02 Outubro 2023
A entrevista é de Gorka Larrabeiti, publicada por Religión Digital, 29-09-2023.
De 4 a 29 de outubro de 2023 será realizada a primeira sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos; o segundo será em outubro de 2024. Há quem considere este evento um “mini Concílio Vaticano III”. A tensão interna é alta. Em teoria, o objetivo desse encontro deveria ser o método para enfrentar os problemas que a Igreja tem. Portanto, não deveria haver surpresas dogmáticas.
Contudo, acontece que a Igreja chegou a uma encruzilhada histórica. Apesar dos esforços de Francisco para evitar que a lógica do conflito e das facções operem na Igreja, será difícil chegar a acordos no Sínodo. O abuso sexual, o celibato obrigatório, o diaconato feminino, o papel da mulher, a homossexualidade são questões que afetam não só o ministério sacerdotal, mas o próprio ser da Igreja. O próximo Sínodo está finalmente a preparar-se – com duzentos anos de atraso – para abordar estes tabus. As assembleias nacionais das igrejas chegaram a conclusões muito divergentes.
Tudo isto acontece enquanto vivemos “uma 3ª Guerra Mundial em pedaços”, na qual tanto a aliança atlântica como os destropopulismos globais abraçariam de bom grado uma igreja mais neo-Constantiniana, como demonstra a guerra na Ucrânia.
Que rumo tomará a Igreja depois de Francisco?
Entrevistamos Iacopo Scaramuzzi, vaticanista da Repubblica e autor de vários livros historicamente focados no papado de Francisco. O último, Il sesso degli angeli. Pedofilia, feminismo, lgbtq+: il dibattito nella Chiesa, representa a ocasião perfeita para perguntar o que poderia acontecer no próximo Sínodo da Igreja e para refletir sobre as consequências que poderia ter para a sociedade como um todo.
Como o senhor definiria a fase que vive o pontificado de Francisco neste preciso momento?
É a fase final. Acredito que, se dependesse dele, o papa governaria pelo menos mais alguns anos, até completar 88 anos, tempo necessário para realizar o atual sínodo, que terminará em outubro de 2024, e escrever a correspondente exortação apostólica. Claro que também depende da sua condição física, o próprio Bergoglio sabe que antes dessa meta a sua saúde pode piorar. Por isso, parece-me que, por um lado, o Papa governa com os olhos postos no Jubileu de 2025 e, por outro, “está a dirigir a casa” com uma certa pressa. Parece-me inegável, em qualquer caso, que após a morte de Bento XVI, Francisco tomou uma série de decisões – por exemplo.
Mais de um ano se passou desde a guerra na Ucrânia. Você teria coragem de fazer um balanço da intervenção do Vaticano até agora? O que podemos esperar da mediação do Cardeal Zuppi no futuro?
Acredito que, apesar das generosas ofertas de mediação e do notável ativismo do Papa, a Santa Sé neste cenário é substancialmente irrelevante. As motivações para a guerra são profundas, o seu destino não depende do palácio apostólico, muito menos considerando que tanto a Rússia como a Ucrânia são países predominantemente ortodoxos, o que torna difícil para eles irem a Roma em busca da paz. É verdade que o cardeal Matteo Zuppi, enviado especial do Papa, está a tentar o impossível: em poucos meses passou por Kiev (onde conheceu Zelensky), Moscou, Washington (onde foi recebido por Biden) e Pequim. É a primeira vez que um cardeal é recebido pelas autoridades chinesas não apenas para falar de questões religiosas, mas de um problema geopolítico.
Se os desenvolvimentos no campo da guerra deixassem mais espaço para a diplomacia, o enviado papal, graças à rede multilateral que está a tecer, poderia desempenhar um papel relevante. O Vaticano, em qualquer caso, não oferece um plano de paz, mas sim uma mediação humanitária numa área bastante circunscrita: a recuperação de crianças ucranianas deportadas para a Rússia e a troca de presos políticos. Para entender a situação atual, comparemos com a atuação bem-sucedida da Santa Sé na troca de prisioneiros entre os Estados Unidos e Cuba, o que seria fundamental para que delegações dos dois países se sentassem à mesma mesa no Vaticano em 2014. A persuasão moral de Bergoglio desempenhou o seu papel neste marco, porém, ao contrário de então, hoje não parece que os protagonistas, a começar pela Rússia.
A pergunta anterior refere-se a uma reflexão ainda mais profunda: a influência da Igreja na política nacional e internacional. Diante de pessoas que afirmam que a Igreja, apesar do processo de descristianização do Ocidente em geral, continua a contar com a sua parte, há muitos outros que se queixam, especialmente dentro da própria Igreja, de que ela já não conta como muito, ou mesmo que já não conta, não pinta quase nada. O que você acha disso? Qual você acha que será o legado deste papado nesse sentido?
Sendo uma autoridade moral e não uma grande potência política, econômica ou militar, a capacidade da Santa Sé de influenciar a política internacional é sempre marginal, o que não a impede de ser eficaz. Isto é demonstrado, por exemplo, pelo papel de Francisco junto aos Estados Unidos e Cuba que acabei de mencionar, o de João Paulo II na queda do Muro de Berlim ou a intervenção de João XXIII com Khrushchev e Kennedy para neutralizar a crise dos mísseis em Cuba. Agora, também pode ser ineficaz, como demonstrado, por exemplo, pela tentativa de Bergoglio de promover a paz entre Israel e a Palestina ou pela tentativa de Wojtyla de parar a guerra dos Estados Unidos no Iraque.
A grande aposta de Francisco tem sido, por um lado, arquivar a guerra fria, que, a meu ver, tinha deixado a Igreja presa no lado ocidental (uma consequência lamentável e flagrante disso seriam as perseguições aos cristãos no Médio Oriente) e o transformaram em um viveiro de valores morais conservadores (funcionais à aliança com Washington) – e, por outro, em canais abertos de comunicação com o Oriente, uma terra historicamente espiritual onde a fé cristã pode crescer muito. Nesse sentido, Bergoglio alcançou dois sucessos históricos: o encontro com o Patriarca russo Kirill em 2016, que ocorreu pela primeira vez na história, e em 2018 o acordo com a China sobre as nomeações de bispos, que também foi a primeira vez na história …que Roma e Pequim têm conversado desde que Mao Tsé-tung chegou ao poder.
No entanto, Francisco teve azar com a História, que semeou no seu caminho uma onda de acontecimentos geopolíticos profundos, como a guerra na Ucrânia, que explodiram toda a sua Ostpolitik. Apesar de tudo, considero corretos tanto o curso quanto a intenção de suas ações.
No seu livro anterior, o excelente Dio in Fondo a Destra, traduzido para inglês e polaco mas não para espanhol, traçou uma série de fios que iam de Fátima a Moscou, passando pelo Brasil ou pelos Estados Unidos, nos quais relatava como e por que o novo destropopulismo global (Salvini, Bolsonaro, Putin, Le Pen, Trump...) manipulou o sagrado para sustentar o político profano. Vários anos se passaram desde sua publicação. o que aconteceu desde então? Que tendências você prevê?
Infelizmente, a tese subjacente ao meu livro apenas foi confirmada. A pandemia, que eclodiu após a primeira edição do meu livro, expôs os populistas de direita, revelando que os inimigos não eram os migrantes, mas um pequeno vírus que calmamente ultrapassou todas as fronteiras, que sem solidariedade internacional (e especificamente europeia) não havia saída da crise, que exigiu competição e ciência para enfrentá-la. Em teoria, os soberanistas deveriam ter desaparecido após a pandemia e, em vez disso, regressaram mais robustos do que antes, de Giorgia Meloni a Donald Trump, passando por Viktor Orban e finalmente Javier Milei na Argentina.
E por que? Porque a política não é racionalidade, mas sim paixões e necessidades, e a pandemia aumentou aquele sentimento de insegurança e inquietação que já se tinha espalhado por todo o lado nos últimos anos devido à crise económica, às ondas migratórias e à globalização desumanizante. A reação ao sentimento de decadência (não importa se é real ou percebida) é o encerramento, a nostalgia de um passado melhor imaginado, o simples pensamento. Um afastamento que também se alimenta do que há de pior na religiosidade, entendida como um emaranhado de fé e superstição. Em terras de evangelização antiga, esta simplicidade recorre ao simbolismo do cristianismo para reivindicar uma identidade que é percebida como ameaçada.
Estamos chegando ao seu livro sobre sexo. Há historiadores do cristianismo que sustentam que a Igreja se encontra numa crise sistémica tão grave como a do Concílio de Trento, do qual emergiu com a Contra-Reforma. É um grande negócio? O que o sexo tem a ver com isso?
A impressão é, com efeito, a de uma crise existencial da Igreja em que o sexo tem muito a ver com isso porque tem a ver com poder. O drama do abuso sexual, por exemplo, não é um simples escândalo moral, muito menos um problema de incontinência dos indivíduos, mas uma crise do sistema, pois revela uma concepção incompreendida do padre, uma figura impune, tão separada e superior ao sacerdotes, fiéis (todo abuso sexual é também um abuso de poder). Revela também uma moralidade insistente ao ponto da obsessão pelo ato sexual, que se calava sobre as relações entre pessoas do mesmo sexo e os corpos das mulheres, ou, pior ainda, persistia em negar as evidências da imaturidade e das patologias sexuais de seminaristas e sacerdotes. Duas questões – ministério sacerdotal e moralidade sexual – relevantes para a eclesiologia pura, sendo a Igreja no mundo de hoje. Batalhas de natureza completamente diferente foram travadas nos corpos e na sua intimidade.
De onde veio Il sesso degli angeli e o que você pretendia ao publicá-lo?
Nasceu, antes de mais, de uma proposta de Goffredo Fofi, o editor, que, como sismógrafo sensível às profundas mutações da sociedade e da História, talvez pressentisse que estava a ocorrer um grande cisma no catolicismo. Nasce também do meu sentimento de que a Igreja está a chegar a um ponto de ruptura em questões de moralidade sexual. Uma sensação que deriva da minha atividade como jornalista “Vaticanista”, que lida diariamente com as notícias do Vaticano. Roma é um observatório privilegiado, pois é o terminal da agitação que ocorre na Igreja Católica em todo o mundo. Com o passar do tempo, cheguei a um ponto em que percebi que lidar com a Igreja significava lidar constantemente com a sexualidade em sentido amplo: o abuso sexual, a formação emocional e a sexualidade dos sacerdotes.
Tentei seguir a linha pontilhada, perguntando-me o que é que unia temas que apenas na aparência pareciam desconexos. E pareceu-me notar imediatamente uma aceleração da história, uma precipitação de acontecimentos e a abertura em países muito diferentes de uma fratura antológica, que revela algo que sempre considerei uma incongruência, para não dizer uma heresia: a ideia de que, como escrevo na introdução, “no bom senso, assim como na auto-representação da Igreja, ser católico e ser pró-vida são sinônimos. Que a prioridade absoluta para um fiel, um bispo ou um papa seja o ‘não’ ao aborto e ao casamento gay, a crítica aos contraceptivos e à fluidez de género, a defesa da família baseada no casamento heterossexual e, para os padres, o celibato obrigatório. Em última análise, é uma questão de sexo.” Tudo isso, entretanto, encontra pouco ou nenhum fundamento nos ensinamentos de Jesus Cristo nos Evangelhos.
Você cita a famosa frase do Cardeal Martini, que afirmou que a Igreja “está 200 anos atrasada”. Esse número é uma coincidência ou obedece a alguma lógica?
Acho que não é uma coincidência. A citação de Martini é mais citada do que conhecida: deve ser relida na íntegra para compreender que o cardeal jesuíta falava especificamente sobre a moralidade sexual e falava em particular à luz do colapso da credibilidade da Igreja que explodiu com a crise dos abusos sexuais. Pois bem, há duzentos anos, com a Revolução Francesa, a Igreja Católica perdeu o poder político. Como explica o historiador Daniele Menozzi, que pude entrevistar, só restava uma área em que ele poderia continuar a influenciar os fiéis e toda a sociedade: a moralidade sexual.
Uma proteção da ordem social que a sociedade burguesa e capitalista lhe transferiu voluntariamente quando ocorreu uma convergência de interesses com a Igreja na promoção da família e do nascimento: esta última trabalhou pela salvação das almas e por uma “reconquista” dos perdidos poder social; capital trabalhou para o crescimento econômico. Desde então, há exatamente 200 anos, a Igreja, desde o último confessor até ao mais alto magistério ascendente na hierarquia, tem dedicado cada vez mais atenção à moralidade sexual. Por conta disso, o ensino sobre o tema ficou “congelado”.
Tomemos hoje um texto sobre teologia, doutrina social, ecumenismo, liturgia, etc. Compare-o então com um texto análogo do início do século XIX e ficará claro que, lentamente ou poderíamos dizer com sabedoria, ele evoluiu, e muito. Por outro lado, se tomarmos um manual do confessor de hoje e outro de duzentos anos atrás, descobriremos que a moral sexual católica permanece essencialmente inalterada: o único sexo bom é aquele entre cônjuges, aberto à procriação. Um anacronismo devido não a um destino evangélico mas, como dissemos, a uma luta travada pela Igreja para manter o poder na sociedade.
No capítulo I você faz um panorama histórico dos abusos. Confesso que não tinha ideia de que tudo começa em 1983 com uma criança aleatória de uma cidade americana aleatória, numa tarde aleatória. É possível distinguir fases nestes 40 anos? Onde estamos hoje?
Suponho que podemos apontar para uma primeira fase “pioneira”, quando apenas o jornalista americano Jason Berry e alguns outros lidaram com abuso sexual; uma segunda fase em que o escândalo explode nos Estados Unidos, e que começa com o caso Spotlight descoberto pelo Boston Globe em 2001; uma terceira fase, que atinge o seu pico em 2009-2019, quando, à medida que os casos “endêmicos” de abuso vêm à luz na Irlanda, Alemanha, Holanda, Bélgica e Áustria, sob Bento XVI, até os negacionistas mais experientes têm de admitir que isto não é um problema americano, mas global; e uma quarta fase nestes anos, sob Francisco, com a descoberta do “outro escândalo da Igreja”, graças a um bom documentário da televisão franco-alemã Arte sobre o abuso de mulheres. Mas eu deixaria esta sequência temporal para os historiadores.
O Capítulo II centra-se nas mulheres e no seu papel na Igreja. O que mudou com Francisco? O que ainda deve mudar?
Digamos que muita coisa mudou e muito pouco mudou. Pela primeira vez, este papa colocou algumas mulheres em centros de poder efetivo (o dicastério que nomeia os bispos, a Secretaria Geral do Governo da Cidade do Vaticano), estabeleceu as condições legais para nomear uma mulher à frente de um dicastério – um ministério, se nos entendermos – e admitiu pela primeira vez um grupo de mulheres, consagradas e leigas, na assembleia sinodal como membros com direito de voto.
Contudo, na minha opinião, ainda não é suficiente. Não só porque se trata de iniciativas que acompanham uma teologia e uma eclesiologia tradicionais (e talvez também não seja possível reivindicar uma sensibilidade feminista de um jesuíta latino-americano octogenário). E não só porque noutras áreas, e refiro-me ao diaconato feminino, Bergoglio impediu qualquer abertura possível, mas porque a exclusão das mulheres do governo da Igreja - aquelas que nas paróquias, nas escolas, nos hospitais católicos conduzem à Igreja é, na minha opinião, o verdadeiro elefante na sala neste momento. Para esse pai e para quem vier. Se as mulheres forem embora, adeus Igreja. As exigências de uma reforma mais radical, a impaciência para que ocorram agora, como não partilhá-las.
Tenho a impressão de que as batalhas feministas e LGTBI que ambos os grupos estão travando dentro da Igreja despertam pouco interesse nos seus grupos leigos correspondentes. A solidariedade não foi vista no movimento feminista com os abusos que as freiras denunciam, e nem no movimento LGTBI com as ações de movimentos como Outreach e Pe. James Martin SJ. É mesmo? Se sim, por que tanta falta de empatia?
Em geral, compartilho desta impressão e isso me deixa bastante triste. O primeiro impulso é compreender a certa dificuldade de aceitar que se quer ser católico e feminista, católico e ativista pelos direitos das pessoas LGBTQ+. Aí vem a clássica objeção: “Mas como você reivindica direitos que foram violados pela instituição a que você pertence?” Agora: a objeção é míope. Dentro da Igreja, e precisamente por causa da fé, existem exemplos esplêndidos de liberdade, de luta pelos direitos da pessoa e também de promoção de uma teologia queer, como a que Michela Murgia realizou admiravelmente. Acredito que pessoas como ela estão destinadas à cansativa e louvável tarefa de construir pontes entre mundos separados: o risco, obviamente.
O livro também entrevista a ex-presidente da República da Irlanda, Mary McAleese, que dá grande ênfase a uma questão crucial: a formação dos padres. Do que ele sofreu? Houve mudanças?
A ex-presidente irlandêsa destaca uma questão muito relevante na minha opinião: a atitude anti-intelectual que se desenvolveu nestas décadas na Igreja. Como é possível que uma instituição que durante séculos guardou a cultura com as suas bibliotecas e conventos, que com as suas escolas e universidades educou o pensamento de gerações de europeus, e depois de americanos, asiáticos, africanos, que tem um peso relevante na história da arte, da filosofia, da ciência, eu digo, como é possível que hoje eu tenha medo de perguntas, de opinião pública, de notícias? Penso que é uma questão enorme, que nos remete à dialética histórica entre fé e modernidade e que a Igreja Católica tentou abordar com o Concílio Vaticano II, e depois, após o parêntese de João Paulo II e Bento XVI.
A própria McAleese retrata um Francisco de duas caras, com uma face muito progressista em questões externas (emigração, ecologia integral) e outra tão turva, um tanto indecifrável em questões como homossexualidade, sacerdócio feminino, abusos. Acho que Mary McAleese aponta uma contradição objetiva.
Em Il sesso degli angeli, publicado em 2022, ele alertou que um “cisma de direita” e um “cisma de esquerda” estão à espreita. A que ele estava se referindo? Como tentarão evitar-se mutuamente no próximo Sínodo?
Eu não acho que eles sejam evitados. E mais: acho que esses dois setores vão ter uma grande briga. Não são cismas reais, mas sim ameaças de cisma, transmitidas especialmente pela direita para evitar qualquer reforma mínima. O alemão, “de esquerda”, questiona o celibato obrigatório, a exclusão das mulheres do sacerdócio, a proibição de abençoar casais homossexuais; A “direita” americana abraçou uma ideologia neoconservadora em sintonia com o uso do cristianismo baseado na identidade em questões fundamentais como o aborto e o casamento gay. Às vezes parecem, de fato, ser duas Igrejas diferentes que não podem coexistir dentro da mesma Igreja. Acredito que o compromisso de Francisco é forçá-los a confrontar-se sem timidez ou preconceito para encontrar uma nova síntese que garanta à Igreja um futuro de “unidade na diversidade”.
Há rumores de que as informações sobre o Sínodo poderiam permanecer sob sigilo papal. Por quê? Francisco não defendeu sempre a transparência?
Essa seria a intenção do Papa revelada pelo prestigiado jornal francês La Croix, e sim, de fato, nem para o espírito de transparência nem para nós, jornalistas, é uma boa notícia. Penso que Francisco teme que se as reuniões da assembleia fossem transmitidas em streaming, prevalecesse a lógica da oposição entre dois lados, progressista e conservador, o que endureceria o debate e tornaria mais difícil mudar de opinião, chegar a pontos comuns, encontrar acordos. Pode acontecer, de fato.
No entanto, considero que estes contrastes existem em qualquer caso e que deixá-los vir à luz não impediria uma síntese, mesmo que esta fosse o resultado de um conflito. Isto é, essa dinâmica democrática e parlamentar tão prejudicada não teria que impedir o sopro do Espírito Santo. E que, pelo contrário, a ausência de transparência beneficia aqueles que, de direita, querem inviabilizar o Sínodo. Como disse o historiador do Vaticano Benny Lai, “o conspiracionismo [dietrologia] responde com todo o seu talento a tanto sigilo”.
Uma pergunta obrigatória sobre a Igreja na Espanha. Esta fratura, este suposto cisma lento que estaria a rachar a Igreja, que forma assume em Espanha?
Tenho a sensação de que, como aconteceu noutros países, Francisco também trouxe um ar refrescante à Igreja espanhola; a renovação, aliás, que alguns acolheram com entusiasmo; outros, com hostilidade aberta, enquanto não faltam aqueles que o julgam com prudência. A linha do cardeal Rouco Varela, que orientou o bispado antes de Francisco, foi rejeitada por Francisco em favor de uma abordagem mais pastoral, mais atenta às questões sociais, mais em diálogo com a modernidade. Muitos que de fora da Igreja olhavam para ela com hostilidade, creio que hoje, porém, olham para ela com curiosidade. O que de forma alguma significa que as igrejas foram novamente preenchidas. Digamos, por outro lado, que, na minha opinião, este não pode ser o critério com o qual deve ser avaliado o testemunho evangélico no mundo de hoje.
A última pergunta é impossível, mas obrigatória: o próximo Papa: quais nomes estão sendo considerados? Que desafios o Papa e a Igreja em geral devem enfrentar?
Os nomes que circulam no momento são Parolin, Zuppi, Tagle, Grech, Erdo, Ranjith, Artime... e eu poderia continuar. Para já não me parece que exista um candidato objetivamente forte e acredito que, sempre que se realizar, será um Conclave mais imprevisível do que o habitual. Francisco nomeou mais de dois terços dos cardeais eleitores, ou seja, o quórum necessário para eleger o seu sucessor, mas não é certo que se trate de um grupo homogêneo e solidamente bergogliano.
Acredito antes que, depois da série de novidades e de choques que ela trouxe, as preferências serão dirigidas para uma figura capaz de recolocar as águas nos trilhos, de consolidar as reformas iniciadas ou apenas planeadas, de pôr ordem na a pilha de obras em andamento. Talvez ele seja uma figura muito espiritual. Talvez uma personalidade atualmente um pouco nas sombras. Francisco sugeriu diversas vezes, mais recentemente publicamente, que o seu sucessor assumiria o nome de João XXIV, em continuidade com o papa que abriu o Concílio Vaticano II. Tendo a excluir que se trate de um Pio XIII (como imaginou Paolo Sorrentino). Pessoalmente, temo um João Paulo III que significaria um atraso na relação da Igreja com a modernidade. Posso imaginar que chegará um Paulo VII, o nome do Papa que concluiu o Concílio sem que este descarrilasse.
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Iacopo Scaramuzzi: “A Igreja está chegando a um ponto de ruptura em questões de moralidade sexual” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU