18 Março 2025
Há um convidado de pedra na mesa de negociações para pôr fim ao conflito iniciado pela Rússia na Ucrânia. O comissário para os direitos humanos do Conselho da Europa, o irlandês Michael O'Flaherty, aponta esse fato várias vezes. “Realmente me dói ver que, entre as atuais mudanças tectônicas geopolíticas e o recuo do multilateralismo, estamos testemunhando um enorme desrespeito pelos direitos humanos”, denuncia em entrevista ao Avvenire. “Todos os dias, desde o início da invasão russa, a população ucraniana suportou bombardeios, deslocamentos em massa, violações dos direitos humanos e sofrimento em uma escala inimaginável. É fundamental que as discussões sobre uma futura paz para a Ucrânia abordem as urgentes preocupações humanitárias e a situação dos seres humanos afetados pela guerra”. No entanto, no momento, “realmente nos perguntamos onde está o elemento humano nas negociações de paz...”.
A entrevista é de Vincenzo R. Spagnolo, publicada por Avvenire, 16-03-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Você já esteve na Ucrânia e está prestes a retornar. Viu as consequências de três anos de bombas, morte e escombros. No entanto, nas negociações, esse sofrimento não encontra reconhecimento nem dignidade. Por quê?
Não é minha tarefa falar sobre as razões por trás dessa escolha. Em vez disso, o que posso e devo reiterar é a necessidade de garantir o reconhecimento do sofrimento das vítimas e as reparações. Para enfrentar o problema, qualquer roteiro deve levar em conta explicitamente as violações dos direitos humanos e as terríveis circunstâncias sofridas pelas pessoas afetadas.
Quando o conflito terminar, será avaliada a responsabilidade pelas ações brutais realizadas na guerra?
De acordo com o direito internacional, é essencial responsabilizar os autores de graves violações dos direitos humanos e crimes de guerra. Sem dúvida, isso será um desafio, mas continua sendo um requisito fundamental para alcançar uma paz autêntica e duradoura. O apoio contínuo dos Estados-Membros ao Tribunal Penal Internacional, juntamente com o processo para a criação de um tribunal especial para o crime de agressão contra a Ucrânia, será crucial para garantir que a justiça seja feita.
Mas o fortalecimento da capacidade da Ucrânia de processar e julgar criminosos de guerra também deveria ser uma prioridade nos próximos anos. E, à medida que o país se afastar da lei marcial, será importante ajudar para aliviar as restrições que permanecem sobre os direitos humanos.
Vatican indirectly critiques Putin in calling for the parties involved in Ukraine war to “seize the opportunity for a sincere dialogue, not subject to preconditions of any kind, and aimed at achieving a just and lasting peace.” https://t.co/hlvddvkbhB
— Austen Ivereigh (@austeni) March 18, 2025
Outro aspecto doloroso é o dos prisioneiros capturados durante as hostilidades, as pessoas desaparecidas e os muitos menores deportados para a Rússia. O que pensa sobre isso?
Esse é outro aspecto fundamental, que não deve ser deixado de lado. A libertação dos prisioneiros de guerra e dos civis detidos, o retorno em segurança das crianças ucranianas levadas à força para a Rússia e a busca por aqueles que desapareceram em decorrência do conflito são passos vitais para uma paz verdadeira e duradoura. A sociedade civil ucraniana tem sido particularmente clara ao exigir essas medidas, e com razão.
O que acontecerá com as famílias ucranianas deixadas em áreas a que o Kremlin não pretende renunciar?
Se os direitos humanos forem incorporados às negociações de paz, haverá uma possibilidade real de fortalecer as proteções para as pessoas nos territórios sob controle temporário russo. Para isso, os observadores internacionais de direitos humanos devem ter acesso a essas regiões. Essas considerações deveriam nortear todos os planos para o retorno seguro de pessoas deslocadas e refugiados. Dessa forma, as famílias poderão ter certeza de que seus direitos serão respeitados, se e quando decidirem retornar.
A questão, como em qualquer fase pós-guerra, das reparações para as vítimas também poderia surgir.
Com certeza. Todas as vítimas da agressão russa têm direito a uma indenização. E é essencial começar a reservar os recursos necessários desde agora. O Conselho da Europa já está fazendo uma contribuição, criando um Registro de danos para a Ucrânia e considerando a criação de uma comissão de reclamações. Essas medidas serão fundamentais para canalizar efetivamente as reparações e garantir que aqueles que mais sofreram recebam o apoio de que precisam.
Mas depois das conversas na Casa Branca entre Trump e Zelensky, não há o risco de que o governo de Kiev acabe sendo relegado ao papel de mero “espectador” nas negociações?
A Ucrânia, como vítima de agressão, deveria estar no centro de qualquer negociação e a sociedade civil deveria estar envolvida. Além disso, o envolvimento de atores multilaterais pelos direitos humanos poderia ajudar muito a moldar uma paz duradoura. Como você contribuirá para que isso aconteça?
Estou prestes a partir para a Ucrânia e verei por mim mesmo como explorar essas questões em profundidade.
Os ucranianos têm todos os motivos para esperar um processo de paz no qual as preocupações humanitárias e sobre os direitos humanos sejam centrais. Apoiarei o trabalho do Conselho da Europa nesse sentido da melhor forma possível, dentro do meu mandato, continuando a levantar a questão com vigor. Farei isso porque acredito firmemente em uma coisa.
Em quê?
Que ignorar os direitos humanos hoje significa minar a paz amanhã. Repito: se quisermos uma paz justa e sustentável, tanto na Ucrânia quanto em qualquer outra área de conflito, devemos incorporar os direitos humanos nas negociações.