12 Março 2025
Um antigo ditado sobre o Vaticano afirma que “o papa nunca fica doente até morrer”, e essa posição se manteve verdadeira em vários ciclos de crises de saúde papais ao longo da história recente, até agora, com a atual internação hospitalar do Papa Francisco.
A reportagem é de Elise Ann Allen, publicada por Crux, 11-03-2025.
Durante a internação de quase um mês de Francisco no hospital, um dos elementos mais notáveis da provação foi o nível sem precedentes de detalhes fornecidos em seus boletins médicos diários.
Desde que o papa foi internado no Hospital Gemelli, em Roma, em 14 de fevereiro, para tratamento de bronquite, com os médicos posteriormente diagnosticando uma infecção respiratória complexa e pneumonia dupla, o nível de transparência do Vaticano sobre sua condição tem sido surpreendente para muitos observadores de longa data que se lembram de como, mesmo 20 anos atrás, isso era quase impensável.
Os boletins médicos do Vaticano, compilados pela equipe médica que trata do Papa Francisco e aprovados pelo próprio pontífice para publicação, foram francos quanto ao seu diagnóstico e às crises ocasionais que surgiram.
Detalhes desconfortáveis, como o papa tendo uma crise respiratória na qual inalou seu próprio vômito, e espasmos brônquicos devido a um grande acúmulo de muco, em cada ocasião exigindo que os médicos aspirassem seu trato respiratório, são novidades e surpreenderam observadores mais acostumados ao sigilo sobre tais assuntos.
A saúde papal é um assunto que as autoridades religiosas tradicionalmente tratam com negação e ofuscação.
Em 19-08-1914, por exemplo, o jornal L'Osservatore Romano publicou um editorial mordaz condenando comentaristas não identificados que haviam sugerido no dia anterior que o papa reinante na época, Pio X, estava sofrendo de um resfriado. Em menos de 24 horas, Pio X estava morto.
Mais recentemente, embora especulações tenham começado a surgir em meados da década de 1990 de que o Papa João Paulo II poderia estar sofrendo dos sintomas da doença de Parkinson, o Vaticano nunca confirmou oficialmente a doença até pouco antes da morte do papa polonês em 2005.
Mesmo nos últimos anos de João Paulo II, o esforço para fazê-lo parecer mais forte do que realmente era continuou.
Isso é evidenciado por uma história agora famosa entre os analistas do Vaticano, na qual, depois que João Paulo II passou por uma traqueostomia no fim de fevereiro de 2005, um porta-voz do Vaticano na época afirmou no dia seguinte que o papa havia comido 10 biscoitos, criando uma situação embaraçosa para os médicos que tiveram que esclarecer os fatos; um paciente com um tubo traqueal, eles disseram, não estaria em condições de engolir água, muito menos algo sólido.
Nem é preciso dizer que a mídia da época também não engoliu a história.
Desta vez, no entanto, a mídia ficou satisfeita com a veracidade das informações sobre a condição do papa fornecidas por sua equipe médica no Hospital Gemelli, em grande parte devido aos detalhes específicos que foram divulgados, incluindo admissões de crises respiratórias, transfusões de sangue e o fato de que ele passou vários dias em estado crítico.
Essa nova transparência sobre a saúde papal para uma instituição teimosamente resistente a mudanças se deve em grande parte ao próprio Papa Francisco, que autoriza pessoalmente todas as informações sobre sua condição que são publicadas.
O doutor Sergio Alfieri, diretor do departamento médico-cirúrgico do Hospital Gemelli de Roma e chefe da equipe médica do papa, disse em uma entrevista coletiva em 21 de fevereiro que foi Francisco quem tomou a decisão de ser transparente sobre seu estado clínico e que escolheu ser direto sobre os acontecimentos diários.
Os boletins médicos do papa, disse Alfieri, são um produto das observações conjuntas de vários médicos e especialistas que tratam do papa e são aprovados pessoalmente pelo religioso de 88 anos antes de serem publicados pela Sala de Imprensa da Santa Sé.
Durante a hospitalização de quase um mês do papa, boletins médicos foram publicados quase todas as noites, com exceção dos últimos dias, pois os médicos consideraram que a condição de Francisco era estável o suficiente para passar a divulgar boletins a cada duas noites.
Essa decisão do Papa provavelmente foi, em grande parte, uma medida para evitar especulações desenfreadas e notícias falsas sobre sua saúde.
João Paulo II disse certa vez, quando perguntaram como estava sua saúde, que ele não sabia, pois ainda não tinha lido os jornais.
Todo susto de saúde papal é um terreno fértil para especulação, e este para Francisco não foi exceção. No começo, havia rumores de que ele já havia morrido, e o Vaticano estava mantendo isso em segredo, e alguns dias depois, manchetes circularam dizendo que ele tinha apenas 72 horas de vida.
Francisco ultrapassou em muito essa janela e, de fato, parece estar se recuperando lentamente, mas de forma constante, com os médicos optando na segunda-feira por suspender seu prognóstico "reservado", o que significa que o consideram fora de perigo imediato, apesar de um estado clínico complexo.
Sua decisão de publicar informações tão detalhadas sobre sua condição também é uma mensagem ao mundo e à sua própria instituição de que ele ainda não se foi e que, quando chegar a hora, ele só será declarado morto pelos médicos, não pela mídia ou por sua própria cúria.
Uma gravação de áudio agradecendo ao mundo pelas orações, que o Papa Francisco gravou em seu quarto de hospital e que foi tocada em alto-falantes em 6 de março para os fiéis reunidos para rezar o terço por ele na Praça São Pedro, também foi um sinal de que, embora caído, ele certamente não estava fora.
Para muitos, embora tenha sido difícil ouvir o discurso difícil e ofegante do pontífice, foi reconfortante ouvir sua voz pela primeira vez em três semanas.
Essa opção de transparência por parte de Francisco marca mais uma novidade para um papa reformista, feliz em sacudir a instituição curial e fazer as coisas do seu jeito, e garante que ele é quem controla a narrativa sobre sua saúde.
Ele fez questão de provar esse ponto logo no início, quando decidiu enviar uma mensagem aos seus na Cúria de que ainda estava no comando, ignorando seu próprio sistema para organizar uma reunião no Hospital Gemelli com a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni, que mais tarde divulgou uma declaração comentando a boa forma e o humor do papa.
O Papa Francisco sempre foi reconhecido, por críticos e apoiadores, como um estrategista perspicaz e experiente, e suas ações e decisões em sua suíte particular no 10º andar do Hospital Gemelli provaram, mais uma vez, que mesmo em seu momento mais fraco e vulnerável, ele ainda está no comando.