papa Francisco no Hospital Gemelli, visivelmente envelhecido e mostrando sinais de sofrimento, reabriram um antigo debate: os papas devem permanecer ativos até o fim de seus dias? A história recente do papado mostrou os danos físicos e mentais que o exercício do poder pode causar em um homem idoso, especialmente em figuras como João Paulo II, que suportou a última fase de seu pontificado com uma evidente deterioração que o deixou praticamente incapacitado.
O artigo é publicado por Ataque al poder, 17-03-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em um mundo em que a expectativa de vida aumentou e a medicina permite que a vida seja prolongada além da plena capacidade de cada um, a liderança da Igreja Católica continua presa a uma lógica que associa a permanência no cargo à vontade divina. Essa visão, no entanto, não só pode afetar a capacidade de governo da Igreja, mas também impõe um sacrifício desnecessário aos próprios papas. A renúncia de Bento XVI em 2013 marcou um ponto de virada na história do papado, mas não foi suficiente para consolidar uma norma sobre a aposentadoria dos bispos de Roma.
A Igreja, como qualquer outra instituição, precisa de uma liderança dinâmica e ativa. Um papa idoso, enfraquecido pelo peso dos anos, inevitavelmente delega responsabilidades às pessoas mais próximas a ele, com o risco de que o poder real acabe nas mãos de outros. No caso de João Paulo II, a fase final de seu pontificado foi marcada pela crescente influência de seu secretário pessoal e da Cúria do Vaticano, que tomavam decisões em seu nome, enquanto o pontífice se mostrava cada vez mais frágil. Essa situação não apenas questionou a governança efetiva da Igreja, mas também projetou uma imagem de sofrimento desnecessária.
A tradição católica exalta o valor do sacrifício, vendo o sofrimento como uma forma de se aproximar de Deus. Entretanto, essa visão não pode ser aplicada indiscriminadamente à gestão da Igreja. A insistência de que os papas devem morrer durante o seu mandato, independentemente de sua saúde, é uma visão anacrônica que contradiz a própria mensagem sobre a dignidade humana que a Igreja defende. Permitir que um pontífice se aposente com honra, quando sua saúde assim o exigir, é uma questão de humanidade e de responsabilidade institucional.
O Papa Francisco celebrando missa em hospital após um mês internado (Foto: Santa Sé)
Outro argumento a favor da aposentadoria papal é a possibilidade de uma renovação doutrinária e pastoral. A Igreja Católica se vê enfrentando desafios constantes que exigem respostas rápidas e uma adaptação às realidades do mundo contemporâneo. É improvável que um papa idoso e debilitado consiga empreender com energia as reformas necessárias ou responder prontamente às crises que poderiam se apresentar. A permanência indefinida no cargo limita a capacidade da Igreja de se renovar e se conectar com as novas gerações.
Além disso, a renúncia ao papado não deveria ser vista como uma exceção, mas como uma norma natural dentro de uma estrutura hierárquica que, de fato, já prevê a aposentadoria obrigatória dos bispos aos 75 anos de idade. Não há justificativa teológica que obrigue um papa a permanecer no cargo até a morte. Em vez disso, trata-se de uma construção histórica, que foi consolidada ao longo do tempo, mas que poderia mudar se fosse decidido institucionalizar um limite de idade ou a possibilidade de renúncia voluntária, sem implicar com isso numa crise de autoridade.
O caso de Francisco é particularmente significativo porque seu pontificado foi marcado pelo debate sobre a renúncia. Em mais de uma ocasião, ele mencionou a possibilidade de seguir o exemplo de Bento XVI, embora até agora tenha preferido permanecer no cargo apesar de seus problemas de saúde.
No entanto, o risco de a Igreja assistir mais uma vez a um papado marcado pela doença e pela incapacidade está se tornando cada vez mais evidente. A imagem de um papa doente, sob cuidados médicos constantes e com limitações físicas evidentes, não apenas inspira compaixão, mas também levanta questionamentos legítimos sobre o fato de mantê-lo no cargo. É hora de a Igreja reconhecer que o papado não pode ser um peso que um homem deve carregar até o ponto de agonia. A dignidade da pessoa deve estar acima de qualquer símbolo de autoridade e a saúde da Igreja não pode depender da resistência física de um único homem. Institucionalizar a possibilidade de aposentadoria papal não é um sinal de fraqueza, mas um ato de bom senso e de humanidade que permitiria que os papas vivessem seus últimos anos em paz, sem a pressão de um cargo que exige plenitude de faculdades.
O futuro do papado depende da capacidade da Igreja de se adaptar à realidade do tempo presente.
A renúncia não deve ser vista como uma abdicação de responsabilidade, mas como um gesto de responsabilidade e de amor pela Igreja. A imagem de um papa idoso e sofredor não é um testemunho de força, mas um lembrete de que até mesmo os líderes espirituais são humanos e merecem uma aposentadoria com dignidade.
Mas esse problema não diz respeito apenas aos papas; diz respeito a uma estrutura de poder monolítica e piramidal que concentra a autoridade em uma única figura, deixando nas sombras aqueles que realmente puxam as cordas do Vaticano. Enquanto a Igreja mantiver um sistema no qual os mecanismos de poder são perpetuados nos mesmos círculos de influência, a modernização será uma tarefa sem solução. É hora de questionar não apenas a idade dos papas, mas também a maneira como o poder é exercido dentro de uma instituição que prega a humildade, mas opera com uma rigidez característica dos regimes mais secretos.