10 Março 2025
Ao contrário de seus antecessores, Francisco optou pela transparência, não pela ingenuidade: ele se mostra paciente como os outros e, assim, procede à reforma do papado.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por La Repubblica, 10-03-2025.
Crises respiratórias. Vomitar. Insuficiência renal. E então a mensagem de áudio com a voz em dificuldade. A hospitalização de Francisco foi revelada ao mundo sem esconder detalhes duros. Desta vez, nenhuma cortina de reticências ou adoçamento caiu sobre o corpo do Papa. E em um mundo hierárquico como o Vaticano, somente uma pessoa poderia decidir que as coisas deveriam acontecer daquele jeito: o próprio Papa. Que, embora cansado e debilitado, também está conseguindo essa passagem.
A doença do Pontífice sempre despertou cautela, sussurros e conspirações. Questão eminentemente política, é um terremoto que deve ser acompanhado e amenizado. “Os papas morrem, mas não ficam doentes”, era o ditado no Vaticano, que também tinha uma versão mais sarcástica: “Os papas estão bem até o momento da morte e até um pouco depois”. Uma cautela, cimentada pela ausência de normas canônicas no caso de um Papa estar impedido ou gravemente doente, que ao longo dos séculos foi contrabalançada ontem pela zombaria vulgar do povo romano e hoje pelas notícias falsas nas redes sociais, bem como pela inevitável pergunta, tingida de ceticismo: "Mas como está o Papa, realmente?".
Os anais estão cheios de anedotas e incidentes que rasgaram o véu da discrição. O destino mais sombrio aconteceu com Pio XII, um nobre romano e figura hierática. Riccardo Galeazzi Lisi, seu médico pessoal, o médico-chefe papal - uma função deixada de lado por Bergoglio - tinha um vício em jogos de azar: ele se endividou e, para sair dos problemas, em 1958 vendeu fotos do Papa moribundo para um jornal francês. É daí que vem a regra da constituição apostólica Universi Dominici Gregis, segundo a qual "a ninguém é permitido tirar, por qualquer meio, imagens do Sumo Pontífice, esteja ele doente de cama ou falecido".
João XXIII morreu de um tumor maligno no estômago, a Rádio Vaticano minimizou o assunto, falando de uma "doença inexorável" que havia "destruído sua forte fibra". Quando Paulo VI foi submetido a uma cirurgia para retirada de um tumor benigno na próstata, o Osservatore Romano limitou-se a escrever sobre o "mal-estar do qual o Santo Padre sofre há semanas". João Paulo I morreu 33 dias após sua eleição, dando inevitavelmente origem às hipóteses mais românticas. Muito se sabe sobre João Paulo II, começando pela primeira hospitalização de um Papa fora do Vaticano, no Gemelli, após a tentativa de assassinato de Mehmet Ali Agca em 1981. Mas a doença de Parkinson que o atormentou em seus últimos anos foi velada. Joaquin Navarro-Valls, um hábil porta-voz e médico de formação, não relatou detalhes fundamentais, como a traqueotomia, e quando o Papa não conseguia mais engolir, disse aos jornalistas que havia comido "dez biscoitos".
Quanto a Bento XVI, que nunca precisou de hospitalização durante seu pontificado, faleceu no mosteiro onde havia se aposentado como Papa Emérito, longe dos holofotes. Foi Francisco quem governou aquele momento, desde o anúncio do agravamento do seu estado até ao funeral.
Com a mesma lucidez, Bergoglio enfrenta esta sua doença. Ele escolheu a transparência: não uma transparência ingênua ou total (ele não queria ser retratado em uma foto), mas o Papa decidiu que a opinião pública deveria ser informada sobre a evolução de sua doença de forma confiável. Ele pediu aos médicos que mantivessem o máximo sigilo, mas convidou dois deles, Sergio Alfieri e Luigi Carbone, para uma entrevista coletiva. Ele queria que os boletins noturnos não escondessem detalhes desagradáveis. Ele decidiu publicar uma mensagem de áudio sem esconder o esforço de falar. Anos atrás, ele sugeriu a um conhecido médico e jornalista argentino que escrevesse um livro sobre a saúde dos Papas, publicado na Itália pela Piemme : "Ele começou do zero", disse Nelson Castro à Repubblica, "ele me contou todos os seus problemas de saúde, incluindo os psicológicos: uma decisão que marcou uma grande mudança".
Jorge Mario Bergoglio está bem ciente de que, diferentemente de outros Papas mais amados que ele pela Cúria Romana, há aqueles no Vaticano que estariam ansiosos para deixar que informações, mais ou menos verdadeiras, vazassem. Ele sabe que a especulação sobre a doença é uma ferramenta de batalha política, e pagou o preço: quando no início de seu pontificado circulou a mentira de que ele tinha um tumor cerebral, quando o cardeal George Pell, um aliado que virou adversário, saiu por aí dizendo que Bergoglio tinha um tumor terminal, quando durante uma internação anterior descobriu que havia reuniões secretas de cardeais («Eles me queriam morto, estavam preparando o Conclave»).
Como observou o historiador Daniele Menozzi, diferentemente de João Paulo II, que usou o sofrimento para sacralizar a atitude cristã diante da doença, Francisco se mostra um paciente como os outros e, assim, prossegue, mesmo através da doença, na reforma do papado. Ele sabe que não está fora de perigo, ele vive o momento com fé. Extremamente lúcido, ele não sensacionaliza sua doença e não a esconde: ele também controla esse momento.